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Precisa mudar

Os anos noventa aconteceram há 30 anos. E foi nessa época que fui adolescente. Como todo bom jovem, foi o tempo em que colecionei pequenos traumas. É sobre tal ‘material’ que venho trabalhando arduamente a psiquê ao longo da vida…

Estudei em um grande colégio em BH que contava com todos os clichês de um elenco estudantil: a Menina Mais Bonita, o Menino Bom de Bola, o Inteligente e Calado, a Extrovertida, o Não Tão Belo Porém Carismático, a Nerd Que Nunca Beijou. 

Na lista, eu me aproximava mais do último espécime, enquanto tinha amigos em quase todas as categorias.

Reitero que tais alcunhas não foram forjadas por mim, mas pertenciam a um imaginário coletivo e hormonal, que não carecia dessas designações exatas para reconhecê-las. E tão cruel quanto essa rotulagem, era também a dinâmica que engendrava os personagens, de modo que a exclusão era um fato real, a mobilidade social era nula e cada um sustentava seu roteiro até sumir de vista para a faculdade (quando a história muda um pouco…). 

Alguns anos depois, já exercendo minha profissão, reuni um pequeno grupo de ex-colegas em um bar da cidade para relembrarmos os tempos de estudante.

Fomos a Extrovertida, eu e o Não Tão Belo Porém Carismático. Estávamos todos muito animados. Fazia anos que não nos víamos. 

 Após as conversas iniciais, Não Tão Belo diz a seguinte frase: “Sabiam que eu fiquei com a Menina Mais Bonita? Faz um ano.” E olha para nós com um olhar de vitória. Extrovertida e eu nos entreolhamos sem entender direito o que ele queria dizer com aquilo. Fazia um ano que ele ficara com a menina mais bonita de nossa longínqua época de colégio? E exibia tal fato como um troféu? O que ele queria? Os parabéns? Abstive-me de dizer palavra. A faculdade dele não devia ter sido “porreta” como a minha, pensei. 

Ele prossegue: “Nerd, estou namorando uma menina que você conhece! A Fulana!” E eu digo: “Que bacana! Ela é um amor de pessoa.” Sem querer ofender as ostrinhas, ele segue com a seguinte pérola: “Pois é, estou gostando dela. Só a traí quatro vezes até hoje.” Sim, ele quis dizer que era pouco. Sim, ele achou isso normal. E sim, fiz uma cara muito feia e respondi: “O quê? E você diz ‘só’?”. 

Não Tão Belo levantou-se bravo e falou: “Vou embora. A Nerd só fica me julgando.” Não, pessoal. Não é mentira. Extrovertida estava lá e pode confirmar tudo. 

E sim, é claro que o julguei. Muito mais do que ele imagina e mais do que expressei à sua pessoa.

Desde esse dia, Não Tão Belo e Carismático passou a ser lembrado por mim como “Insosso”. 

Algumas pessoas saem da escola e se formam, realmente, na boa acepção da palavra. Avançam, amadurecem, reconhecem suas qualidades, desprendem-se de estereótipos, constroem-se. Já outros, perpetuam as inseguranças daquele tempo pela vida toda…

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