Taís Civitarese

Mil novecentos e noventa foi um ano de eleição. No Brasil e no meu colégio. A fim de nos ensinar os princípios básicos do funcionamento de uma democracia, a escola simulou sua própria escolha de governantes, elencados entre os alunos candidatos.

Entre esses, estava eu: candidata a deputada estadual pelo terceiro B. Foi assim que inaugurei (e logo, encerrei) minha breve carreira política. Antes mesmo de completar dez anos.

O processo eleitoral era semelhante ao da nação. Tínhamos que convencer os colegas a nos darem seus votos. De modo artesanal e beirando o poético, eu e minha irmã tratamos de fazer um monte de cartazes de cartolina, pintados de canetinha, com propagandas de minha cândida candidatura. Eles consistiam basicamente em desenhos coloridos e dizeres chamativos, além do típico: “Vote Taís”.

Os candidatos tinham direito a uma reunião extra com a diretora para exporem suas projetos. Alguns traziam ideias bastante arrojadas, como promover shows de música na escola ou criar o “dia sem uniforme”. Minhas propostas giravam em torno de minha particular obsessão: o lixo, e incluíam lançar um movimento educativo para ensinar os estudantes a jogarem o lixo nas lixeiras. E tinha um pulo do gato, tecnológico para aqueles tempos: colocar toalheiros de papel no banheiro. Na época, secávamos as mãos balançando-as no ar ou na roupa mesmo. Tal adereço seria uma verdadeira revolução!

Chegado o dia da eleição, a surpresa: fui eleita.

Comovida, fiquei muito feliz e senti-me uma verdadeira representante do povo. E tome promover as melhorias prometidas.

A campanha do lixo foi fácil. Usei os mesmos artifícios da conquista do eleitorado: simpáticos cartazes coloridos espalhados pelas paredes de toda a escola. Meta cumprida, pude lançar mão de meu segundo e maior projeto.

Por orientação de meus pais, procurei no catálogo telefônico por alguma empresa que pudesse fornecer os toalheiros. Liguei para algumas. Porém, quando diziam o preço, eu travava. Onde conseguiria o dinheiro para comprá-los?

A diretora me sugeriu tentar conseguir um patrocínio. Mas meus pais eram funcionários públicos… Não conhecia nenhum “empresário”. Enfim, cedi às limitações dos meus nove anos. As outras obrigações do dia a dia, como brincar e estudar, acabaram ocupando minha atenção…

Assim, venho por meio deste texto confessar que não cumpri minha promessa de campanha. Ao travar no financiamento, o ano acabou e dei o assunto por esquecido. 

A verdade é que jamais o esqueci realmente.

Essa falha me levou a ter certa fixação por promessas. A detestar promessas não-cumpridas. E a tentar não agir como a deputada que decepcionou seu povo, mas muito mais a si mesma.

*
Curta nossa página no Facebook, Blog Mirante.
Tais Civitarese

View Comments

  • Hoje, vc pode patrocinar o sonho de alguma menina de 9 anos, que queira revolucionar o mundo dela, nem que seja uma escola...

  • Seus textos são realidade em poesia! Creio que todos temos um momento particular que molda cada preceito nosso no futuro! É a nossa construção!
    Um abraço!

Share
Published by
Tais Civitarese

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

3 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago