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A difícil sobrevivência nos tempos modernos

Eduardo de Ávila

Sou de uma geração, tendo vivido minha infância e pré-adolescência no interior, em que a diversão da criançada era jogar bola na rua, pular amarelinha, bola de gude, cinco marias e outras lúdicas e inocentes brincadeiras que preenchiam nossas vidas. Como ponto positivo, ainda eram educativas, muito mais do que essa prisão domiciliar aliada a aparelhos eletrônicos e joguinhos que impulsionam a solidão e até mesmo violência.

Percebo em alguns jovens de hoje o predomínio de insensível individualismo, o que os faz deixar de viver, aproveitar e compartilhar amizades. Olhando para o próprio umbigo, não socializam, vivendo num amargo e triste exílio. Vivemos hoje numa sociedade individualista, em que o amor deu lugar ao ódio e – consequência disso – numa depressão coletiva.

Quando jogávamos bola na rua, o sonhos que compartilhávamos era, um dia, se tornar o Pelé ou algum daqueles campeões mundiais de 1958 e 1962. Jogando bolinha de gude, vivíamos o ápice de conquistar o “patrimônio” do concorrente. A amarelinha era um momento bucólico, em que meninos e meninas se olhavam, apaixonados e inocentemente, no jardim da praça. Cinco marias, que nossas mães faziam na máquina de costura, era outra disputa instigante para nossa geração.

Nos tempos atuais, o futebol se tornou um dos mais rentáveis “business”, em que o artista (jogador), para ter sucesso, precisa de um ousado “procurador”. Me lembro dos salários absurdos dos anos 70, que eram nossas prosas nos tempos de colégio em Araxá,  e que hoje – seguramente – são migalhas. Naquela época, o jogador era quem negociava com o clube. Atualmente, ao que sei, cada contrato gera três formas de pagamento: carteira profissional, direito de imagem e – acreditem – a parte do “empresário” do atleta. Dizem que é sempre dividida entre vários profissionais do ramo que se associam.

Copa do Mundo de 1958. Estação de Poços de Caldas: Nilton Santos, Dino Sani, Gilmar, Bellini, Garrincha, Moacir, Dida, Joel, Mazzola, Zagallo e Pelé

As “peladas” na rua hoje são impossíveis. Na minha rua, lá de Araxá, se via um carro a cada dez minutos. Atualmente, tem até estacionamento proibido e formação de filas de automóveis a cada cruzamento. A amarelinha, cinco marias e bolas de gude desapareceram. Um jovem lendo isso pode comprar esse imaginário a um frango que tem vida. Afinal, como já ouvi, “frango é uma comida branca que fica dentro da geladeira”. Tempos modernos e chatos!

Fossem apenas estas observações que, por si só, já são por demais danosas. Mas essas mudanças atingem a tudo – e todos – em nossos tempos atuais. Nem vou me aprofundar na burrice do radicalismo político, em que as redes sociais contribuíram para a destruição de relacionamentos familiares, amizades e afetos de décadas. Tudo isso causado pela “burrice” em aceitar e espalhar Fake News para provocar seus diferentes. A afirmação é de mão dupla, não a restrinjo aos que pensam diferente do meu entendimento. Vale para os dois lados.

Por fim, como se não bastasse, ainda somos atacados diariamente por um trânsito infernal. Tempos atrás, o ideal era ir mais cedo ou mais tarde ao destino, e na volta repetir a estratégia, para evitar o “horário” de início e final de expediente. As motocicletas, em menor número, respeitavam o espaço que lhes é reservado. Nos tempos de hoje, o movimento de carros nas ruas acontece durante todo o dia, ininterruptamente, e os “motoqueiros” – muitos deles imprudentes – acham que podem zigzaguear entre os carros livremente.

Quero aposentar e voltar a morar num lugar sem carros e motos, sem internet, telefone, “sem rádio e sem notícia das terra civilizada”, naquele “Riacho do Navio”, anunciado por Luiz Gonzaga. E com o amor, que sempre esteve junto e acompanhou a vida de Santa Dulce.

*imagens: captadas de redes sociais

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  • O tempo não somente molda a paisagem do mundo, molda também as pessoas para se adaptar a um ambiente. Se antes o tempo passava ,hoje a vida passa sem tempo.

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