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Ritualizar a Vida

Ritualizar a Vida – Ilustração – Júlia Bernardes
Luísa Bahia

Outro dia fiz aniversário. Uma vela de 3 e outra de 2, para aquecer todos esses invernos vividos. Meditei sobre a arte de atravessar o tempo, e a pulsão de vida que surge no “nosso dia”. Em geral, fazer aniversário significa: receber abraços, mensagens, alguns presentes, talvez um bolo com vela, balões, uma festa surpresa, as pessoas cantam “parabéns para você” e talvez entoem o traumático “com quem será”. Desde a tenra infância aquela desagradável pressão matrimonial.

Aprendi com a Super Interessante, que a origem da festa de aniversário retoma tradições romanas. A celebração era uma precaução para afastar os anjos malignos. O bolo redondo, em formato de lua cheia, era dado em oferenda à deusa Ártemis. A vela, além de espantar maus agouros, lançava preces enfumaçadas aos céus. Conhecer essa tradição me fez pensar na importância dos ritos e da vida em comunidade. 

Me lembrei também daquela incrível tradição africana, em que a mãe escuta a canção da criança que virá. Depois ela ensina a música para toda a aldeia cantar junto, no dia do nascimento do bebê. Essa canção, única, é cantada em todos os momentos importantes da vida daquela pessoa. Nos dias de glória, dias de luta, e nos tropeços também, relembrando-a da sua essência. 

Os ritos nos fazem recordar do encantamento do mundo! Imagine se você soubesse a canção dos seus parentes e amigos próximos? Imagine se pudesse cantar junto deles, nos encontros, ou se pudesse cantarolar baixinho, costurando a saudade? Todo dia tem alguém fazendo aniversário! Todo dia tem alguém nascendo e provocando uma vibração de alegria, amor, abundância e fé na vida. 

Eu não sei vocês, mas pra mim fazer aniversário é como estar numa festa de ano novo. E de fato é! Retornar ao fio dos desejos profundos, rir ou chorar com as fotos antigas, começar as famosas listas de tarefas, que dificilmente serão realizadas até o fim, e, sobretudo, exercitar a gratidão! É também tempo de dar adeus ao ano velho. Lidar com a morte nos parece terrível. Hoje ouvi da querida artista Juliana Barreto “a morte é uma professora charmosa”. E de fato é! Ela lança o seu perfume, pra gente aguçar o olfato para a vida. A lua mingua para ser nova e crescer de novo. 

O bolo lua cheia, ofertado a Ártemis deusa das luas, é um símbolo do constante ciclo do nascer-morrer. Nos desconectamos tanto da natureza da Natureza, que não prestamos atenção quando o céu diz algo novo, quando é tempo de mudar o alimento, de fazer silêncio… Não sabemos mais as canções para plantar, para colher, para pescar ou separar os grãos. Todos os dias tem uma mãe lá do outro lado do Atlântico, ouvindo a canção do próximo integrante do Planeta. Todos os dias tem alguma carpideira encomendando a alma de alguém. Ultimamente estamos tão atolados no luto, que nos parece inadequado vibrar com a vida. 

Os sentidos estão anestesiados, literalmente. Mas aí sempre surge algo para nos lembrar que o instante existe. O fogo, a lua, um carinho, uma carta, um uivo, uma comida boa, abraçar um bebê bochechudo. Caetano Veloso me soprou uma canção bonita, que ele cantou quando o seu filho Zeca nasceu. Ailton Krenak também marcou presença na festa, dizendo que todos fomos convidados para uma incrível dança cósmica. Vamos dançar? 

“Lhe damos as boas-vindas, 
Boas-vindas, boas-vindas, 
Venha conhecer a vida, 
Eu digo que ela é gostosa, 
Tem o sol e tem a lua,
Tem o medo e tem a rosa, 
Eu digo que ela é gostosa…”

*

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  • Seja bem vinda, Luísa!
    Em meu nome, tenho certeza que dos demais miranteiros, te dou "boas vindas" nesse espaço que dividimos.
    Parabéns duplo, pelo níver ontem e por sua estreia com um delicioso texto. Honrados, fibamos, com sua parceira.

  • Que lindo pensar nesses rituais da vida... Que esse seja um ambiente de muitos frutos. Parabéns pela estreia por aqui.

    • Querido, muito obrigada!
      Os ritos nos lembram do encantamento da vida, né?
      Agradecida pelo apoio!
      Beijão,
      Luísa

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