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Eu não estou aqui

Depois da terceira dose de tequila, Samuel saiu do bar cambaleando. Estava cansado, esgotado, exaurido. Simplesmente não aguentava mais. O trabalho o chateava, a família o deixava louco, a sua falta de afinidade nos relacionamentos então? Tinha poucos amigos, e os que tinha afastava por motivos que não conseguia entender. 

Repetia a mesma desculpa para não vê-los, “ah, meu cachorro morreu”, Samuel nem tinha cachorro – e mesmo assim, já o havia matado cinco vezes. Era alérgico a tudo que tinha pelos, além disso, não tinha paciência com ele mesmo, como teria com um animalzinho de quatro patas que não consegue fazer nada sozinho?

Seria impensável. Além de tudo, ele não tinha tempo. Não mesmo, sempre muito ocupado fazendo relatórios que ninguém leria, ou lendo livros sobre coisas que não entendia. Sorria pouco, comia muito e quase não chorava. Não, isso não, nunca, por motivo nenhum. 

Afinal, que bem faria? Tinha os olhos muito bem lubrificados e os pulmões limpos, não precisava demonstrar seus sentimentos se debulhando em lágrimas, não tinha sentido. Samuel não estava exatamente desgostoso da vida, apenas não estava tão animado assim para continuar sua existência no mundo sabendo que de uma hora para outra ia simplesmente desaparecer, deixar de existir. 

Então, sendo assim, resolveu parar de existir enquanto ainda existia – seria isso desistir? Não sabia dizer, sentia-se bêbado demais para saber de qualquer coisa. Estava pronto para pedir um Uber quando tropeçou em uma pedra e se viu no chão, rolando de rir com o trabalho que o Universo teve de derrubá-lo novamente. “Mais literal que isso, só se um poço se abrir aqui e me engolir!”, gritou.

É claro que ele achava que os astros não tinham nada melhor para fazer do que atrapalhar seu destino na terra – e quem não acha? – Sentado debaixo de um poste que estava com a luz quase queimando, piscando desesperadamente, Samuel conseguiu pedir o Uber, no crédito, para casa. Assim que o carro foi solicitado, a luz, que tinha entrado em um ritmo frenético de pisca-pisca, queimou de vez.

Quando o Pálio prata quatro porta chegou no endereço chamado, o motorista, seu Dorival, não encontrou ninguém, só um poste apagado e uma jaqueta no chão. Do carro mesmo ligou para a companhia de energia e solicitou que alguém fosse trocar a lâmpada. “Esses passageiros folgados” resmungou, enquanto dava ré.

Enquanto Samuel, ninguém nunca mais ouviu falar dele. As contas continuaram a chegar debaixo da porta por três meses, até que seu nome foi parar no órgão regulador de finanças. Seus poucos amigos, muito acostumados com suas desistências, não acharam estranho que todas as ligações fossem direto para a caixa de mensagens. Era como se, de algum jeito, Samuel Carlos Silva, nome de batismo, nunca tivesse existido. O Universo não parece estar tão ocupado assim no final das contas.

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Victória Farias

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