Bob Marley e suas músicas chegam à tela grande

Robbie, Bob, Nesta, Skip, Skipper, Tuff Gong, Gong… São vários nomes ou variações deles pelos quais ele era chamado. Entrou para a história como Bob Marley e ficou conhecido como um dos fundadores do reggae, estilo musical nascido nos anos 60, na Jamaica. Tamanha foi a sua influência que ainda é lembrado como um dos maiores nomes da música internacional e como o representante principal do reggae. Em 2024, ele ganha uma cinebiografia autorizada pela família, que conta com membros na produção e muitas de suas músicas na trilha.

O fato de Bob Marley: One Love (2024) ser chancelado pela família Marley pode dar a entender que se trata de um filme chapa branca, que pega leve com seu biografado e não mostra possíveis podres ou erros dele. Sim, isso acontece – talvez de forma menos problemática que em Maestro (2023), por exemplo, mas ainda assim incomoda. O fato do roteiro focar em um momento específico, ao invés de tentar abarcar toda uma vida, seria um ponto positivo. Seria, não é. Muita coisa fica confusa, e o roteiro chega a criar algumas dessas confusões deliberadamente, além de causar outras por omissão. A figura do pai, por exemplo, fica aparecendo de todas as maneiras erradas, enquanto a verdade sobre ele é deixada de lado. Não adianta ter um amigo de Bob à disposição como consultor, caso de Neville Garrick, se as perguntas certas não forem feitas.

O roteiro de One Love foi escrito pelo diretor do longa, Reinaldo Marcus Green, e mais três, sendo um deles Zach Baylin. Os dois tiveram as mesmas funções em King Richard – Criando Campeãs (2021), outra cinebiografia confusa e “passa pano”. A história apresenta Marley e sua trupe para logo mostrar o atentado que mudaria a cabeça dele e o faria compor canções mais engajadas politicamente. O pano de fundo, a situação violenta da Jamaica, é explicado num letreiro inicial, e flashbacks vão trazendo informações sobre um Marley mais jovem. Nada muito esclarecedor e o país é pouco explorado, sempre com aquela fotografia padrão norte-americana, em sépia, que faz tudo parecer quente e envelhecido.

Como Green não é habilidoso nem como diretor, nem como roteirista, ele parece apostar suas fichas na atuação de seu ator principal. Visto recentemente na série água de salsicha da Marvel Invasão Secreta (Secret Invasion, 2023) e mais lembrado como Malcolm X em Uma Noite em Miami… (One Night in Miami…, 2020), Kingsley Ben-Adir faz uma versão meio playboy de Marley, mais forte fisicamente, mas mais apagado. Se visualmente ele está longe de seu personagem, a interpretação o afasta mais ainda. Lashana Lynch (de As Marvels, 2023) se sai melhor como Rita, apesar da relação dela com Bob nunca ficar muito clara. Parte dos conflitos entre eles aparece, mas apenas para confundir. E os sotaques jamaicanos flutuam do crível ao falso.

Se tem uma coisa que funciona nesse One Love são as músicas originais de Marley. As faixas são bem encaixadas e pontuam bem o filme, mas acabam sendo um último recurso. É como se pensassem: “Se nada der certo, conquistamos o público com as músicas”. A produção musical ficou a cargo de um filho de Marley, Stephen, e há outros muitos Marleys na produção, e Ziggy teve uma atuação mais importante no desenvolvimento do projeto. Não é coincidência os dois serem os únicos entre os filhos mencionados nominalmente. Para conhecer bem o episódio que o filme tenta retratar, vale buscar o curto documentário Remastered: Who Shot the Sheriff, disponível na Netflix.

Com as cenas reais ao final, a discrepância ficou ainda mais clara

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Bons atores e reviravoltas não sustentam Argylle

Depois de três filmes da franquia Kingsman e antes de seguir com outros dois já programados, Matthew Vaughn resolveu dar um tempo. Para não ir muito longe, o diretor foi para outro universo, mas ainda no mundo da espionagem: Argylle – O Superespião (Argylle, 2024) pode muito bem funcionar como o início de outra franquia. Só precisa se dar bem nas bilheterias, o que vai depender mais do elenco carismático do que do roteiro, uma colcha de retalhos de referências soltas. Ou mesmo da direção, que parece preocupada em florear sem saber onde quer chegar.

Em seus primeiros cinco filmes como diretor, Vaughn demonstrou saber exatamente o que está fazendo. De Nem Tudo É o Que Parece (Layer Cake, 2004) ao primeiro Kingsman (2014), passando por Stardust (2007), Kick-Ass (2010) e X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011), Vaughn fez longas com diversão na medida certa, evitando exageros nos momentos de humor, com drama e tensão bem equilibrados. Este Argylle é o ápice do que os outros dois Kingsman seguintes mostram: o diretor gostou muito do próprio estilo e perdeu a mão.

Bryce Dallas Howard (dos novos Jurassic Park) interpreta uma escritora de histórias de espionagem que criou o Agente Argylle (vivido pelo Superman Henry Cavill), um tipo meio James Bond que está sempre salvando o mundo. Enquanto conclui seu quinto livro, Elly é abordada por um sujeito (Sam Rockwell, de Jojo Rabbit, 2019) que se diz um espião de verdade e revela que a vida dela corre perigo. Sem saber, a escritora estaria colocando em suas histórias informações verdadeiras, o que estaria incomodando vilões perigosos.

A premissa pode parecer interessante, e o filme ainda usa bem no início a nova música dos Beatles, que é mais um ponto positivo, mas logo o roteirista Jason Fuchs (de Mulher-Maravilha, 2017) dá um jeito de bagunçar tudo. É possível ver traços de Missão: Impossível e de Jason Bourne, e até de Kingsman, e fica a sensação de que Vaughn está tentando superar a memorável sequência da igreja (com Colin Firth). Argylle se resume a isso: boa vontade e tentativas. Howard e Rockwell (acima) seguram as pontas como protagonistas e alguns coadjuvantes se destacam, como Bryan Cranston (de Breaking Bad) e Catherine O’Hara (de Máfia da Dor, 2023), apesar dos exageros demandados pelo roteiro.

A campanha de lançamento claramente exagera no destaque a Cavill e à cantora Dua Lipa, e ambos participam pouco, assim como John Cena (de Velozes e Furiosos 10, 2023). Rockwell, um ator sempre ótimo, aqui está no modo engraçadinho e passa da conta um pouco, o que lembra os filmes mais recentes da Marvel. As inúmeras reviravoltas da trama cansam e chega um momento em que o espectador apenas quer que aquilo acabe logo. Se houver um segundo filme, a mudança terá que ser drástica para atrair interesse.

O superespião de Cavill nem pisca ao salvar o mundo

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Queda expõe a anatomia de um casal

Uma casa afastada, no meio da neve. Um casal com um filho. De repente, uma morte. Cenário propício para um filme de terror. O que temos, no entanto, é um filme de tribunal que parte desse fato para examinar cada um dos envolvidos e as relações entre eles. Quando você briga com seu marido/esposa, você não espera vê-lo/la morto/a na sequência. Isso pode até te ocorrer no calor do momento, mas numa situação totalmente hipotética, irreal. Imagine se não só isso acontece como você é acusado/a do crime!

Esse é o mote para Anatomia de Uma Queda (Anatomie d’une Chute, 2023), um dos 10 indicados ao Oscar de Melhor Filme, que chega aos cinemas nacionais essa semana. Com cinco indicações, o longa tem a única mulher lembrada na categoria de Melhor Direção, já que Greta Gerwig (de Barbie, 2023) e Celine Song (de Vidas Passadas, 2023), dois outros nomes muito cotados, não entraram. Justine Triet é uma cineasta e roteirista mais do que estabelecida em seu país, este é seu primeiro filme a estourar mundialmente. A França não escolheu Anatomia de Uma Queda como seu representante no Oscar de Melhor Filme Internacional, e mesmo assim ele conseguiu ser indicado de outras formas.

Outra que já tem uma longa carreira é a protagonista, a alemã Sandra Hüller. Além de estar em outro dos destaques da temporada atual, o ainda inédito Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023), a atriz fez As Faces de Toni Erdmann (Toni Erdmann, 2016), que levou o trabalho dela ao grande público. Aqui, ela carrega o espectador consigo por todo o julgamento, num trabalho nada menos que brilhante. Sandra (a personagem) nunca deixa de ser tridimensional e, pelo contrário, tem diversas camadas interessantíssimas.

