“Eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens.”
– Belchior
–
Os dias frios sempre foram os piores para Carla. Gostava de calor, do tipo de calor que você sai do trabalho procurando um restaurante não tão cheio para almoçar, e sente os raios de sol batendo nas maçãs do rosto. O calor que não lhe permite andar dois metros sem a sensação de desmaio correndo pelo corpo.
Gosta de calor agora, porque, como todo adolescente dramático, a certa idade, gostava de frio. Hoje não. Quando acordava de manhã, sempre antes do dia se iluminar, posicionava o coador em uma xícara com desenhos de vários grãos de café, e, enquanto preparava a bebida que lhe garantia ficar acordada até o próximo dia, vislumbrava pela janela aquele espetáculo em vários tons de amarelo e vermelho.
E aquela sexta-feira era um daqueles dias. O jornal da noite anterior já havia anunciado: “Belo Horizonte deve ter o dia mais quente do ano nesta sexta-feira!” Apesar dos pesares, seria um dia bom.
Pegou sua jaqueta – eles abusavam do ar condicionado no trabalho nos dias mais quentes – e foi rumo ao que seria um dia extraordinariamente normal.
A passos lentos e com as ideias em outro mundo, Carla desviou de um carro que vinha apressado, e passou no sinal vermelho em uma das avenidas mais movimentadas da capital. – Acho que o sol está queimando os miolos das pessoas – pensou.
E não estava errada. Chegando no trabalho, onde entendia-se que todo mundo deveria focar estritamente no que precisava ser feito, se viu no meio de uma discussão sobre qual bar iriam depois do expediente. Não achou que podia se entregar aos pensamentos sobre álcool às 9h da manhã. Preferiu se abster.
Fora todas as coisas que fugiam da curva, o dia corria tranquilo, a não ser pelo fato do termômetro estar cada vez mais perto do topo, atingindo a marca de 38 graus às 10h!
Ainda assim, não se deteve! Ao meio-dia, quando a temperatura chegava a estratosféricos 45 graus, pegou sua bolsa e saiu para encontrar um lugar para tentar se alimentar. Tarefa bem difícil, dado o calor.
Os rostos das pessoas na rua entregava o seu desespero. De um lado, alguns tomando banho de garrafinhas d’água, do outro, devoradores de potes de sorvete com colherzinhas de plástico faziam um estrago em seus ternos pretos e gravatas borboleta.
Enquanto caminhava, e depois de decidir ir a um fastfood, que apesar da fila era a opção mais rápida, se lembrou de ter lido em uma reportagem que um dia, essa grande bola de Hélio que habita sobre nossas cabeças irá morrer, e quando o fizer, engolirá todos os planetas a sua volta, em seu último ato de aconchego.
Achou a teoria engraçada e nada credível. Na volta para o trabalho, teve a sensação de estar pisando em terras dez vezes mais quentes do que quando tinha saído. Ela pedia um dia ensolarado constantemente em suas orações, mas dessa vez tinha exagerado.
No café da tarde, enquanto olhava por uma janela para aquele belo horizonte, viu que o antes poluído ar estava ganhando um tom mais avermelhado, e que as pessoas na calçada, até onde podia ver, não estavam nada bem.
Voltou para sua mesa e percebeu que o ar condicionado, mesmo estando no máximo, não fazia a menor diferença. Terminou seu relatório e o envio para o seu chefe, com o assunto do e-mail:
“Relatório do fim do mundo.”
Não acredito que fiz um trem desse tamanho para morrer depois de entregar. Não podia ser antes!?
Atenciosamente,
Carla Marques
Depois de enviado, colocou as mãos na cabeça e continuou sentada. Antes de desmaiar, a única coisa que conseguia pensar era se fechará as janelas de casa. O noticiário tinha dito que não ia chover, mas nunca se sabe.
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