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A força da vida

Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

A força da natureza traz surpresas até para quem está mais conectado, ligado ou integrado com ela. O que chamo de natureza ficará mais claro no desenrolar desta crônica.

Sábado último, e nas minhas andanças pelos condomínios próximos à Mata do Jambreiro, localizada no município de Nova Lima/MG, fui presenteada com um momento epifânico que relato após outros três que vivenciei ao longo da vida.

O primeiro, nos anos 90, lá em Carajás, sul do Pará. Estava em casa, essa de madeira à beira da floresta amazônica. Era hora do almoço e eu estava com minha secretária na cozinha, quando minha filha Camila – com cinco anos na época – veio do seu quarto, apavorada, informando que haviam formigas lá.

Fui verificar o que era, imaginando não passar de algumas formiguinhas. Mas não! Era uma nuvem negra que entrava da janela, percorria o quarto, atravessava uma despensa que ficava no corredor e passava para o meu quarto saindo pela janela num movimento rápido e contínuo. Corri para pegar álcool e fogo quando a querida Arlete, nascida na região, me disse que era apenas uma corredeira de formigas e que estavam de mudança. Um alívio. Por pouco o desastre poderia ser outro. Uma surpresa inesperada e da qual fiquei extasiada com a beleza.

Passados alguns anos, não sei bem ao certo quantos, chegando à Cachoeira da Grotadas, região da minha família materna em Lagoa da Prata/MG, estranho um peixe no rio. Assim que me aproximei das margens, presenciei o espetáculo da piracema – fenômeno em que os peixes sobem os rios no sentido das nascentes para fins reprodutivos. Era uma nuvem prateada que saltava; muitos pulando fora do curso e lutando para retornar. Uma batalha pela vida estava sendo travada ali na minha frente. Lindo de se ver!

Outro momento de êxtase, agora no Distrito da Serra do Cipó/MG, nos anos 2000 e alguma coisa. Uma nuvem saltitante na minha frente. Eram sapinhos minúsculos (preciso saber que espécie) que atravessavam a MG-010 que corta a região da APA Morro da Pedreira, que protege o PARNACIPÓ. Essa imagem receio nunca mais ver, pelo menos não lá. O PARNACIPÓ é precioso também pela ocorrência de anfíbios, muitos deles endêmicos, o que significa que são nativos do local.

Desejei muito que houvesse ali a passagem de fauna – túneis subterrâneos para travessia de animais. Desconheço esses caminhos em Minas Gerais. Soube por reportagens que no Brasil existem 500 deles nas proximidades de parques ecológicos e de rodovias federais. Poucos, levando em conta nossa extensão territorial. As construções em rodovias estaduais também são necessárias.

E meu quarto momento magnífico, também de forma inesperada. Estava passeando com meu netinho João e levando bananas do generoso pé de seu quintal para uma de suas amiguinhas. E o que vemos? Milhões de sementinhas voadoras. O sol já estava no poente e na contraluz uma nuvem de sementes, o vento soprava levando-as no sentido sul. Quando mais forte sobrava mais sementes voavam. Um espetáculo da vida vegetal. Elas saiam da mata, e fomos verificar o que era, pois não avistávamos a planta. Era a typha domingensis, chamada popularmente de bunho, morrão-dos-fogueteiros ou tábua-larga.

Eu a conheci como taboa e brinquei muito com ela na infância, pois morava próximo de um brejo. Elas gostam deles e também de beira de ribeirinhos. É uma planta híbrida que pode ser utilizada em travesseiros (é a pluma que contém a semente minúscula) e o caule em artesanatos diversos. João tentou capturar muitas e fizemos uma festa vendo a vida em busca de mais vida, da reprodução.

A força da vida nos encanta ou apavora. Quero fechar o texto assim, com o encantamento, mas deixando claro que tenho a convicção de que em desalinho com a natureza, o ser humano interferiu no meio ambiente causando o horror de 2020. Contudo, é um vírus buscando vida no seu hospedeiro – o humano. No mais a vida segue normalmente e se reproduz.

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