Se Montesquieu reencarnasse entre nós, seguramente ia cair no divã do Freud ao perceber que a sua teoria da separação dos poderes vem sendo enxovalhada no Brasil. A tripartição, em um de seus legados (na obra “O espírito das leis”), definiu as atribuições do executivo, legislativo e judiciário. Um regime democrático é inspirado e passa pela definição deste pensador, que buscava o equilíbrio e a igualdade entre população e autoridades.
Assim, pelo ensinamento deste mestre – resumidamente -, caberia ao executivo administrar e executar as demandas sociais de toda a coletividade. Já o legislativo, entre suas atribuições, destacam-se elaborar leis para serem cumpridas pela sociedade e pelo executivo, além de fiscalizar a ação deste outro poder. E finalmente ao judiciário, confia-se o julgamento de eventuais conflitos na sociedade e no cumprimento das atribuições confiadas a cada um dos três poderes.
E o que estamos assistindo hoje é de arrepiar. Basta passar o olhar atento sobre os poderes em qualquer dos três entes federados. Nos municípios, desde as grandes metrópoles até a mais modesta cidade do interior; nos estados e, especialmente, no governo federal. Este último, que deveria ser o exemplo a ser seguido pelos demais, é exatamente onde assistimos ao verdadeiro descalabro e desrespeito com o cidadão brasileiro. Decadente!
Como nosso espaço aqui é pequeno e é recomendável não alongar neste tipo de reflexão, faria algumas pequenas considerações. Se ao Executivo cabe gerir as receitas e ao Legislativo elaborar leis a serem cumpridas, a situação vigente é exatamente na contramão deste princípio elaborado por Montesquieu. Basta pesquisar nos sites das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional.
As propostas de projetos de leis, emendas constitucionais e outras atribuições que precisam ser aprovadas no Legislativo que prosperam, são exatamente as enviadas pelo poder executivo. Vereadores, deputados (estaduais e federais) e senadores se transformaram em homologadores das políticas e ações por iniciativa dos prefeitos, governadores e presidente da República. A própria Constituição Federal, que foi promulgada em 1988, assim permitiu essa força extraordinária e concentração de propostas pelo executivo.
Como consequência disso, restou aos parlamentares – em todos os níveis – o papel de atender às demandas de suas bases eleitorais. Daí, criou-se as emendas parlamentares. A inversão das prioridades foi contaminada neste momento. O bom desempenho do legislador passou a ser aferido não pela sua atuação parlamentar de fiscalizar e propor leis, mas em alocar recursos para as comunidades que lhe garantem votos e reeleição. Empregos aos seus protegidos. Assim caminham as casas legislativas, nos três entes federados: município, estado e união.
Sou de uma geração em que os nomes do juiz de direito, promotor, presidente da OAB, vereadores e prefeitos eram matérias de sala de aula. Claro, também dos governadores e presidentes do Brasil, tínhamos respeito pela figura destes representantes.
Atualmente, exatamente pelos descaminhos que tomaram, pessoas de bem fogem da convocação para exercer mandato, abrindo caminho para a ascensão de quem não tem o menor compromisso social e/ou moral para ocupar as cadeiras de autoridade. Por isso, seguramente Montesquieu hoje seria mais um no divã de Freud, conforme afirmei acima.
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