Categories: Taís Civitarese

Reflexões sobre a catastrofilia

Reflexões sobre a catastrofilia – Foto: pixabay
Tais Civitarese

É sabido que boa parte dos jornais vive de publicar más notícias. São estas as que geram mais interesse, as que chamam mais a atenção. Existem periódicos dedicados quase que exclusivamente ao relato de crimes. Vendem como água e não se pode dizer que agregam nenhum outro tipo de informação.

Tive uma vizinha que adorava contar tragédias. A cada encontro, era uma pior e diferente. Eram desgraças sobre gente que eu nem conhecia. Mesmo assim, ouvia-a descrevê-las com riqueza de detalhes e grande variedade de entonações macabras.

A que parte de nós serve essa mania?

Por que nos atraímos pelo horror mesmo que conscientemente busquemos a felicidade?

Pode ser que sintamos algum tipo de adrenalina ao saber do perigo possível. Ou que evoquemos nossa sorte pelo fato trágico não ter acontecido conosco. Que tomemos a real dimensão do tamanho da fúria do universo. Ou que aprendamos com as situações alheias e possamos nos proteger a partir delas. São muitos motivos…

Entretanto, desconfio que não seja a melhor escolha reter o foco em histórias tristes. Um dos maiores aprendizados que tive na vida foi com o meu marido. Ele tem um olhar completamente voltado para a certeza de que tudo sempre dará certo. Sua confiança é profunda. Não gosta de ouvir nem de falar sobre desastres. Antes de qualquer coisa acontecer, ele já parte de um lugar de fé e otimismo.

Muitas coisas obviamente dão errado. Porém, por algum motivo, o fato de não antecipar a ansiedade pela possibilidade do erro torna o próprio erro menos grave e dolorido.

Por perceber que isto lhe é inato, não tenho a intenção de propagar aqui esta “técnica”.

Quero apenas ressaltar a opção que se tem de não viver o constante vaticínio da tristeza. Como parece querer a mídia. Como parece que somos viciados em fazer. Como parecer ser uma modalidade meio histérica de existir. Pois, ao apontar a falta, mostro que não há paz possível. E, assim, justifico a minha própria aflição.

Ou pior.

Essa sensação, uma vez implantada, é um campo fértil para a doutrinação. Seja religiosa, política ou capitalista. Quando, ao contrário, aposta-se na confiança, na segurança e no sucesso, perdem empresas de seguro, perde um grande e rentável staff, perdem muitos egos alheios…

Já fui uma pessoa muito temerosa. E sou muito grata por ter aprendido ao longo de alguns anos a ter um olhar mais otimista para a vida. Não se deve ignorar a ciência e muito menos as vacinas – elas são, e muito, necessárias! Porém, recuso-me a viver pensando sempre o pior sobre tudo e disputando qual o detalhe mais sórdido sobre a pior história que alguém tenha me contado. O medo é uma forma de controle e enquanto for possível usar a razão – e um pouco de rebeldia – contra ele, o manche da minha aventura (de viver) estará comigo.

*
Curta: Facebook / Instagram
Tais Civitarese

Share
Published by
Tais Civitarese

Recent Posts

O Isqueiro de Maconha em Israel

Wander Aguiar Lembram do churrasco na Palestina? Pois bem, esqueci de apresentar um personagem inusitado…

12 horas ago

Mona Lisa

Está em cartaz em Belo Horizonte até o dia 8 de dezembro no Espaço 356,…

19 horas ago

Voo, voa, avua

Sandra Belchiolina sandra@arteyvida.com.br Voo, Voa, avua, Rasgando o céu, Voo no deslize. Voo, Avua, Rasgando…

2 dias ago

Dia da consciência negra: sobre o racismo e as relações de escravidão modernas

Daniela Piroli Cabral contato@dnaielapiroli.com.br Hoje, dia 20 de Novembro, comemora-se mais um dia da Consciência…

3 dias ago

Holofote, holofote, holofote

Eduardo de Ávila Assistimos, com muita tristeza, à busca de visibilidade a qualquer preço. Através…

4 dias ago

Merecimento

Silvia Ribeiro Nas minhas adultices sempre procurei desvendar o processo de "merecimento", e encontrei muitos…

5 dias ago