Nossas Crianças e a Pandemia do COVID-19

Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

“Eu não morro” – afirmação que veio do meu neto João. Ele, um menininho de três anos. Tentei identificar onde estava presente o tema da morte no contexto em que estávamos. Era algo tão corriqueiro que não ficou muito claro para mim.

Diante desse contexto, me pergunto sobre como nossas crianças estão sendo escutadas nesses dias de isolamento, sem escolinha, coleguinhas, sem as saídas de casa para passear e etc.

 A rotina delas foi bagunçada com o fechamento das escolas e com suas relações interpessoais interrompidas no contato presencial. Algumas não podendo visitar os tios e avós, outros nem podendo brincar com alguém da mesma idade estão.

A criança tem boa percepção do que ocorre ao seu redor. Capta bem os ruídos do núcleo familiar. Assim, independentemente se foi conversado ou não com elas sobre a pandemia, ela sente seus efeitos.

É normal que elas apresentem sintomas como irritabilidade, medo, inquietação, tédio, desconcentração, sensação de solidão, alterações no padrão de sono e alimentação.

Manter a rotina das crianças com os horários certos de levantar, alimentar e dormir é fundamental. Muitos nesse momento estão com novas rotinas implantadas que passam pelos estudos, brincadeiras, jogos, também pelos vídeos (orientação que sejam limitados), atividades físicas, e afazeres domésticos para alguns. As famílias estão passando por um momento em que muitas coisas saíram do eixo. E haja criatividade para manter a criançada saudável! 

Mas é importante não perder de vista certas questões como: o que os acolhia antes da pandemia? O que faziam juntos e era o fator de laços familiares? Fazer do novo convívio um acolhimento.

Falar do adoecimento e da morte é tabu para muitas culturas. Na tradição budista, os pais do príncipe hindu Sidarta Gaudama (o Buda histórico) queriam protegê-lo dos sofrimentos humanos: nascimento, envelhecimento, doença e morte. É recorrente a negação ou a dificuldade em que muitas famílias lidam com as etapas e dores da vida do ser humano. 

E, assuntos tabus precisam ser resolvidos nos adultos para que os mesmo auxiliem seus filhos. As crianças são curiosas e questionam sobre as situações que estão passando nas suas vidas, ou, em outras observadas por ela. Falar claramente é importante se ela mostrar algum interesse pelo assunto. Isso respeitando a faixa etária. Muitos já ficaram atentos à alteração da rotina tradicional. Qual o motivo? A pandemia e suas consequências, não tem como fugir disso. Por mais difícil que isso possa parecer para os responsáveis, é melhor um diálogo do que a angústia do silêncio e da incompreensão dos fatos

Há cartilhas que explicam para as crianças sobre o coronavírus de fácil acesso na internet.

Em uma Live sobre luto do curso da FIOCRUZ, Saúde Mental e Atenção Psicossocial na COVID-19, a Professora Maria Helena Franco expõe como falar sobre a morte de uma pessoa para uma criança. Ela esclarece: “Ela não vai entender como o adulto entende. Mesmo que não consigam simbolizar na fala, defendo que temos de falar. A Criança não tem noção do nunca mais”.

Franco lembra sobre as diferenças culturais diante da morte, mas a palavra morreu deve ser usada anteriormente. Tudo bem se vierem posteriormente as explicações: “virou uma estrelinha” ou “foi visitar papai do céu”. A palavra antes é “morreu”. Para que a criança possa perguntar. Ela precisa confiar no adulto, não dá para contar uma história enrolada, pois isso pode comprometer a sua confiança no interlocutor.

Fui provocada e afetada pela causa de nossas crianças. Creio que temos muito a escutá-las e abrir a fala para questionamentos. É um momento muito delicado para todos. O inconsciente é sempre o infantil e nossas crianças estão sendo estruturadas diante de um susto (para não dizer horror) que a humanidade tem passado.

Vamos escutá-las, desenvolver a fala e construir laços num diálogo fluido e produzir saúde mental para elas.

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Sandra Belchiolina

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