Meu marido deixou crescer o bigode e por este motivo resolvi ler “Anna Karenina”. Já conhecia a história através do filme de Joe Wright, de 2012. A versão não é considerada uma das melhores, porém causou-me muito impacto na época, quando assisti.
De todos os personagens, o mais marcante para mim foi ele mesmo, o bigodudo conde Vronsky. Sim, eis aqui o meu calcanhar de Aquiles – para manter o tema anatômico. O pior partido de toda a Rússia, um cafajeste e conquistador irreversível conseguiu captar mais a minha atenção do que toda a complexidade de Anna. Os motivos permanecem obscuros… Pode ser por causa do belíssimo ator – Aaron Johnson – que o interpretou naquela trama. Mas creio que não foi só isso. O que me chamou a atenção em Vronsky foi também a intensidade de sua paixão por Anna, a dimensão de seu amor por aquela interessante personagem, que levou seu narcisismo masculino ao limite.
Bigode por bigode, resolvi mergulhar nas quase 700 páginas do romance. E foi quando realmente a obra de Tolstoi revelou-se em todo o seu esplendor para mim. Vronsky ficou pequeno perto da força de Anna. E todas as listas de livros feministas tornaram-se incompletas a partir de então, sem incluírem essa história.
A exemplo de várias obras da época, como Dom Casmurro e Madame Bovary, o enredo trata de um adultério feminino, com o atenuante dos casamentos arranjados e de toda a opressão sofrida pelas mulheres no século XIX. No entanto, Anna tem algo de especial. Ela tem uma ousadia, uma força que perpassa os costumes de seu tempo e que se mostra rara ainda nos dias de hoje.
A cena que mais traduziu este fato, para mim, foi a do teatro. Anna havia se tornado uma pária da sociedade aristocrática a que pertencia, após deixar o marido, um importante político, para viver com Vronsky. Suas amigas a abandonaram e seu nome virou sinônimo de vergonha. No entanto, uma vez em São Petersburgo, ela resolve ir assistir à ópera. Até mesmo Vronsky acha aquilo um absurdo, pois sabe que ela será mal vista pelos demais presentes, correndo o risco de ser, inclusive, ofendida.
No entanto, ela vai mesmo assim. Coloca um vestido de ombros desnudos, acompanha-se de uma velha tia e encara a todos. Mesmo sabendo que haveriam olhares e comentários. Naquele momento, o próprio conde surpreende-se com a falta de pudor social e de sujeição às normas pré-estabelecidas de sua amante. Normas essas que, muitas vezes, constituíam uma prisão. Sem que se faça nenhum julgamento moral sobre seus atos, o que Anna exerceu ali foi uma ampla e pura liberdade, virtude rara, raríssima, que nem mesmo um homem padrão daquela época era capaz de possuir inteiramente.
Estando ou não errada, no teatro a personagem foi livre. E isto, mesmo 170 anos depois, ainda não é um estado plenamente exercido por nós mulheres. Após a ópera, ela sucumbiu em lágrimas. Porém, sua presença ali tornou-se um emblema do exercício da mulher em seu pleno direito de ir e vir, a despeito de estar certa ou errada, a despeito dos julgamentos alheios (sem qualquer envergadura moral para tanto), e a despeito, sobretudo, de um ideal fictício de si mesma, que ela não devia nem a si própria e nem a ninguém.
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Esse romance é denso demais. Quando terminei, estava esgotado. At hoje, sem coragem de encarar Guerra e Paz. Ótimas impressões no seu texto, Taís! Abraço.