Apesar da pouca idade, um coadjuvante que faz a diferença no filme é Milo Machado Graner, intérprete do filho do casal. Ao lado de seu cachorro (extremamente expressivo) ou não, o garoto tem boas cenas e não faz feio, trazendo muita emoção a momentos chave. No tribunal, temos dois lados em sintonias diferentes, e ambos funcionam. Enquanto na defesa temos Swann Arlaud interpretando um advogado competente, sério e discreto, na acusação Antoine Reinartz se diverte com um tipo mais cínico, que deixa insinuações no ar. É um tipo de julgamento diferente do que conhecemos, que parece funcionar na França. Estranho só é não ter a presença de parentes e amigos dos envolvidos.

Anatomia de Uma Queda joga com a nossa percepção, nossos valores e a experiência prévia de cada um. Ao longo da sessão, cada um pode ter uma certeza, e ela muda a cada poucos minutos. A única coisa que sabemos, ao certo, é que a relação de um casal pode parecer uma coisa para eles e outra para quem está de fora, observando. Quando um casal se separa, por exemplo, pode parecer surpresa para os demais, mas os envolvidos sabem exatamente o que está havendo. Por isso, antes de mais nada, Anatomia é um filme sobre Sandra, Samuel, Daniel e a relação entre eles.

O garoto rouba algumas cenas para si

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Emma Stone volta ao Oscar com Pobres Criaturas

Em busca de seu segundo Oscar, Emma Stone chega aos cinemas na próxima semana em Pobres Criaturas (Poor Things, 2023), nova colaboração da atriz com Yorgos Lanthimos. Quem conhece o diretor sabe bem o que esperar: uma trama surreal que se passa em um mundo parecido com o nosso, mas que toma várias liberdades e traz personagens inusitados. Tudo isso permeado por críticas que vão do patriarcado ao sistema capitalista, aproveitando no meio do caminho para avacalhar com as regras de convivência em sociedade.

Adaptando um livro de Alasdair Gray, Lanthimos repete duas colaborações de A Favorita (The Favorite, 2018): além de Stone, volta também o roteirista Tony McNamara. E, assim como em O Lagosta (The Lobster, 2015), o diretor não tem nenhum compromisso com a realidade, mostrando feitos da medicina que deixariam Victor Frankenstein e o Dr. Moreau com inveja. O médico louco da vez é quase Deus: não à toa, o nome dele é Godwin Baxter, chamado pelo apelido de God (Deus). Willem Dafoe (de Asteroid City, 2023), como todos no elenco, parece estar se divertindo no papel, e é ele quem cria Bella Baxter (Stone).

Quem é Bella é algo que só descobrimos com a sessão correndo. Entendemos de cara, no entanto, que ela é alguém que está descobrindo o mundo, mas à moda dela. Parece ser inocente, mas ninguém a passa para trás. Ela é o próprio símbolo do empoderamento feminino, não obedecendo nenhuma convenção social ou comportamento hipócrita. Bella faz o que quer e conquista a todos sendo ela mesma. Alguns se chocam, outros acham tudo maravilhoso. Assim como será a reação do público ao final dessa sessão. Ou durante.

Os outros dois nomes principais do elenco são os de Mark Ruffalo (o Hulk da Marvel) e de Ramy Youssef (de Mr. Robot). Enquanto Youssef faz um estudante de medicina certinho que nutre grande admiração por seu professor “Deus”, Ruffalo é um advogado que não faz muito sentido. Começa muito sério, a trabalho, mas logo se mostra um tresloucado disposto a sair pelo mundo. Sua interpretação, indicada ao Oscar, é acertadíssima, só o personagem se mostra um tanto inadequado àquele universo.

