Ele tinha pavor da morte. Não gostava nem de falar sobre ela. Não foi criado para este tipo de preocupação. O pai era dono de muitas terras, mais herdeiro do que propriamente dono, nas Minas Gerais. Boêmio, não saia da zona até que, com seis filhos, ficou viúvo e não pensou duas vezes: como um bom amante buscou a preferida no meretrício e se casou de novo. Com a vida que levava, morreu pobre, com mais três filhos no segundo casamento. Tinha os olhos esbugalhados pelo uso exagerado do álcool e um cigarro sempre entre os dedos. Enfartou sentado no sofá de madeira da sala, na frente do filho e netos que se misturavam na idade.
O filho do primeiro casamento também tinha pavor pela morte. Herdara do pai os olhos esbugalhados e o cigarro entre os dedos, mas riqueza material não lhe sobrou, nem aos irmãos e irmãs. Cada um tomou seu rumo e este foi parar na capital. Casou-se novo, teve um filho a cada ano durante década e meia ou mais. Meia dúzia morreu antes ou logo após o nascimento. Um experimentou o suicídio, à bala. Outro preferiu o caminho dos excessos que enfraqueceram o coração e o pulmão. Coisas da vida.
Ele tinha pavor da morte. Era, entretanto, muito corajoso. Ou, pelo menos, assim parecia. Topava qualquer briga. Podiam lhe questionar as práticas, mas no discurso era imbatível. Radical e pouco tolerante, tinha coração mole, apesar da figura de durão, bravo e, algumas vezes, agressivo. Igreja? Dela mantinha distância. “Quero morrer aos 150 anos, assassinado por um namorado ciumento”, repetiu centenas de vezes aos filhos, parentes e amigos. O tempo, entretanto, sempre senhor da razão, o foi envelhecendo, ficou viúvo e não tinha, como o pai, ninguém na zona.
Chorou a morte da mulher, começou a se definhar e o Alzheimer tomou conta dele. Virou os oitenta não entendendo e não aceitando a morte. Tinha pavor dela, mas começou a ler a bíblia e cantar músicas religiosas. No começo era meia hora por dia, passou para uma hora e depois metade do dia. Falar de morte, no entanto, nem pensar. Certo dia, já mais na cama do que fora dela, recebeu a visita quase diária de um dos filhos. Tomou-lhe uma das mãos e ficou olhando para lugar algum. Até que fitando bem nos olhos do filho disse com indisfarçável voz de lamento:
– Estou indo embora.
– E qual o sentimento, pai?, quis saber o filho que conhecia sua aversão à morte.
O pai o olhou com o olhar mais perdido da vida e respondeu que não tinha outro caminho. E foi-se, triste como nunca, sem reclamar, mas morrendo de medo dela.
E não deu mais notícias.
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