João Pedro começou a desenhar coroas. Traçava uma no papel e logo vinha me mostrar. Dizia que eram para mim, o que me fez ficar toda orgulhosa ao pensar que ele, meu filho mais novo, me via como uma rainha. Até que preencheu uma folha inteira com elas, das mais diversas cores e tamanhos.
Foi então que percebi que aquela obsessão por desenhar coroas talvez representasse uma outra coisa. Talvez fosse seu modo de expressar que o “corona” está em seu inconsciente e impacta sobre ele. Há um ano sem ir à escola, onde costumava fazer variados desenhos, escolheu esse tema sugestivo para predominar na maioria de suas representações em casa. Tentamos fazer de tudo para tornar agradável o ambiente doméstico e minimizar as faltas da rotina que vinha tendo como pré-escolar. Por sorte, tem seu irmão de 8 anos, com que brinca diariamente. Porém, mesmo assim, é inevitável que essa palavra seja absorvida como o grande norteador de nossas vidas nos últimos meses.
Em casa, tentamos conversar com as crianças e explicar que a vacina está chegando, que a vida logo retomará seu formato habitual, mesmo sem termos certeza disso. Nunca ligamos a TV no noticiário, para evitar que informações temerosas cheguem a seus ouvidos infantis, vulneráveis. E portanto, eles comentam pouco sobre o assunto. Às vezes, perguntam quando as aulas começam. Noutras, dizem gostar da sensação de férias permanentes, sem terem que sair apressados logo que se inicia a tarde.
Mas sei que estão sentindo. E se eles estão, que dirá quem não tem irmãos. Que dirá, quem não tem um lar seguro. Que dirá a maioria das crianças de nosso país. Durante 1 ano, produziu-se intensamente ciência sob pressão, e se alguma conclusão pôde ser extraída é a desmistificação do risco representado pelas crianças na cadeia de transmissão e aquisição do vírus. Ele é baixo. Se tudo em medicina trata do balanço risco-benefício, não se pode desconsiderar essa premissa nesse momento. O risco de ficar sem aulas é enorme. O risco de uma infância à deriva, sujeita a violência, fome, negligência e insegurança é tão grave quanto todos os outros fatores que estão sendo considerados pelas autoridades sanitárias. A infância não pode ser esquecida. A infância é sagrada, fase de formação das estruturas básicas do indivíduo. A escola é parte fundamental dessa estruturação e local de proteção e promoção de saúde (inclusive de alimentação saudável) para a maior parte das crianças brasileiras.
Portanto, agora que seringas começam a injetar esperança nas unidades de saúde, que o bem-estar das crianças seja considerado prioritário. Que nos organizemos para que as aulas retornem o mais breve possível. Que a escola seja considerado um serviço essencial porque é um serviço essencial. Falamos de comércio, restaurantes e bares. Falemos de escolas, comércio, restaurantes e bares. Não esqueçamos as escolas! Crianças não são mini-pessoas. São indivíduos da população brasileira que precisam ter seus direitos resguardados.
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