Tecnicamente, Pobres Criaturas se mostra perfeito. Não à toa, teve 11 indicações ao Oscar, muitas delas em categorias técnicas. Os figurinos, a maquiagem e todo o design de produção são impecáveis, acentuados por uma fotografia brilhante e pontuados por uma trilha adequada. A montagem, também indicada, poderia ter sido mais assertiva, encurtando algumas passagens, já que o resultado é um pouco cansativo. Alguns filmes ressoam mais em umas pessoas que em outras, por razões que dependem de experiências pessoais.

Um design de produção brilhante é um dos trunfos de Pobres Criaturas

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Vidas Passadas mostra um encontro de mundos

Duas crianças, colegas de escola, parecem gostar muito uma da outra e, por isso, as mães promovem um encontro. Quando tudo apontava que elas seriam namoradinhos infantis, uma das famílias deixa a Coréia do Sul em busca de uma vida melhor. Na Young muda seu nome para Nora Moon e começa uma vida nova no Canadá, perdendo contato com Hae Sung. Esse é o ponto de partida para Vidas Passadas (Past Lives, 2023), co-produção norte-americana e coreana que, mesmo tendo recebido diversos elogios e prêmios, teve sua estreia comercial inexplicavelmente atrasada para janeiro, sendo que a primeira previsão era para agosto de 2023.

A diretora e roteirista Celine Song faz aqui a estreia em longas com grande estardalhaço, já que chamou bastante atenção em diversas premiações. O filme é sensível e passa uma sensação de simplicidade, o que só valoriza suas qualidades, como a ótima fotografia, que mostra as cidades de maneira corriqueira e ressalta os pontos escolhidos para cenários. Os personagens parecem gente que encontraríamos na próxima esquina e de quem nos tornaríamos amigos, com diálogos inteligentes e críveis. E silêncios e olhares também, tudo bem colocado.

No papel de Nora, Greta Lee (de The Morning Show) mostra grande carisma e segurança, fazendo o público se afeiçoar a ela. Da mesma forma, Teo Yoo (de Decisão de Partir, 2022) nos mostra o outro lado: o de quem ficou pra trás e seguiu seu caminho. Os dois, no entanto, guardam lembranças carinhosas um do outro e nunca se esqueceram. É muito interessante perceber essa grande diferença entre os dois: ela cresceu no ocidente e já está acostumada aos costumes, enquanto ele ainda traz a tradição coreana consigo.

Completando o trio principal, temos John Magaro vivendo Arthur, um americano que traz mais complexidade à dinâmica do casal. Na história da esposa com o amigo de infância, Arthur se sente um intruso, alguém que corre por fora e não entende o básico: a língua natal deles. A relação entre os três traz questões pertinentes que devem fazer muita gente ficar algumas horas pensando a respeito. Somos compostos por mundos interiores e, por mais que eles se complementem, volta e meia podem se chocar.

Por ter boa parte dos diálogos em coreano, Vidas Passadas está concorrendo na principais premiações também como “longa em língua estrangeira”, o que levanta a possibilidade de mais uma categoria a ser premiado. Vencendo ou não, é um filme que merece ser assistido e já conferiu aos envolvidos, principalmente Song, Lee e Yoo, o status de “nomes a serem acompanhados”.

Personagens que fazem sentido e são agradáveis de se acompanhar

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Piscina amaldiçoada causa terror na vizinhança

Um casal unido, dois filhos saudáveis, uma casa grande, com jardim na frente e piscina no quintal. A própria imagem do sonho americano, como em um quadro de Norman Rockwell. Assim começa Mergulho Noturno (Night Swim, 2024), filme que chega aos cinemas essa semana adaptado de um curta-metragem do próprio diretor e roteirista, Bryce McGuire, que usa essa premissa alegre para causar terror no público.

Com apenas um longa no currículo, Unfollowed (2018), McGuire desenvolveu, junto ao colaborador Rod Blackhurst, o conceito que havia criado e o curta de quatro minutos virou um longa de mais de uma hora e meia. E ainda conseguiu bons atores para viverem o casal principal: a ótima Kerry Condon foi indicada ao Oscar no ano passado por Os Banshees de Inisherin (2022) e Wyatt Russell fez o Agente Americano na série do Falcão e o Soldado Invernal, da Marvel. Russell tem as mesmas características do pai, Kurt: o carisma compensa uma certa limitação como intérprete.

