Entre os seis e os vinte anos, morei em um gostoso bairro residencial de BH, o Anchieta. Lá, fazia-se tudo à pé. Sacolão, padaria, farmácia, papelaria. À pé também eu ia para as aulas que cursava no período da tarde, quando não estava na escola. Entre elas, as de teclado e as de inglês.
Usualmente, para chegar até meus destinos, precisava passar por uma rua mais movimentada que a minha e muito arborizada. Nela, havia algo que me chamava a atenção: um frondoso e enorme ipê amarelo. Ele se encontrava plantado sobre um alargamento da calçada, rente a um muro. E era uma verdadeira aparição. Quando floria, salpicava todo o asfalto de pontos de cor e formava uma cena encantadora em contraste com os prédios e o céu.
Ver a árvore amenizava a penúria do morro que estaria prestes a subir, rumo à avenida Afonso Pena, onde ficava a Cultura Inglesa (e onde já levei um tombo homérico que trouxe minha primeira cicatriz). Ao mesmo tempo, já dava o tom da erudição em preparo para a aula de música, uma rua à frente (nem sempre, eu estava nesse tom…).
Houve uma tarde em que, embevecida pela beleza daquele trecho do caminho, senti um mau cheiro ao passar ali. Logo deduzi que alguém havia utilizado o espaço que ficava entre o tronco e o muro como banheiro.
Aquilo, para uma mente infantil e em desenvolvimento, me trouxe bastante horror. Passei a associar a árvore ao cheiro ruim e ao passar por ela, prendia a respiração e mal a contemplava para que odor nenhum pudesse aproximar-se de mim.
Subitamente, aquilo que mais me encantava em minhas andanças passou a tornar-se um incômodo, motivo de tensão e repulsa. De todas as árvores desta rua, pensei, por que acontecer isso justo aqui, na mais bonita? Ela era tão alta que se seu tronco não fosse suficientemente largo, certamente o local escolhido para o alívio intestinal teria sido outro, por não prover a “privacidade” adequada.
E foi esta uma das primeiras vezes em que vislumbrei a dualidade das coisas. Da grandeza que traz problemas justamente por ser grande. Da beleza que jamais é completa. Da rua de prédios que não é a realidade da moradia de muitos. Ou é, de forma literal e triste. Foi aí também que uma embrionária consciência social começou a despontar em meu caminho.
Ah, os ipês de BH! Para cada um de nós que aqui vive, carregam ainda mais do que flores, histórias.
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