Habeas Corpus Preventivo

Casa de loucos por Francisco de Goya
Victória Farias

Seguimos em liberdade. Até que se prove o contrário, nosso direito de ir e vir – constitucional – continua intacto. Embora não possamos ceder muita confiança para nossa Carta Magna. A cada canetada perdemos um pouco daquilo que nos proteje de nós mesmos.

O brasileiro nunca foi muito bom com números. Os provindos de Minas Gerais então, menos ainda. Temos essa mania de confundir 7 de Setembro com 15 de Novembro. Não sabemos lidar com esse tal de 170 mil. Seis milhões? O que isso significa? Tudo fica mais fácil quando imaginamos estádios de futebol lotados. Figure vários Maracanãs cheios. É isso que o Consórcio de Imprensa está tentando nos dizer, às 20:30h, de segunda à sábado.

Mas somos livres. Livres para nadar e afogar em quantas ondas vierem. Livres para fingir que estamos em um laguinho, e que nossas boias nos protegerão das marolinhas. Nos apoiamos nos barcos de outros, comparamos a espuma do nosso mar com a do vizinho. Se ele sai todo final de semana e não acontece nada, é direito meu! Só meu. Mais um direito meu.

Tão livres para achar que as almas que lotam essas arquibancadas estão lá para comemorar um gol do Galo sobre o Flamengo. Todos gritando, em êxtase. Com fôlego para balançar suas bandeiras. Ninguém está lá porque demorou demais para entrar no oxigênio ou deu uma fugidinha na quarta à noite. Não. Estão lá porque escolheram. É um direito meu imaginá-los felizes. Balançando seus mantos sagrados. Vibrando com tanta vida.

Os ditadores ficaram presos nos portais do século passado. Nossos advogados, que trabalham dia e noite destilando argumentos irrefutáveis nas redes sociais, estão sempre prontos para defender os ocupantes cativos dos camarotes. Para a cega justiça e surdos juristas, eles bradejam e desenham as leis do fantástico mundo.

As vendas de passe no submundo correm soltas: “você pode sair por uma noite. Não diga onde conseguiu isso. Se a polícia te parar, use o seu habeas corpus preventivo, é um direito seu. Só seu. Quando o sol nascer, ele já não valerá mais. Você vai ter que comprar outro amanhã. Ah, e claro. Aproveite o jogo. Vai, Galo!”

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