A história não é das mais originais, apenas o mote é: o mal da vez se esconde na piscina, o símbolo do sucesso da família. Ter uma piscina em casa é uma grande realização, ou ao menos o filme mostra dessa forma, e ela ser a fonte do problema é uma sacada interessante. Guardadas as devidas proporções, dá para traçar um paralelo com o Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989). Fica a impressão que McGuire deve ter passado a adolescência lendo Stephen King e se sentiu inspirado.

Em boa parte da obra, percebemos que o diretor está mais preocupado em construir uma atmosfera de suspense do que em causar sustos gratuitos – que até acontecem, mas bem espaçados. A lógica é bem desenvolvida e, se não é uma obra-prima, ao menos diverte de maneira competente. O final não é exatamente imprevisível, mas é satisfatório. Desavisados podem até se decepcionar, mas quem procura um bom filme de terror deve ser bem servido.

O casal principal é o principal atrativo do longa

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Sofia Coppola deixa Elvis de lado e foca em Priscilla

Muito já foi falado e escrito sobre o Rei do Rock, e não faltam cinebiografias de Elvis Presley, como a que Baz Luhrmann dirigiu em 2022. Dessa vez, a diretora e roteirista Sofia Coppola decidiu que o foco seria a namorada e futura esposa dele, Priscilla Beaulieu, o que não surpreende ninguém que conheça a filmografia de Sofia. A surpresa fica por conta da relativamente desconhecida Caille Spaeny, que dá profundidade à protagonista e nos leva consigo para Graceland, onde passava dias ora frenéticos, ora solitários.

De As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999) a On the Rocks (2020), passando pelo elogiado Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), entre outros, Sofia sempre mira mulheres que, com ou sem gente em volta, se sentem sozinhas e deslocadas. Era questão de tempo até pensar em Priscilla, geralmente relegada ao papel de coadjuvante de um dos maiores nomes da música mundial. O livro adaptado, da própria Priscilla (escrito com Sandra Harmon), deu origem também ao filme para a televisão Elvis e Eu (Elvis and Me, 1985), tendo as duas obras sido lançadas oito anos após a morte do cantor.

Assim como o longa de 1985, Priscilla não traz uma visão positiva do Rei, mostrando-o como machista, manipulador e controlador. Pode-se dizer que ele era um produto de sua época, quando características como as citadas eram comuns em homens, mas o filme deixa claro que isso piorou à medida que a fama de Elvis cresceu. Priscilla tinha apenas 14 anos quando conheceu seu futuro marido, 10 anos mais velho que ela. Tudo começa como em um conto de fadas, mas vários episódios fazem o público pensar no que estaria fazendo a moça continuar aturando tudo aquilo. A resposta é bem simples: amor.

A atriz escolhida, Caille Spaeny (de Mare of Easttown), dá conta perfeitamente de viver Priscilla em todo o escopo do filme, tanto física quanto psicologicamente. Merecidamente foi indicada a prêmios, nos fazendo entender porque Priscilla passou por tudo o que Elvis a sujeitou. E cabem elogios a Jacob Elordi (de Saltburn, 2023) também, o intérprete de Elvis. De Austin Butler a Kurt Russell, passando por Dale Midkiff e (porque não?) Val Kilmer, vários atores já deram vida ao Rei. Elordi se destaca por mostrar mais facetas, indo de carinhoso a monstruoso em segundos, sem perder a cara de galã e o jeito simpático, que conquistava a todos.

As brigas entre a verdadeira Priscilla Presley, que entrou como produtora executiva no filme, e a filha, a recém falecida Lisa Marie, que não aprovava o retrato que pintaram do pai, fizeram com que o longa de Sofia não pudesse usar as músicas cantadas por Elvis, o que foi facilmente contornado. Com direção musical da banda Phoenix, liderada pelo marido da diretora, Thomas Mars, e canções dos Sons of Raphael, além de músicas populares das épocas retratadas, não falta coisa boa para ouvirmos. Se há um possível problema em Priscilla, é acompanhá-la somente enquanto há a ligação com Elvis, como se o interesse por ela residisse exclusivamente nele. Seria justo que o roteiro extrapolasse o livro e mostrasse o pós Elvis. Para Sofia, não foi necessário.

