Adolescentes conversam com os mortos em Fale Comigo

É impressionante como os adolescentes personagens em filmes, principalmente os norte-americanos, ainda não aprenderam que não devem brincar com os mortos. Brincadeiras à parte, uma nova obra de terror chegou aos cinemas e trouxe consigo um pouco de ar fresco. Fale Comigo (Talk to Me, 2022) parte do mesmo ponto que muitos outros já invocaram, mas consegue chegar num resultado mais criativo que a maioria, atendendo bem à tão complicada demanda por um bom filme de terror.

 

Fazendo sua estreia na direção de um longa-metragem para o Cinema, os irmãos gêmeos e youtubers Michael e Danny Philippou mostram ter boas ideias e fogem do óbvio. Criando situações interessantes, eles evitam clichês e não tratam ninguém como imbecis, nem o público, nem seus personagens. As mesmas características dos jovens de, digamos, John Hughes, encontramos nesses, com pequenas atualizações. Buscando serem aceitos e fazerem parte, topam se arriscar e fazem algumas burrices. Temos ainda um forte sentimento de perda que vai definir os movimentos de um deles.

Chega às mãos de um colegial popular e ligeiramente babaca uma mão endurecida que, antes de ser revestida, supostamente pertenceu a uma vidente. Ela daria a qualquer um o poder de falar com os mortos e os protagonistas logo se motivam a participar do joguinho. Tudo corre bem num primeiro momento, mas eles não demoram a quebrar as regras e a enfrentar as consequências. As coisas vão acontecendo de forma dinâmica, uma vez que o clima de tensão foi estabelecido, e tudo se encaixa bem.

A atriz Sophie Wilde ganha aqui sua primeira oportunidade num longa, e ainda no papel principal, e deve ficar bem famosa com seus próximos trabalhos. Um deles, O Portal Secreto (The Portable Door, 2023), também traz a colega Miranda Otto, nome mais famoso do elenco desse Fale Comigo. Os demais não destoam, com destaque também para o garoto Joe Bird, que vive um irmão mais novo que quer ser respeitado pela turma mais velha da irmã (Alexandra Jensen).

Não é de se estranhar, dado o histórico dos Philippous, que a trama aproveite a questão das redes sociais e vídeos que viralizam, se provando bem atual. Isso, somado a efeitos práticos e a um grande cuidado com o design de produção, resulta em algo muito crível, com a vitalidade de outros grandes independentes do gênero. Assim como em vários outros casos, os Philippous podem ter dado aqui o pontapé inicial de uma franquia, a exemplo de Uma Noite de Crimes e Jogos Mortais. O primeiro, no entanto, será sempre o mais fresco.

Os Philippou levaram seu elenco ao Festival de Sundance

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Som da Liberdade e suas polêmicas chegam ao Brasil

Chegou aos cinemas essa semana Som da Liberdade (Sound of Freedom, 2023), longa que aguardava por lançamento há algum tempo por falta de fundos e que acabou sendo abraçado por uma produtora cristã, que providenciou o necessário para a estreia em vários países. De cara, a obra foi elogiada e defendida por personalidades norte-americanas de direita, como o ex-presidente Donald Trump e sua família, gerando polêmicas e discussões sobre as reais realizações do protagonista.

Para situar o leitor, a trama acompanha Tim Ballard (Jim Caviezel, o Jesus de A Paixão de Cristo, 2004), um agente do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que, depois de prender vários pedófilos, consegue finalmente resgatar um garotinho vítima do tráfico sexual no país. Ao ter contato com a família do menino, Ballard descobre que a irmã dele também foi sequestrada e resgatá-la se torna sua missão de vida. Sem apoio de seus superiores, ele pede demissão e segue sozinho, contra tudo e contra todos.

Em 2015, com a chegada do então mais recente trabalho do diretor Clint Eastwood, Sniper Americano, (re)começou-se uma discussão sobre o uso do Cinema como propaganda. Pode um filme tecnicamente impecável ter vários defeitos de ordem ideológica? Assim como o longa de Eastwood, esse Som da Liberdade tem um roteiro altamente questionável. A começar por tratar seu protagonista como um super-herói perfeito, infalível e 100% abnegado, que aceita ficar longe da família por tempo indeterminado e correr o risco de deixar os filhos órfãos por desconhecidos em um país que não é o dele.

