Paciência & depuração

Belo Horizonte/EM
Eduardo de Ávila

Beirando o centésimo dia de confinamento – ainda não consegui deixar de lado a contagem diária desse martírio – sigo com as oscilações de um presidiário sonhando com o dia da liberdade. Reflexão e inquietação se alternam a cada dia. Não sairei o mesmo disso, claro, afinal, em meio a tantos acontecimentos desde o vírus e passando pelo verme na PR, isso me tirou os melhores prazeres da minha vida recente.

Desde o dia 15 de março até hoje, minhas poucas aventuras externas têm sido consultórios e farmácias, além de uma liberação recente para caminhadas de 30 minutos todos os dias. Inegável que foi uma atenuante preciosa, eu estava ficando enlouquecido.

Em meio a essa pandemia, me ocupando mais do que antes em ler e fazer contatos virtuais, sigo atento aos assuntos que nos cercam. Privilegio, por deliberação pessoal, saber sobre o meu time do coração, sem – claro – perder de vista a evolução constante do vírus pelo nosso país, estado e Belo Horizonte.

Imaginando que estou preservado disso, não abandono o medo e faço – como disse semana passada – sistemática e paranoica higienização pessoal e de tudo que entra na minha casa. Rio das minhas reações e preocupações, como passar álcool na torneira que abri para lavar as mãos. Entre outras loucuras que as informações sugerem.

Mas, cá do meu canto, fico pensando – além da volta do futebol com a presença de público – no meu retorno às cafeterias com longas prosas sobre assuntos diversos. Ver um filme no telão. Apreciar as pessoas que passam em torno. Essa caminhadazinha de meia hora não me é suficiente. Quero liberdade é total.

Paralelo a isso, me incomoda perceber que toda a luta de uma geração corre risco de grande retrocesso. Desconforta o receio da possibilidade de perder meio século de conquistas, para um desgoverno como o qual o Brasil elegeu. Sem preparo intelectual e moral, equilíbrio recomendado para um chefe de Estado. É apavorante.

Desde sábado, em razão de um hábito que adquiri no isolamento, que foi de acompanhar a palestra – pela internet – do Tadeu da Casa do Caminho, lá de Araxá, comecei a sentir um grande alento. O mestre, em sua pregação, chamou a atenção para algo que não tinha me ocorrido. Estamos vivendo um momento de depuração.

Claro que muitos entre nós já descreveram e mencionaram sobre o assunto, das mais variadas e inteligentes formas de abordagem. Entretanto, o Tadeu, com sua humildade (quem o conhece vai entender) e palavras simples, me esclareceu como nenhum intelectual ou vidente conseguira até então. É fato que vamos sair dessa diferentes. Estamos passando por um tratamento espiritual e nos cuidando com os remédios que Ele nos tem enviado.

Sairemos melhores? Muitos dizem que sim. Que o mundo será diferente, claro e evidente. O trabalho e o comércio, seguramente, serão os mais afetados. Simplificando, diria que está implantado definitivamente o home office e as compras on-line. Mas e nós, como seremos nas relações?

Sinceramente, nesse período de prisão domiciliar que obrigou a todos o uso da máscara, concomitante a isso, fez com que muita gente tirasse a outra máscara. Não creio na continuidade de “pastores” que vendem semente de feijão para curar doenças. Tem também aquele explorador de pessoas desinformadas, que afirmou ser a doença coisa do demônio e da mídia, sendo contaminado pelo vírus que desdenhou.

Percebi gente que comunga na igreja católica defendendo o genocida e, depois, desavergonhadamente, sinalizando sua decepção e justificando que esse PR foi necessário. E ainda reconhecendo que o lado que odeia fez muito pelos pobres e que assim justifica sua rejeição. Outros, debochadamente, postando que estava na hora de mandar um cabo e um soldado fechar o Congresso e o STJ.

Não sei até quando vai durar essa nossa prisão domiciliar, mas intuo que Ele só vai nos livrar quando essa depuração – pacientemente – der lugar a uma nova sociedade. Aquela na qual as pessoas respeitem as outras pelo seu pensar, não querendo impor com gestos armamentistas suas convicções minoritárias.

Então, se assim for, ofereço mais tempo de sacrifício sem jogos do meu time, nem cafeteria ou cinema e outros atrativos decorrentes.

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