Da mesma forma que foi importante que a DC Comics tivesse uma personagem mulher adaptada para o Cinema, sem que ela dependesse de um homem para ter força e decisão, agora temos um herói latino. A mesma Warner que nos deu Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017) agora lança Besouro Azul (Blue Beetle, 2023), personagem menos conhecido que promete ter uma boa conexão com o público mais jovem. Ainda mais o brasileiro, já que é coestrelado pela nossa Bruna Marquezine.
Reforçando a suposta força do povo latino e a ligação profunda com a família, o filme pretende usar essa identidade para faturar nas bilheterias, mas só faz repetir estereótipos. Colocando os familiares no meio da ação mais do que Shazam! (2019) o fez, o roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer (de Miss Bala, 2019) chega várias vezes ao ponto do ridículo, colocando por exemplo uma dona de casa para pilotar uma nave. Nave esta criada com uma tecnologia que teria sido inventada há anos por um milionário genial e humano. Enquanto estamos falando de um artefato de origem alienígena, entra em cena a suspensão de descrença e compramos a ideia. Agora, dizer que na Terra há certas coisas mirabolantes é demais.
Falando no roteiro, os diálogos muitas vezes são totalmente descabidos, com falas fora de lugar, que não se justificam. Os mexicanos gritam o tempo todo e o herói é inocente ao ponto de achar que argumentando ele vai parar os vilões. Há conveniências a torto e a direito, com as coisas acontecendo só quando precisam acontecer. Afinal, com uma armadura superpoderosa, o problema poderia ter sido resolvido em dois minutos. Temos, no entanto, que aguentar mais de duas horas de sofrimento para que o final óbvio chegue. Não sem antes termos flashbacks melosos e ridículos para explicar o que não precisava de explicação.
A trama de Besouro Azul nos apresenta a Jaime Reyes (Xolo Maridueña, de Cobra Kai), um rapaz de 22 anos que terminou um curso superior e voltou para sua cidade achando que as oportunidades se abririam para ele. Como isso não acontece, ele aceita trabalhos esporádicos e acaba conhecendo Jenny (Marquezine), filha do ricaço que fundou as empresas Kord – nos quadrinhos, Ted Kord é o segundo Besouro Azul, após Dan Garret. O misterioso escaravelho vai parar nas mãos de Jaime e os dois se fundem, dando origem ao herói do título.
O casal central, formado por Maridueña e Marquezine, até funciona, graças ao carisma de seus intérpretes. A vilã principal é uma figura genérica e forçada que a grande Susan Sarandon (de Casamento em Família, 2023) não precisava no currículo dela, dando à personagem o mínimo de dignidade que foi possível. Umas falas canalhas que não vemos em filmes de segunda. O capanga dela, Carapax (nos quadrinhos, o Homem Indestrutível), vivido por Raoul Max Trujillo (de Vingança a Sangue-Frio, 2019), é o típico bandidinho ex-militar de quinta, de longe o pior e mais raso dos personagens. E a família Reyes, com destaque para os veteranos Adriana Barraza (de Rambo: Até o Fim, 2019) e George Lopez (de Reno 911!), só grita e faz gracinhas, irritando a cada poucos minutos.
A provável intenção por trás de chamar um diretor porto-riquenho, Ángel Manuel Soto (de Menudos: Sempre Jovens), e um roteirista mexicano, Dunnet-Alcocer, é dar veracidade à produção com gente que deveria saber o que é ser latino. A impressão que fica é que ter chamado o Seu Antônio da padaria daria no mesmo, e talvez tivesse mais graça. Soto apela para tomadas repetitivas e mostra que, nesse caso, não tem ideia do que está fazendo. Os novos mandachuvas da DC, James Gunn e Peter Safran, deveriam olhar para o outro lado e fingir que esse filme nunca existiu no universo que estão criando.