Ballard, no filme, não titubeia por um segundo e parece uma força incontrolável. Já o Ballard real foi criticado várias vezes por exagerar seus feitos, e é bom apontar que quase tudo o que vemos na tela é baseado em relatos do próprio. Assim como Chris Kyle, o sniper americano, ele seguiu por conta própria e se tornou uma espécie de justiceiro, atropelando leis por um suposto bem maior. Quando se coloca a famigerada frase “baseado em fatos”, fica impossível não gerar esse tipo de discussão e não ficar pensando no que de fato deve ter acontecido.

Tanto Ballard quanto seu intérprete, Caviezel, já apoiaram publicamente os malucos do QAnon, grupo que acredita que há uma seita envolvendo políticos do Partido Democrata e estrelas de cinema, que sequestrariam crianças para usar um hormônio gerado na tortura delas para se manterem jovens. Dentre outras insanidades, eles dizem que essa seita domina o alto escalão norte-americano, o presidente Joe Biden já teria morrido e o salvador de todos nós seria ninguém menos que o canalha Trump, ídolo deles.

Se Som da Liberdade começa bem razoável, seu roteiro vai se tornando cada menos crível. Tomar conhecimento desses fatos, digamos, externos ao filme faz com que ele fique ainda pior. A organização sem fins lucrativos fundada por Ballard para combater o tráfico infantil já foi acusada até de levar os louros de ações não realizadas por eles. Até o momento, o longa já faturou dez vezes o que gastou para ser produzido, com igrejas e grupos políticos comprando dezenas de ingressos que não necessariamente são usados, prática conhecida como “pay it forward”, na qual os ingressos são comprados e ficam disponíveis para quem não tem condições de arcar com o custo. Sessões ficam esgotadas e as salas, muitas vezes, vazias.

Muitas conspirações foram inventadas em torno de Som da Liberdade, até que uma grande rede de cinemas estaria sabotando-o – o que não tem qualquer fundamento e já foi desmentido até pelos responsáveis pelo filme. O diretor e corroteirista, Alejandro Monteverde (de Little Boy, 2015), já disse em entrevistas que seu filme não tem qualquer ligação com o QAnon, mas seu astro vai na contramão. É triste porque desvia a conversa do conteúdo, focando nas controvérsias e dividindo o público antes mesmo de assistir. Para os bolsos dos produtores, no entanto, a atenção é muito bem-vinda.

O verdadeiro Ballard foi com a família prestigiar o lançamento do longa

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Os Mercenários 4 mostra esgotamento da fórmula de sucesso

Quando foi lançado em 2010, o primeiro filme da franquia Os Mercenários (The Expendables) foi beber na fonte dos filmes de ação da década de 1980, o que garantiu o sucesso da produção. Reuniram astros do gênero consagrados naquela década e na seguinte com novos rostos, apostando em um filme onde a ação falava muito mais alto do que a história em si.

Apoiado no carisma de Sylvester Stallone, Jason Statham, Terry Crews e Dolph Lundgren, apenas para mencionar os principais nomes, Os Mercenários gerou uma franquia que elevou ainda mais as apostas e atraiu nomes como Chuck Norris, Bruce Willis, Jean-Claude Van Damme, Arnold Schwarzenegger e Mel Gibson, dentre outros. A fórmula funcionou bem no segundo filme, de 2012, não tão bem na terceira tentativa, de 2014 e finalmente parece ter se esgotado nesta quarta.

O problema de Os Mercenários 4 (The Expendables 4, 2023) está justamente nos ingredientes usados nessa nova fórmula. A trama é mais ou menos a mesma do segundo filme: o grupo de Barney Ross (Stallone) é contratado pela CIA, através do agente Marsh (Andy Garcia), para recuperar detonadores nucleares de Rahmat (Iko Uwais), um traficante de armas e, preferencialmente, descobrir a identidade de seu comprador, conhecido apenas como Ocelot. A equipe de Ross, que além de Christmas Lee (Statham), conta também com Gunner (Ludgren), Toll Road (Randy Couture) – todos veteranos dos filmes anteriores -, Easy Day (o rapper 50 Cent) e Galan (Jacob Scipio), parte para a missão.

Graças a uma decisão independente de um dos subordinados de Barney, a missão dá errado. A partir dali, as coisas se complicam: em posse dos detonadores, o comprador de Rahmat pretende detonar uma terceira guerra mundial. Com a adição dos novos membros Gina (Megan Fox – acima) e Lash (Levy Tran), o grupo tem pouquíssimo tempo para impedir uma catástrofe de proporções mundiais, além de resolver uma questão pessoal.

