Tais Civitarese
Um tarde dessas, em uma fase flexibilizada do comércio, fui tomar café com uma amiga no shopping. Permitimo-nos tal indulgência por ser uma amizade muito valiosa, digna de enfrentar restrições de circulação relativas e essencialmente terapêutica para o espírito. Máscaras em face, após inúmeras confidências, pães de queijo e goles gostosos no capuccino, seguimos nosso caminho. Minha amiga, ecológica, chamou seu uber e eu fui pagar o tíquete de estacionamento onde deixara o carro. Alguns dirão: por que não lhe ofereceu carona? Talvez até tenha oferecido, mas mesmo entre boas amigas, às vezes, os caminhos divergem a direção. Na fila para o pagamento, cartão na mão, chegou a minha vez. Acredito que, por efeito das circunstâncias de uso abrangente do álcool em gel, o qual apliquei erroneamente sobre o chip do cartão, o mesmo não foi reconhecido pela máquina. Após certo constrangimento, revirei a bolsa. Nada de dinheiro.
Não havia também outro cartão. Olhei para o lado e vi um caixa eletrônico. Ótimo. Poderia fazer um saque e realizar o pagamento em espécie. Porém, ali também não foi reconhecido. Pensei: e agora? Não havia ninguém por perto. Mesmo que houvesse, seria estranho pedir doze reais para pagar o estacionamento. Situação embaraçosa. Procurei outro totem. Mesma coisa. Apontava erro e o chip não era identificado.
Telefonei então para a minha amiga que já quase abria a porta do carro que aguardava. Expliquei a situação e ela correu em meu socorro. Com seu íntegro cartão, quitou minha dívida. E pude buscar meu filho na pedagoga a tempo.
Esse corriqueiro episódio me ensinou muitas coisas. Reforçou minha gratidão profunda por ter uma amiga generosa e atenta. Ressaltou a importância que têm em nossa vida as outras pessoas. E de um jeito um pouco tosco, ao me ver cogitar a hipótese de pedir dinheiro a estranhos, lembrou-me que, algumas vezes, pessoas me pedem dinheiro. E não para ajudá-las a perpetuar seus privilégios. Às vezes, é porque não têm outra saída. Estão com fome. Seus filhos têm fome.
A diferença das vulnerabilidades a que estamos sujeitos é gritante e absurda. Que não fechemos os olhos a isso. Que não nos esqueçamos disso. Que não percamos a noção de que o básico falta a muitos de nossos possíveis amigos. E que na falta de um sistema ideal que provenha os direitos humanos mínimos, possamos ao menos fazer a nossa parte. Mais do que nunca e sobretudo, quando nos pedem ajuda.
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