Categories: Victória Farias

Por uma América grande de novo

Por uma América grande de novo – Pixabay

Victória Farias

Antes de tudo, antes dos oceanos serem cruzados, locais explorados e doenças espalhadas, éramos grandes. As navegações transoceânicas diminuíram o infinito à meia dúzia de continentes em uma terra sem borda. 

Era comum o pensamento de que, se os seus barquinhos de papel fossem longe demais em águas desconhecidas, eles cairiam em um vazio eterno, sem a possibilidade de voltar para a varíola. Não caíram, mas de algum modo, trouxeram o vácuo – e a coqueluche – por onde passaram.

Não me lembro quando foi, mas de um dia para outro, o termo “América” passou a significar apenas uma pequena – minúscula, na verdade – parte do continente. E assim foi indo. Com históricos de dominação diferentes – por um lado, um grupo de capitães, dons e desbravadores sustentados por coroas desesperadas; por outro civis obstinados a trazer o velho mundo para cá, só que em arco-íris – fomos inundados por corpos estranhos que hoje nada mais fazem do que se colocar contra o mea culpa alheio.

Fato é: os ventos do Norte sopram cada vez mais frios por aqui. E por mais que os seus feitos em plástico – trazidos em navios cargueiros que só podem imaginar o tamanho os olhos que uma vez os viram –  estejam cada vez mais presentes em todos os lugares, nunca fomos tão distantes. Mas não é como se isso fizesse alguma diferença. 

Eu, ao longo da minha breve existência, sempre carreguei um quê de ceticismo. Nunca consegui, de fato, me conectar com o celestial. E olha que eu tentei. Então, dizer que tudo o que vem de cima é divino sempre foi um pouco demais para mim. Principalmente nesses dias, em que somos obrigados a ouvir, em horário nobre, sobre as ações etéreas do Deus em louro. 

Suas palavras, ditas em 140 caracteres, dispensadas ao mundo em um mensageiro azul, trazem luz a uma geração abatida e sem esperança. Por sorte, após a sua morte, seu corpo será canonizado e exibido no alto da sua torre de ouro na nossa Nova Roma. Dizem que as escrituras são palavras vivas. Sobre o passado, não sei, mas o terceiro testamento com certeza o é, e parece estar acontecendo agora.

Mas como todos os Messias do século XXI são escolhidos e cancelados em tempo recorde, eu tenho esperança. Nesta semana, quase 600 anos após barcos ingleses de madeira velha atracarem na costa – não – americana, os filhos rebelados da rainha terão a oportunidade de fazer a América grande de novo. E essa é ou não é a melhor notícia do ano?

*

Curta: Facebook / Instagram

Victória Farias

Recent Posts

Mona Lisa

Está em cartaz em Belo Horizonte até o dia 8 de dezembro no Espaço 356,…

5 horas ago

Voo, voa, avua

Sandra Belchiolina sandra@arteyvida.com.br Voo, Voa, avua, Rasgando o céu, Voo no deslize. Voo, Avua, Rasgando…

1 dia ago

Dia da consciência negra: sobre o racismo e as relações de escravidão modernas

Daniela Piroli Cabral contato@dnaielapiroli.com.br Hoje, dia 20 de Novembro, comemora-se mais um dia da Consciência…

2 dias ago

Holofote, holofote, holofote

Eduardo de Ávila Assistimos, com muita tristeza, à busca de visibilidade a qualquer preço. Através…

3 dias ago

Merecimento

Silvia Ribeiro Nas minhas adultices sempre procurei desvendar o processo de "merecimento", e encontrei muitos…

4 dias ago

Lágrimas e chuva

Mário Sérgio Já era esperado. A chuvarada que cai foi prevista pelo serviço de meteorologia…

5 dias ago