O grande problema de Os Mercenários 4 é que os roteiristas da vez, Kurt Wimmer, Tad Daggerhart e Max Adams, trabalhando em cima da história criada por Spenser Cohen, Wimmer e Daggerhart, não souberam se aproveitar da fórmula de sucesso dos filmes anteriores – principalmente do primeiro. A comédia bastante presente especialmente nos dois primeiros filmes da franquia foi meio que deixada de lado em detrimento da ação e nem dela o diretor Scott Waugh soube se aproveitar bem. Fora a interação passivo-agressiva nos diálogos entre os personagens de Statham e Stallone, que mostra uma amizade tipicamente masculina, onde os homens se provocam o tempo todo, mas na hora do “vamos ver” podem contar um com o outro, o resto do filme infelizmente não funciona. O mesmo pode ser dito sobre o elenco. À exceção de Lundgren e Couture, os outros personagens não têm muito carisma ou apenas repetem trejeitos de algum de seus predecessores.

Somando-se tudo isso a uma escrita bastante preguiçosa – dá pra saber o final do filme ali pelo meio dele -, é bem provável que essa seja a aventura derradeira dos Mercenários. Salvo se a bilheteria for surpreendente a ponto de valer a pena investir em uma quinta aventura. Nesse caso, seria interessante pensarem numa revitalização da fórmula de sucesso dos dois primeiros filmes.

Alguns dos astros que já passaram pela franquia Os Mercenários

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Operação Lioness é a nova criação de Taylor Sheridan

O incansável Taylor Sheridan, criador, produtor e roteirista dos sucessos televisivos atualmente em exibição Yellowstone e Tulsa King, ataca novamente. Saindo um pouco do regionalismo dessas duas atrações, ele criou Operação Lioness (Special Ops: Lioness), cujos oito episódios da primeira temporada já estão disponíveis no Paramount+ (ou, no nosso caso, no Prime Video). Não é nada que vá mudar o panorama da televisão, mas tem diferenciais bem interessantes e deve arrebanhar uma boa quantidade de espectadores.

A principal característica a se reparar em Lioness é o elenco. À frente, ninguém menos que Zoe Saldana, que tem participação em três grandes franquias do cinema: Guardiões da Galáxia, Star Trek e Avatar. Ela consegue trazer alguma simpatia a uma personagem bem antipática, uma agente da CIA que lidera uma equipe que planta espiãs próximo a alvos da agência para eliminá-los. A mais nova escolhida, Cruz (Laysla de Oliveira, de Locke & Key) é uma fuzileira naval durona que passou por situações difíceis na vida e se alistou. Depois de se destacar em algumas missões, ela é recrutada por Joe. Oliveira também segura bem a tarefa e bate de frente com Saldana quando necessário.

Enquanto o pessoal da linha de frente não é muito conhecido, os superiores são mais marcantes. Logo acima de Joe, temos a burocrata vivida por Nicole Kidman (de O Homem do Norte, 2022), cuja participação é pequena, porém impactante. Kaitlyn parece ficar apenas atrás da mesa, supervisionando o grupo, mas não nega se aproximar da ação quando necessário. Ainda acompanhamos, em paralelo, a história dela com o marido (Martin Donovan, de Tenet, 2020), um figurão do mercado financeiro que parece ter mais acesso a informações privilegiadas que ela.

Completando a hierarquia de poder, temos Michael Kelly (da série de Jack Ryan) como o diretor da CIA, um sujeito que fica pendendo entre sua equipe e os peixes mais graúdos que frequentam a Casa Branca. Entre essa turma, temos o Secretário Mullins, uma figura detestável e contraditória interpretada com um prazer sádico por Morgan Freeman (de Despedida em Grande Estilo, 2017), ao lado de Jennifer Ehle (de Ela Disse, 2022) e Bruce McGill (de Reacher). Com maior ou menor importância para a trama, todos funcionam bem, fechando um time muito competente.

O problema em Operação Lioness começa a aparecer nos episódios finais. Algumas pessoas parecem ter se incomodado com a forma como os militares e a CIA são mostrados, soldados resignados e incansáveis que se sacrificam pelo bem mundial – e não só dos Estados Unidos, veja como são bonzinhos! O defeito maior, no entanto, é a pressa com que o roteiro resolve as coisas, deixando alguns buracos pelo caminho e levando a uma conclusão nada satisfatória. Se houver uma segunda temporada, ainda sem confirmação, será primordial corrigir esses erros.

A personagem de Stephanie Nur é o alvo da operação por ser filha de um terrorista

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Poirot investiga um crime na Noite das Bruxas

Depois de esclarecer Um Assassinato no Expresso do Oriente (2017) e uma Morte no Nilo (2022), Kenneth Branagh leva Hercule Poirot para um exílio em Veneza. A Noite das Bruxas (A Haunting in Venice, 2023) é a nova aventura do detetive belga nos cinemas, mais uma vez com o diretor irlandês à frente de um grande elenco. A diferença, aqui, é a fonte: ao invés de um medalhão, foi adaptado um livro considerado menor e menos interessante da premiada Rainha do Crime, Agatha Christie.

Chamar de adaptação é até complicado, já que o roteiro escrito por Michael Green (também dos outros dois) aproveita muito pouco da obra de Christie. A ideia de uma trama passada na noite do Halloween e alguns nomes são usados, mas o roteirista para por aí, criando a história e os personagens praticamente do zero. Poirot está famoso por ter suas peripécias narradas numa série de livros bem vendidos e tem uma fila em sua porta. O que não falta é gente pedindo a ajuda do detetive, mas ele pendurou as chuteiras e não atende mais ninguém. Isso, até aparecer uma velha amiga (abaixo).

A escritora dos tais livros da versão fictícia de Poirot, Ariadne Oliver (Tina Fey, eternamente do Saturday Night Live), é uma das poucas pessoas que consideram o detetive um amigo. E ela precisa urgentemente de um novo sucesso literário, o que a leva a querer desmascarar uma notória médium, a Sra. Reynolds (Michelle Yeoh, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, 2022), para ter sobre o que escrever. E a ocasião ideal é a festa de Dia das Bruxas oferecida pela rica cantora Rowena Drake (Kelly Reilly, de Yellowstone), que será seguida por uma sessão espírita.

Esse é o pontapé para mais uma oportunidade para Poirot mostrar o tanto que é inteligente e, ao mesmo tempo e na mesma proporção, irritante. No entanto, Branagh escolhe uma abordagem mais discreta, como se de fato o personagem estivesse cansado. Tanto brilhantismo afasta outras pessoas, tornando a vida dele bem solitária. Tanto vivendo o protagonista quanto comandando a produção, Branagh mostra que já conhece bem aquele universo, se mostrando à vontade nas funções. E ainda aproveita para inovar um pouco, trazendo um toque de sobrenatural à trama.

Como observado nos longas anteriores, o elenco deste A Noite das Bruxas é balanceado entre nomes já estabelecidos, como os citados acima, e outros em ascensão, como o futuro He-Man Kyle Allen e Emma Laird (de The Crowded Room), além de figurinhas repetidas para o diretor, caso de Jamie Dornan e do garoto Jude Hill, ambos de Belfast (2021), novamente vivendo pai e filho. Ninguém destoa, compondo um quadro diversificado que ainda conta com atores italianos, já que é lá onde a ação se passa.

O palacete onde a maior parte da história se passa (depois de um trem e um navio) novamente resume os cenários a um, mas muito bem criado e explorado pela fotografia. Em meio a várias estreias de suspense e terror, A Noite das Bruxas é uma que vale o tempo e o dinheiro do espectador. Fica a dúvida se Branagh vai parar por aqui e se dar por satisfeito ou se teremos um novo capítulo das aventuras de Poirot assinado por ele. Se decidir encerrar aqui, encerra bem, e com uma média geral alta.

O design de produção mais uma vez acerta em cheio num filme de Poirot

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Policial acima da média chega ao Prime Video

À primeira vista, zapeando pelo Prime Video, Sede Assassina (Misanthrope ou To Catch a Killer, 2023) pode parecer mais um policial dentre vários que são despejados nos serviços de streaming. Ainda mais com esse título nacional genérico e pouco convidativo. O elenco, no entanto, pode chamar a atenção, com Shailene Woodley e Ben Mendelsohn à frente. Para quem conhece uma das maiores surpresas do cinema em 2014, Relatos Selvagens (Relatos Salvajes), o maior chamariz deve ser o diretor e roteirista argentino Damián Szifron.

Sumido dos longas desde 2014, Szifron volta fazendo jus à fama alcançada. Sede Assassina é um filme inteligente que mexe com alguns clichês do gênero e tem reviravoltas interessantes e condizentes, além de tocar em assuntos indigestos, como a falta de apoio a pessoas com deficiências mentais e a preferência dos agentes de segurança por atender à opinião do público antes de defendê-lo. Se uma crítica pode ser feita ao roteiro de Szifron e Jonathan Wakeham é exatamente sobre a quantidade de temas que ele abarca, sem necessariamente desenvolvê-los.

Mais para Will Graham que para Clarice Starling, a policial vivida por Woodley (de Big Little Lies) bem poderia estar atrás do Dr. Hannibal Lecter. Sabemos pouco dela, mas é o suficiente para o que o filme propõe, e o mesmo acontece com o Agente Lammark de Mendelsohn (de Invasão Secreta) – que tem aqui mais uma interpretação marcante em sua carreira. Assim como em O Colecionador de Ossos (The Bone Collector, 1999), temos um veterano recrutando uma não tão novata habilidosa e observadora para caçarem um assassino. O sujeito faz miséria com um rifle de longa distância e não deixa pistas, dificultando a vida dos investigadores. Contar mais sobre a trama seria um pecado. Duas outras participações que merecem destaque são dos corretos Jovan Adepo (de Babilônia, 2022) e Ralph Ineson (de O Homem do Norte, 2022).

Além de uma montagem ágil e enxuta, chama a atenção a eficiente fotografia de Javier Julia (também de Relatos), que aproveita bem os espaços urbanos e suas luzes e multidões assim como os cenários mais isolados ou internos, situando bem a ação e criando cenas belíssimas. A direção segura de Szifron garante que as peças se encaixem e o resultado é bem satisfatório, bem acima do que é oferecido por aí. Já dá pra ficar na torcida para que o diretor volte ao batente em breve.

Mendelsohn faz o agente que comanda a caçada

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Toc Toc Toc é a novidade de terror da semana

Um garotinho de oito anos diz a seus pais que tem ouvido batidas na parede durante a noite. Eles dizem que deve ser um sonho, ou ratos, e o tranquilizam. As batidas ficam mais frequentes e logo Peter começa a ouvir uma voz o chamando. Essa é a premissa de Toc Toc Toc: Ecos do Além (Cobweb, 2023), longa de terror que chega aos cinemas essa semana. Uma reviravolta no meio do caminho faz parecer que estamos assistindo a dois filmes. Um funciona bem melhor que o outro.

A metáfora do título original, teia de aranha em tradução direta, se perde nesse inexplicável título composto nacional – que parece fazer alusão ao Ecos do Além de 1999 (A Stir of Echoes), e não há relação alguma. É apenas mais um caso da distribuidora jogando contra o filme que distribui. O roteiro, que espera ser produzido desde 2018, é ligeiramente (bem de longe) inspirado pelo conto O Coração Acusador, de Edgar Allan Poe. Fica muito claro que o autor, Chris Thomas Devlin (de O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, 2022), não sabia direito onde queria chegar. Ou a hora de parar.

Para a sorte de Devlin, o diretor contratado, Samuel Bodin, mesmo sendo estreante, soube criar uma atmosfera de suspense muito eficiente e tira leite de pedra. Mesmo sem escapar de clichês, como uma casa que é escura mesmo com todas as luzes acesas, Bodin consegue manter a tensão. Ainda que tentando ser extremamente amáveis, os pais do menino parecem ameaçadores, o que também se deve ao trabalho correto de Lizzy Caplan (de Castle Rock) e Antony Starr (o Homelander de The Boys). Os dois têm uma dinâmica boa para um casal um pouco frio, o que não é raro pelas vizinhanças reais, e conseguem ser críveis.

Uma boa surpresa, em sua segunda estreia seguida, é o jovem Woody Norman (de A Última Viagem do Deméter, 2023). Ele é quem mais convence na situação que vemos, aqui bem mais introvertido que no longa do Drácula. Quem não tem uma tarefa fácil devido às escolhas do roteiro é Cleopatra Coleman (de Piscina Infinita, 2023), que vive a professora substituta de Peter que só faz burradas. Infeliz mesmo é Devlin, o roteirista, que não se decide quanto ao final e, depois de uma grande bagunça, deixa tudo de qualquer jeito. Começando bem e terminando desse jeito, o longa vai deixar o espectador um tanto confuso.

Coleman não consegue salvar uma personagem mal escrita

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Drácula volta aos cinemas para A Última Viagem do Deméter

No clássico livro Drácula (1897), de Bram Stoker, há um capítulo com os relatos de bordo do capitão do navio Deméter, que teria levado o conde vampiro da Romênia para a Inglaterra, onde ele iria procurar a reencarnação de sua noiva. O roteirista Bragi F. Schut Jr., ao ver a miniatura do Deméter usada na adaptação de 1992 (de Francis Ford Coppola), ficou interessado e começou a desenvolver um roteiro baseado nesse capítulo. Depois de um longo período de gestação, no qual vários profissionais se envolveram, o projeto finalmente saiu do papel. Drácula: A Última Viagem do Deméter (The Last Voyage of the Demeter, 2023) estreia hoje nos cinemas.

Devido à temática semelhante, Schut Jr. buscava criar uma atmosfera à Alien – O 8º Passageiro (1979). Ambos se passam em um ambiente restrito, onde uma equipe deve sobreviver a uma ameaça aterrorizante. A diferença seria no tipo de ameaça: enquanto o alienígena de Ridley Scott era um animal que respondia a seu instinto, o Conde Drácula deveria se alternar entre a forma humana sedutora, sempre com muito charme e inteligência, e a forma monstruosa, sedenta por sangue. No texto de Schut Jr., a primeira forma inexiste, dando a entender que o esperto vampiro seria apenas um monstrinho copiado do Gollum de O Senhor dos Anéis. E o filme se torna um jogo de mata mata – literalmente.

No início, somos apresentados à tripulação do Deméter, cada um fazendo um tipo bem estereotipado. Com a exceção dos três membros principais, eles são apenas figuras genéricas que servirão de alimento, podemos prever. O capitão (Liam Cunningham, de Game of Thrones), o imediato (David Dastmalchian, de Oppenheimer, 2023) e o doutor (Corey Hawkins, de A Tragédia de Macbeth, 2021) são os seres pensantes, os demais só reagem. E há uma moça misteriosa (Aisling Franciosi, de The Nightingale, 2018) cuja participação é um dos principais problemas do roteiro, que tem mais buracos que um queijo suíço.

É preciso reconhecer que A Última Viagem do Deméter tem seus méritos. A fotografia de Tom Stern (de Missão Resgate, 2021) cria momentos inspirados e cenas belíssimas, com tudo pontuado pela discreta trilha sonora de Bear McCreary (de séries como Foundation e Outlander). E a recriação da época, com o navio e todos os apetrechos necessários, é um ótimo trabalho do departamento de arte. No entanto, o diretor, André Øvredal (de A Autópsia, 2016), não consegue manter o suspense que volta e meia atinge e o filme se torna uma tediosa espera de quem morre antes.

É uma pena que, depois de tantos anos para ser realizado e de ter envolvido tanta gente, A Última Viagem do Deméter deixe o público com a sensação de alvo errado. Voo United 93 (2006) faz algo parecido, criando uma tensão enorme imaginando o que teria acontecido no avião desviado no fatídico 11 de setembro de 2001. Mesmo sabendo o final, ficamos apreensivos. Øvredal não é Paul Greengrass e não chega nem perto de criar uma obra interessante, satisfazendo-se com pequenos sustos. E o final sem pé nem cabeça é a cereja do bolo.

Cunningham e Hawkins vivem personagens com um pouco mais de profundidade que os demais

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Tartarugas Ninja estrelam mais uma animação nos cinemas

Entre animações e live actions, desde a década de 80, deu pra perder a conta de quantas aventuras em longa-metragem as Tartarugas Ninja já tiveram até agora, e mais uma chega aos cinemas essa semana. Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem, 2023) traz novamente a origem dos heróis e não tem nenhuma ligação com os anteriores. Mesmo soando repetitivo, é divertido e sua grande força é o carisma de seus protagonistas, quatro adolescentes “diferentes” buscando serem aceitos pela humanidade.

Apresentando bem a personalidade de cada tartaruga crescida, o filme logo ganha o espectador. Leonardo é quem toma a frente, sendo o responsável do grupo; Raphael é o explosivo, que precisa controlar a raiva que carrega; Michelangelo faz os planos e logísticas; e Donatello é o geniozinho da informática. E eles contam com a mentoria/paternidade de Splinter, um rato mais vivido que nutre uma certa raiva/medo dos humanos. Os questionamentos que surgem têm um grande paralelo com os dramas vividos pelos X-Men, também mutantes buscando aceitação.

A trama mexe ligeiramente com a história que conhecemos de outras versões, acrescentando alguns elementos e alterando outros, mas nada que vá causar estranhamento. Somos apresentados também a um novo vilão misterioso que está cometendo roubos pela cidade de Nova York e cujo caminho vai acabar trombando com o de nossos heróis. A ligação entre eles é bem construída e dá ramificações interessantes, com um bom desenvolvimento da história. Os também produtores Evan Goldberg e Seth Rogen (ambos de Invencível) assinam o roteiro ao lado do codiretor Jeff Rowe (de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, 2021).

Mesmo tendo Goldberg e Rogen, notórios comediantes, entre os roteiristas, esse novo Tartarugas Ninja não consegue acertar as piadas que lança, dificilmente arrancando um risinho do espectador. Se não ganha pontos no humor, ao menos o longa é bem sucedido em outras áreas, como na própria animação, bem feita e dinâmica. E os mais velhos vão achar graça das muitas referências e homenagens disparadas a cada quadro, do Ferris Bueller de Curtindo a Vida Adoidado (1986) ao rap de Vanilla Ice que remete ao filme das Tartarugas de 1991: Go Ninja Go! E a cena pós créditos dá o gostinho do que está por vir.

O grupo de mutantes é maior do que apenas os protagonistas

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Orgulho e Preconceito é sempre uma ótima opção

Não me orgulho de admitir que um certo preconceito me fez ficar anos sem ver um ótimo filme, erro corrigido há pouco. Julgando se tratar de uma história muito água com açúcar, daquelas que causam diabetes em quem assiste, evitei Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005) desde seu lançamento, mesmo vendo elogios sendo tecidos, além de várias indicações a prêmios. O longa marcou o início da carreira do diretor Joe Wright e é certamente uma das melhores adaptações, dentre muitas, da obra da grande Jane Austen.

Para quem não sabe, a história gira em torno da jovem Elizabeth (Keira Knightley), a segunda das cinco irmãs Bennet, muito inteligente e sagaz que, dizem, nunca encontraria um marido à altura. Frequentando a alta roda da sociedade, mesmo não pertencendo a ela, as meninas conhecem gente importante, como o Sr. Bingley (Simon Woods), por quem a mais velha das Bennet, Jane (Rosamund Pike), se interessa. O amigo de Bingley, Sr. Darcy (Matthew Macfadyen), no entanto, é uma figura um tanto enigmática e desenvolve uma relação estranha com Elizabeth.

O clássico livro de Austen já ganhou diversas adaptações, passando por um musical, uma série de “origem”, um terror com zumbis e até uma comédia moderna pouco fiel, O Diário de Bridget Jones (Bridget Jones’s Diary, 2001). Esta versão de 2005, impecável, pode ser considerada a definitiva por seus vários atributos, a começar pelo roteiro de Deborah Moggach, muito bem amarrado, enxuto e que mantém um certo suspense até o fim. A recriação visual da época, com seus bailes, carruagens, figurinos e penteados, é primorosa.

O maior acerto de Wright, dentre vários, é a escolha do elenco, que mistura bem veteranos e iniciantes, todos muito afiados. Knightley, como a mocinha, é um poço de carisma, alternando suas observações certeiras com um sorrisinho tímido. Donald Sutherland e Brenda Blethyn, como os pais Bennet, dão um show todas as vezes que aparecem. E o grande destaque é a atuação comedida de Macfadyen, que vai facilmente de odioso a simpático e tem as prováveis melhores falas do roteiro. Menos conhecidos à época, temos ainda Rosamund Pike, Jena Malone, Carey Mulligan, Kelly Reilly, Rupert Friend e Tom Hollander, todos não menos que competentes.

Nunca é tarde para se corrigir um erro. Se você ainda não viu Orgulho e Preconceito, está em tempo. Não apenas por se tratar de um clássico da literatura, mas por ser um filme muito bem realizado, adaptado e atuado, com um elenco estelar. Indique para o(a) crush, vai ser um belo programa a dois. Ou sozinho(a), mesmo. O importante é não deixar esse filmaço passar em branco.

Uma das melhores duplas da literatura mundial: Elizabeth Bennet e Sr. Darcy

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