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Vou contar aqui a história de um Natal feliz.

Vou contar aqui a história de um Natal feliz. Foto: Pixabay
Tais Civitarese

Lá nos anos 80, em Santos Dumont, MG, numa casa grande, que ficava no alto de um morro. Era onde passávamos a festa, lar de meus avós maternos. 

Meus avós tiveram 6 filhos. Cada um morava em uma cidade diferente. O Natal era o dia do ano em que se reuniam todos. Mesmo pequena, isso tinha grande valor para mim. Era como uma convenção das pessoas mais especiais da minha vida.

A primeira lembrança que tenho é da Tia Ciça chegando à casa com uma caixa de papelão. Nela, estava escrito: padaria Elite. Dentro da caixa, os melhores suspiros que nem o maior chef de cozinha conseguiria replicar. Eram grandes, douradinhos por fora e puxa-puxa por dentro. Comíamos tudo na véspera da véspera e a alegria já começava aí. 

Na noite da ceia, nos vestíamos chiques. Vestido, perfume, pulseira no braço. Na mesa, entre as comidas natalinas, sempre tinha alguma coisa que remetia às origens dos meus avós. Vovó, filha de libaneses e vovô, de sangue italiano. Isso explicava um queijo parmesão que ladeava o vovô e que ele ralava sobre tudo num ralador amarelo, à manivela. E explicava também uma sobremesa incomum chamada raha, que todos adoravam, mas com a qual eu era meio cismada. A garrafa de coca-cola era a cada ano maior naquela época. Creio que chegou a ter quatro litros. Talvez eu esteja exagerando. A verdade é que comia pensando nos presentes, até que lá pelas dez da noite, alguém dizia: vamos abrir?

A copa ficava longe da sala, e era na sala que estava a árvore. O Papai Noel sempre passava enquanto estávamos ceando. A árvore ficava sobre um tapete, e quase todo ano, chovia. Assim, se formava a prova: uma enorme pegada de bota molhada. Era tão assustador quanto fascinante. Nunca vimos o bom velhinho em pessoa. Mas sabíamos que era ele através dessa pista. Na verdade, o vimos uma única vez. Ele apareceu na janela do quarto em que eu e minha irmã brincávamos. Estava bem mais bronzeado e magro. Diriam que era a cara do meu tio Flávio. Tudo o que conseguimos fazer ao vê-lo foi gritar e entrar em pânico. Desde então, ficamos apenas com a pegada no tapete mesmo. 

Abrir os presentes era mágico. E passava bem rápido. Os pacotes logo viravam bagunça. Brincávamos um pouco e não lembro direito como ia parar na cama. No outro dia, porém, acontecia a verdadeira festa. Como era bom acordar com uma novidade à nossa espera. E mais legais que os meus, eram sempre os brinquedos das minhas primas. Lembro de um dia ir dormir sonhando com um porquinho da índia azul de pelúcia guiado por um controle com fio, recebido por minha prima Raquel. A sorte era que ela emprestava. 

Depois das brincadeiras, mais comilança e coca-cola. A ceia da noite anterior era repaginada com um importante adendo: farofa. Almoçávamos e, em seguida, invariavelmente, meu tio Beto tirava um cochilo na sala. Ele roncava alto e penso que aquele ronco era um ruído de paz. Durante o almoço, ele nos fazia gargalhar com suas piadas. Sempre tinha uma nova para contar que até as crianças entendiam. Hoje, ele passa o Natal com vovó num outro plano. Cada um dos dois deixou tanta coisa boa pra gente lembrar!

Por fim, a hora de ir embora. Pegar o carro e seguir viagem de volta a BH. Nos despedíamos daquele momento e eu sabia que abandonava um tesouro raro. Tesouro esse que só seria encontrado novamente dali a um ano. 

Sou profundamente grata por ter vivido esses momentos com essas pessoas. Minha família. Toda a minha vida futura se definiu ali. Na certeza de que não importa o tamanho da dificuldade que vier, a dureza da situação que chegar. Se existiram Natais assim, é porque a vida pode ser boa, pode ser feliz. É para esse lugar que meu pensamento retorna nessa época. Cenas do passado que foram e são um grande presente para mim.

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