O verdadeiro casal Presley, no casamento que o filme mostrou fidedignamente

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Saltburn traz mais críticas à elite financeira

Um rapaz calado e inteligente, de origem humilde, em meio a colegas abastados, se aproxima do sujeito popular e simpático buscando uma entrada na turma e eles acabam ficando amigos e frequentando a alta roda juntos. Enquanto um amigo do riquinho desconfia do recém-chegado, os pais do rapaz o recebem de braços abertos. Eu poderia estar falando de Tom Ripley, personagem de Patricia Highsmith vivido por Matt Damon (em O Talentoso Ripley, 1999) e Alain Delon (em O Sol Por Testemunha, 1966), entre outros, mas trata-se de Oliver, o protagonista de Saltburn (2023), longa disponível no Amazon Prime Video.

Cabia à diretora e roteirista Emerald Fennell a difícil missão de seguir sua premiada estreia, Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020), pelo qual ela levou o Oscar de Melhor Roteiro Original e indicações a Melhor Filme e Melhor Direção. Buscando tratar de um tipo de gente difícil de gostar, como disse em entrevistas, Fennell queria que o público se afeiçoasse a eles, mostrando-os como privilegiados, mas tirando o glamour daquela vida tranquila em uma mansão no campo.

A escolha pelo ator principal era a chave para o sucesso do filme, e se mostrou bem acertada: Barry Keoghan (de Os Banshees de Inisherin, 2022) passa muita segurança em todos os momentos, abraçando as nuances de seu personagem e as esquisitices do roteiro. Dando suporte, temos Jacob Elordi (de Euphoria e os três A Barraca do Beijo), ótimo como o jovem mimado que em nenhum momento fica estereotipado. Pelo contrário, ele é exatamente o cara que todos na faculdade gostam, agradável e agregador, mesmo tendo tudo o que quer à mão.

Os pais milionários de Felix são a cereja do bolo: pessoas absolutamente detestáveis, que se cobrem com uma aura de beneficentes e refinados para esconder todos os preconceitos e julgamentos que fazem constantemente, tratando todos como inferiores e indignos. Richard E. Grant, visto recentemente em Loki, é o típico aristocrata inglês que parece viver em outro planeta, cuja principal preocupação é o cultivo de orquídeas. Rosamund Pike (de Eu Me Importo, 2020), a mãe, é o bibelô do marido, mais nova, linda e fútil, que leva pessoas para casa para cuidar delas e posar de salvadora, mas logo se cansa e as dispensa.

Entrando nesse universo, Oliver vira a atração. Mesmo mais erudito ou esperto que os demais, ele não se veste da maneira “certa” e é visto quase como um animal de estimação. Quando todos em volta são falantes e gostam de se gabar, Oliver é discreto e observador. Mede suas palavras, se mostrando bem calculista, o outro lado da mesma moeda. Com essa fauna, Fennell faz suas críticas à elite, que tem quadros valiosíssimos na parede e nem se importa – num fantástico trabalho de design de produção e com um figurino que ressalta os aspectos da primeira década dos anos 2000. E a trilha sonora combina bem, seja com as composições originais ou com sucessos como Rent, dos Pet Shop Boys, ou Mr. Brightside, de The Killers.

Muito melhor que um Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness, 2022), por exemplo, só para citar uma sensação do ano passado que fazia críticas similares, Saltburn tem suas estranhezas, mas funciona satisfatoriamente. Um bom elenco e diálogos bem escritos entregam a mensagem. Depois da grande vitória no Oscar de Parasita (Gisaengchung, 2019), também sobre luta de classes, laureado como Melhor Filme, Direção, Roteiro Original e Filme Internacional, é de se esperar que esse longa tenha uma boa carreira nas premiações dessa temporada.

Carrey Mulligan, em participação especial, mais uma vez trabalha com Fennell

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O melhor do Cinema em 2023

Como de costume, final de ano é sinônimo de balanço com a lista dos melhores filmes. Alguns chegaram ao Brasil esse ano, mesmo sendo de 2022, e só entram os que já foram lançados comercialmente no Brasil. Aqueles que foram criticados aqui têm link para o texto completo.

