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Guilherme Scarpellini

Lombriga não tinha esse apelido por acaso. Era alto, branquelo e muito, muito magro. Rastejando no chão, se passaria por uma minhoca albina gigante, daquelas que moram em cavernas abissais. De pé, sobre dois varapaus, era o bom e velho Lombriga, como todos o conheciam.

— Fecha a boca e segura a barriga.

— Por quê?

— Lá vem o Lombriga.

(Risadas…)

Era assim que anunciavam a sua chegada por todos os cantos da cidade pequena.

Puxa vida… Lombriga! Como ele odiava aquele apelido.

Foi uma década de sofrimento na escola. Quase outra década de tortura na puberdade solitária. Agora, na vida adulta, é obrigado a conviver com a piada idiota da “barriga, lá vem o Lombriga”.

O ponto de virada na vida de Lombriga foi um comercial na tevê.

Na tela, Sylvester Stallone virava um pote de liquidificador, despejando goela abaixo um líquido branco e espumoso. Depois, olhava para a câmera mostrando um bíceps do tamanho de um saco de cimento e dizia, com voz de dublagem barata:

— Whey Protein do Stallone! O suplemento que te dá a força do Rock Balboa!

O astro mal havia completado a frase de efeito, e Lombriga já estava discado o número que aparecia na tela e encomendado o seu pote de Whey Protein.

Com a eficiência do Rambo II, o pote pesado e volumoso chegou em três dias.

Lombriga seguiu à risca as orientações do rótulo, associando a dieta de Whey Protein à alimentação saudável, ao consumo de agua e, claro, a três ou quatro séries de polichinelo antes do banho.

Logo nas primeiras semanas, foi possível notar um calombo, do tamanho de um ovo de galinha, na parte superior de seus braços.

No mês seguinte o ovo já havia se tornado uma respeitável bolota. Somado a isso, gomos musculares começaram a brotar em seu abdome, e as pernas, outrora varapaus, agora eram grossas e rígidas, feito troncos de árvores.

Lombriga já não era o mesmo, e ele gostou do que viu no espelho.

O milagroso pote de Whey Protein não estava nem na metade, quando o ex-Lombriga descobriu que, se dobrasse o consumo, poderia interromper os polichinelos.

Então ele triplicou o consumo.

E o mais simples dos movimentos passou a implicar em ganho muscular.

Segurar um copo de água equivalia a suspensão de halteres pesados. Os movimentos respiratórios eram verdadeiras séries abdominais. O sono, um dia todo de ginástica. Quando acordava, estava duas vezes maior.

A coisa começou a sair do controle quando Lombriga percebeu que os seu pé esquerdo já não cabia mais no sapato. Ele jamais soube que houvesse músculos nos pés. Até que precisou desencravar a unha do dedão. Agora tinha um pé enorme, com veias estufadas. Igualmente arrependeu-se de homenagear uma das garotas da cidade durante o banho. O membro, grosso como um extintor de incêndio, já não cabia nas calças.

Então Lombriga suspendeu a dieta.

Mas só de pensar em suspender a dieta, a atividade cerebral acabou gerando um gasto energético, que foi transformado em estímulos neural e, por fim, em ganho muscular. Uma camada de músculos se desenvolveu na cabeça, tornando-a mais acentuada na região frontal, onde a atividade cerebral é mais intensa.

Ao notar que tinha uma cabeça de Alien, Lombriga foi tomado por pânico. Os batimentos cardíacos aceleraram-se, como uma rajada de metralhadora, e a respiração tornou-se intensa.

Resultado: ganho muscular!

Uma saliência enorme surgiu no lado esquerdo do peito, e região abdominal tornou-se uma rocha disforme e irregular.

A situação, que não era nada boa, ficou ainda pior, quando Lombriga abriu a boca para chorar.

O choro de desespero resultou em asquerosas proeminências rígidas na face.

Os gritos de socorro endureceram e engrossaram a língua, que não mais cabia na boca, obrigando-o a mantê-la aberta. Fato que sobrecarregou as maxilas, que acabaram adquirindo um aspecto grotesco.

O estresse, ocasionado por toda essa situação, gerou uma descarga de adrenalina em cada um dos nervos de Lombriga, que se incharam, assumindo a forma de fios de alta tensão.

No final das contas, Lombriga tornou-se uma massa de músculos amorfa, cheia de veias roxas salientes.

Não era possível identificar onde começava e onde terminava aquela aberração miserável. Os músculos inviabilizaram os movimentos das pernas. E quanto mais o pobre Lombriga se esforçava para se locomover, estimulava o ganho de massa.

A duras penas, o amontoado de músculos conseguiu se arrastar até a escrivaninha do quarto. Dois caminhos se abriram para ele:

1) alcançar o telefone e resmungar algum socorro;

2) alcançar o revólver dentro da gaveta e dar cabo ao sofrimento;

Lombriga pensou na segunda opção e, só de pensar, a sua testa se infestou de calombos. Ele estava mesmo disposto a dar um fim em sua vida desgraçada. Mas, quando esticou o dedo para puxar o gatilho, o pior aconteceu.

Uma bola de músculo saltou de sua falange.

O dedo enrijeceu feito pau.

E Lombriga lamentou até explodir.

Guilherme Scarpellini

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