A vida seguiu – e porque isso é estranho

A vida segue – e porque isso é estranho – Pixabay
Victória Farias

15:00 horas, Belo Horizonte. A capital mineira, no meio da tarde, já carrega um trânsito intransponível em suas pequenas veias e artérias. Pequenas, pois a cidade não foi feita para aguentar o segundo pior congestionamento do país.

Um homem na carroceria de um caminhão coloca a cabeça para fora e analisa o movimento. Não esboça nenhuma reação. Tudo parece muito normal. Perder dois sinais verdes para outra fileira de carros à frente é uma coisa comum para as quintas-feiras.

Ás 15:16, uma competição para conseguir um carro de aplicativo. “Seu motorista está à 11 minutos de você.” “Onze minutos?” Não evito de pensar. Seguido de “você e todo mundo está na rua, o que você esperava?

Não sei. Não tem muito o que se esperar quando os restaurantes e shoppings estão lotados, e eu preciso responder mil vezes: “essa cadeira está ocupada, estou esperando uma pessoa”. Eu me lembro de me estapear por cadeiras nas lanchonetes em que precisávamos dividir o mesmo espaço-tempo (o que é fisicamente impossível) com duas pessoas. Todos respirávamos o CO2 um do outro.

Mas ainda assim, um sentimento de pulga atrás da orelha me persegue. Não me lembro mais do rosto de certas pessoas – não me recordo de pensar se eram atraentes antes. Agora temos o preto ou as cores pastéis – ou estampas coloridas – acharemos tecidos atraentes algum dia?

É estranho porque nos esquecemos rápido demais. É confuso porque Minas Gerais não tem mar, não estamos acostumados a ondas. Não aprendemos a nadar na primeira, não teremos salva-vidas na segunda. Sendo assim, só me resta esperar e construir pequenos botes de santinhos para a terceira.

Onze minutos. Depois de terminar uma viagem na região e não passar por nenhuma higiene mínima, o motorista chega. Máscara no queixo, ar-condicionado ligado. Ainda somos nós. E eu não sei se isso deveria servir de alívio ou desespero.

Agora, uma poesia – pois, se realmente ainda somos nós, isso deveria importar:

‘Non ego nobilium sedeo studiosus equorum;
Não estou sentado aqui estudando a forma dos cavalos:
cui tamen ipsa faves, vincat ut ille, precor.
embora eu ainda reze para que aquele de quem você gosta vença.
Ut loquerer tecum veni, tecumque sederem,
Eu vim para falar com você e sentar com você,
ne tibi non notus, quem facis, esset amor.
para que você não perceba como meu amor está pegando fogo.
Tu cursus spectas, ego te; spectemus uterque
Você observa o curso e eu te observo: nós dois
quod iuvat, atque oculos pascat uterque suos.
ver o que nos encanta, e ambos deleitam nossos olhos.

– Ovid Amores III.2

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