Ao invés de fechar um top 10, optei por colocar os destaques do ano, aparecendo na ordem em que foram assistidos. Assim, ficam várias recomendações para quem não os viu.

Agradeço a quem acompanhou O Pipoqueiro em 2023 e seguimos juntos para mais um ano. O tempo para assistir aos filmes, escrever e postar anda mais escasso, mas um esforço segue sendo feito nesse sentido. Boas festas a todos!

Os Fabelmans

Os Banshees de Inisherin

Tár

A Baleia

O Lodo

Guardiões da Galáxia 3

O Pacto

Oppenheimer

Fale Comigo

Assassinos da Lua das Flores

Retratos Fantasmas

Elis e Tom

Segredos de Um Escândalo

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Aquaman 2 fecha o atual universo cinematográfico da DC

Chega aos cinemas essa semana Aquaman 2: O Reino Perdido (Aquaman and the Lost Kingdom, 2023), último longa do chamado Snyderverso, ou seja: de antes da chegada de Peter Safran e James Gunn à liderança das produções da DC Comics. Cenas foram reescritas e refilmadas, muita coisa aconteceu nos bastidores e já se esperava um fracasso. Felizmente, o diretor James Wan acertou novamente, entregando uma obra coesa, divertida e bem feita. Se não é um novo clássico, ao menos é muito satisfatório.

Contando novamente com David Leslie Johnson-McGoldrick no roteiro, com colaboração do próprio astro do filme, Jason Momoa, Wan continua a história de Arthur Curry, que se divide entre ser um pacato pai de família e o rei da Atlântida. O lado político do cargo o cansa, ele sempre preferiu a parte física, partir para a porrada contra possíveis inimigos de seu povo. Volta e meia ele tem essa oportunidade, lutando contra piratas, contrabandistas e quem mais aparecer pela frente.

Do outro lado, cultivando um sentimento de vingança, temos David Kane, o Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II – abaixo), cujo pai morreu numa luta contra Aquaman. A descoberta de um artefato antigo e poderoso fará com que o Arraia se torne algo mais que um simples humano. E vai nos revelar o tal reino perdido do título. Situações acontecem e se sucedem numa velocidade adequada e o resultado é uma aventura típica dos quadrinhos, com humor bem encaixado e momentos de tensão.

O vilão do primeiro filme, Orm (Patrick Wilson), volta como um aliado relutante. Mais uma vez, temos uma construção interessante dos personagens, evitando maniqueísmos e estereótipos. Eles parecem ter (alguma) profundidade, e não estou falando do mar. Temuera Morrison (o pai), Nicole Kidman (a mãe) e Dolph Lundgren (o rei vizinho) voltam a seus papéis, assim como Amber Heard (Mera), que tem sua participação esvaziada para evitar a rejeição do público (devido aos problemas pessoais da atriz, que protagonizou um atribulado fim de casamento com Johnny Depp). Randall Park, o Dr. Shin, tem uma participação maior e traz simpatia ao cientista do vilão.

Ao contrário de A Pequena Sereia ou de uns Piratas do Caribe, os efeitos especiais ficaram bem feitos, cortesia dos magos da IL&M, e devem ser visto em IMAX. A trilha sonora casa certinho com a ação, e está novamente nas mãos de Rupert Gregson-Williams. São usados dois rocks de 1969, e há uma curiosidade: Steppenwolf é o nome da banda que toca Born to Be Wild, presente no filme, e é também o vilão de Liga da Justiça (Justice League, 2017), combatido por Aquaman e cia.

Falando em Liga da Justiça, uma pergunta deve martelar na cabeça do público: por que o herói não chamou os amigos superpoderosos para ajudá-lo? Se você vê uma possível catástrofe, com potencial para abalar a Terra, você não chamaria o Superman? Ou Batman, o maior detetive do mundo? Essa é uma das questões que nos exigem um salto de fé para que possamos aproveitar a sessão. No entanto, depois de Shazam! 2 e Besouro Azul, Aquaman 2 é uma bem-vinda lufada de ar fresco. E o filme ainda deixa uma bela e discreta mensagem de preservação ambiental, já que estamos destruindo nossos mares.

Patrick Wilson e James Wan, colaboradores frequentes

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