Tais Civitarese
O cometa Halley passou perto da Terra pela última vez em 1986. Na noite de ontem, porém, ele parecia ter retornado. Crianças dormindo, pipoca feita, sofá, noite e marido em casa. Um conjunção meteorológica de fatores que, em minha família, não é tão comum acontecer. Tudo pronto para algo raro: assistirmos a um filme! E foi aí que começou a odisséia…
Ao zapear pela plataforma multimídia, o cursor do controle remoto começou a passear pelos filmes de ficção científica. Nada contra… porém tudo. Poucas coisas me interessam menos que a exploração intra-galáctica de Urano. Ou os foguetes majestosamente monótonos com seus astronautas minimalistas dentro. A visão do espaço me dá um tipo de claustrofobia estranha. Uma sensação de “onde está o chão?”, para a qual minha mente simplória ainda não evoluiu o bastante.
Meu marido sabe disso e, após inevitáveis piadinhas, abandonou rapidamente a seção de sci-fi da TV. Nada foi dito, mas as entrelinhas gritavam que seria gentil aproveitarmos a noite com algo de interesse mútuo.
Foi aí que num vislumbre ainda mais estarrecedor que o primeiro, ele seleciona decidido: “American Pie 9 – Girls Rules” (sim, era a versão NOVE).
– Vamos ver esse? Deve ser engraçado!
Caro leitor, aqui cabem algumas considerações. O direito à chatice foi uma conquista árdua em minha vida e pela qual venho lutando diariamente com muita devoção. No entanto, a chatice em estágio avançado consiste em fingir que não se é chato. E estou chegando lá. Portanto, apesar da provável expressão de horror que meus músculos faciais assumiram sob a pele, esbocei uma tez angelical e perguntei suavemente:
– Não será meio bobo?
Ao que ouvi:
– Mas você adorava! Já vimos quase todos!
E aqui, cabe outra ponderação, com certa tristeza. Nossas referências de filmes vistos juntos são da época do namoro, ou seja… de vinte anos atrás. Quanta água já passou por essas pontes e, como disse acima, minha pós graduação em chatura ocupou o lugar dos neurônios destinados à apreciação daquele besteirol.
Preservando uma expressão imaculada e gentil, apesar de todos os alarmes do ‘não’ piscando em minha mente, disse:
– Vamos ver outra opção?
E foi aí que apareceu Bill Murray na tela. Um verdadeiro bálsamo em forma de avatar, no qual estava acompanhado da Rashida Jones. O título? “On the rocks”, de Sofia Coppola.
Créditos sejam dados ao marido que, tão eclético quanto persistente, disse:
– Ouvi dizer que esse é ótimo!
– Já é. – respondi.
Foi assim que um filme sobre casamento nos salvou (e talvez tenha salvado o nosso casamento), e evitou uma noite de dissidências sem fim, em um raro momento em que dois seres humanos estão dispostos a olhar para o mesmo lugar (tal como diante de um cometa).