Nós. Fonte: Pixabay
Daniela Piroli Cabral
contato@danielapiroli.com.br

(Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher)

A urgência subjetiva reclamou a presença. Pediu calor humano, acolhimento, contenção. A necessidade de privacidade e de espaço físico (subjetivo) me fez ir ao encontro delas.

Formou-se ali um fértil campo de interlocução, afeto e segurança. Novamente, fui corpo, cheiro e tato no fazer do meu ofício.

Elas, que não se sentiam seguras nos seus próprios corpos, nem em suas próprias casas, sabiam que precisavam acessar suas raízes, ao mesmo tempo em que criavam asas. Iam em busca de paisagens desaparecidas, de revelar mistérios. Segredos tão recônditos, escondidos também de si mesmas. Frequentemente, a condição humana exige anestesias.

Quando criança, vestiam-se escondidas, de portas fechadas no banheiro, com o roupão da mãe só para sentir-lhes o cheiro. E o afeto impedido. E o cuidado negado. E o futuro bloqueado. A sombra da morte lhes rondava. Tentavam entender os desígnios do caos para si mesmas. O que o destino estava tentando mostrar? Peraí, existe mesmo um destino? O que é a existência? Eu existo? Nós existimos? Somos? Eu sou? Ou estou? Vou sendo?

Estavam prestes a descobrir que a vida é mesmo imponderável, que as coisas acontecem a despeito de seus próprios desejos. Simplesmente acontecem, na cadência que precisam acontecer. E o fato de não acontecerem de acordo com a vontade, não as tornam necessariamente ruins, apenas diferentes.

Elas, que se repetem e são também inéditas, múltiplas e que mudam a cor de seus olhos. Elas, que desafiam a linearidade do tempo, que se encantaram com a descoberta da palavra “serendipidade” e mais ainda com a potência dos descobrimentos feitos ao acaso, quando andam por aí desavisadas.

Elas, que trabalham enquanto os homens dormem. Elas, que carregam o peso de marés arrebentadas e de mares não navegados. Que são âncoras e borboletas. Que se apaixonam e também se nauseam com o excesso de amor. Elas que, por vezes, querem escapar do mundo, que ora lhes parece bom, ora doente em demasia.

São elas que cuidam, que conectam os fios rompidos da história. São elas que reparam as vidraças quebradas, os corações partidos e os sonhos perecíveis. São elas que trabalham solitárias, mas com a inequívoca certeza de serem coletivas e de ecoarem uma única e, ao mesmo tempo, múltipla voz.

Nós, que somos cuidado e perdão. Que somos força e ventre, origem de toda vida.

*
Curta: Facebook / Instagram
Daniela Piroli Cabral

View Comments

Share
Published by
Daniela Piroli Cabral

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

9 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago