Gawain e o Cavaleiro Verde chegam aos cinemas em jornada onírica

Entre os cavaleiros do Rei Arthur, os mais citados costumam ser Lancelot e Galahad. Seja em verso, prosa ou imagens, as lendas arturianas frequentam o imaginário popular há séculos, com muitas variações entre as obras, já que as fontes têm uma legitimidade discutível. O versátil David Lowery partiu para uma adaptação desse universo, dando seu toque à história de Sir Gawain em O Cavaleiro Verde (The Green Knight, 2021).

Trata-se de um personagem conhecido, sim, até por ser sobrinho de Arthur. Mas, ainda assim, Gawain é envolto em versões contraditórias, sem nada de definitivo. Isso permitiu a Lowery, além de dirigir, escrever o roteiro como lhe conviesse, respeitando os cânones, mas dando seu toque bem particular. Em filmes tão díspares quanto Amor Fora da Lei (Ain’t Them Bodies Saints, 2013) e Sombras da Vida (A Ghost Story, 2017), ele mostra ter uma sensibilidade rara entre realizadores, não tendo receio de ser poético ou iconoclasta. Lowery mostra um Sir, exaltado em diversas obras, como um jovem fanfarrão que chega na casa da mãe com o Sol nascendo, cheio de lama no rosto.

Não fica claro se a mãe de Gawain (vivida por Sarita Choudhury, de Negócio das Arábias, 2016) é a famosa Morgana Le Fay, mas ela de fato é uma feiticeira, o que acaba recebendo alguma importância na trama. Por uma indisposição dela, nosso herói acaba indo sozinho a uma comemoração de Natal de seu tio mais famoso e se vê em meio a figuras lendárias. Tem logo tem a chance de se destacar entre eles, e a abraça. Mesmo se metendo onde não devia.

Topando um desafio contra o misterioso Cavaleiro Verde (Ralph Ineson, de A Bruxa, 2015), Gawain não sabe que enfrentará a jornada de sua vida. Nunca mais ele terá problemas para contar histórias de suas andanças. E Dev Patel (de Lion, 2016) se mostra à altura do desafio, evitando exageros ao retratar as facetas de Gawain antes de se tornar Sir. É curioso perceber que o diretor escolheu dois atores de origem indiana para mãe e filho, dando a eles alguma semelhança ao mesmo tempo em que representa a diversidade do reinado de Arthur. Afinal, os povos sempre foram misturados dado o volume de migrações. O próprio casal real (interpretados pelos ótimos Sean Harris, da franquia Missão: Impossível, e Kate Dickie, também de A Bruxa) é bem diferente deles, de pele e cabelo mais claros.

Contando com o mesmo diretor de fotografia de Sombras de Vida, Andrew Droz Palermo, Lowery consegue criar cenas belíssimas. Acompanhando o roteiro, as imagens reforçam o tom onírico da obra, deixando a lógica ou a fidelidade para segundo plano. Sonhos não têm regras, e a jornada de Gawain segue por caminhos tortos, como se ele precisasse acordar e tomar postura. Ele está esperando que algo ou alguém venha e o transforme em um cavaleiro valoroso e honrado sem necessariamente ter que se esforçar. Dessa forma, o diretor nos conduz por essa lenda, com lições, mas sem parecer didático, e sem que procuremos um sentido lógico em tudo. Apenas nos sentamos e relaxamos, como em um sonho.

Lowery conduz Ineson e Patel no início das gravações

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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Uma resposta para Gawain e o Cavaleiro Verde chegam aos cinemas em jornada onírica

  1. Roberto Angelo de Oliveira Souza disse:

    Excelente crítica!

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