James Wan cria um novo conceito de terror com Maligno

A carreira do diretor, produtor e roteirista James Wan tem filmes de gêneros diversos, inclusive de grandes franquias, caso de Velozes e Furiosos 7 (2015) e Aquaman (2018). Mas ele se mostra muito à vontade nos domínios do terror, com muito sucesso nas três funções. Cocriador das franquias Jogos Mortais, Sobrenatural e Invocação do Mal, que parecem nunca se esgotar, ele agora ataca com Maligno (Malignant, 2021), longa que dá o pontapé inicial para mais uma possível franquia. A criatividade e o talento de Wan são inegáveis, independente do que se ache do produto.

Quase sempre bebendo em fontes sobrenaturais, dessa vez ele dá uma chacoalhada na realidade com a história de uma mulher que começa a ter visões de assassinatos. Ficamos em dúvida, junto com ela, sobre o que estaria acontecendo de fato, e a trama vai ficando mais escabrosa. Wan não tem receio de pirar, a sensação é de que ele pensa “se já cheguei até aqui, vamos adiante”.

Como é facilmente confirmável pelas obras citadas, Wan é muito habilidoso para criar universos e, acima de tudo, para elevar a tensão. Sem depender de sustos fáceis, ele está mais preocupado com a atmosfera, com confundir seus personagens e levar o público junto. Dessa forma, vamos formulando teorias, mas nada perto do que se revela no andar da trama. É Wan dizendo: “Não, desista, não é por aí”.

De longe, as regras estabelecidas para Maligno são as mais loucas de Wan, mesmo levando-se em conta as aventuras do casal Warren ou da família Lambert. Está mais para o universo do Sr. Vidro, criação de M. Night Shyamalan. O diretor explora muito bem o ambiente, com ângulos e enquadramentos instigantes, aproveitando cada canto escuro. Ele situa seu espectador, que em momento algum se perde. E os personagens são razoavelmente bem desenvolvidos, acabamos descobrindo algumas coisas a respeito deles. O suficiente ao menos para nos importarmos.

Como nem tudo são flores, temos vários exageros do roteiro, assinado por Akela Cooper (de séries como O Legado de Júpiter), com história de Wan e da também atriz Ingrid Bisu (que aqui vive a técnica forense Winnie). Chega a ter absurdos como a pessoa estar dirigindo para chegar a um prédio a metros de distância e o Sol se por misteriosamente, só para ela chegar no destino no meio da madrugada. O desenrolar da trama envolve bem por ser filmado meticulosamente, mas falha quando se para pra pensar. É um conceito interessante desenvolvido de forma descuidada. Na medida que se aproxima do final, fica mais chutado, para usar o termo mais apropriado. Afinal, por que usar os interruptores de luz se dá pra usar lanternas precárias?

À frente do elenco, temos Annabelle Wallis, que estrelou o longa da boneca do capeta xará dela (Annabelle, 2014). É uma atriz competente, aqui com uma beleza discreta, bem crível como uma esposa maltratada pelo marido, vítima de abusos físicos e mentais. Alguém que pode viver na sua vizinhança. A irmã da protagonista é interpretada por Maddie Hasson (das séries Mr. Mercedes e Impulse), com quem Wallis tem uma boa química. Completam o grupo George Young e Michole Briana White, como os detetives que investigam o caso.

O roteiro os trata bem, ninguém é estúpido, mas algumas situações são bem forçadas, para que se chegue ao resultado buscado. Essa é a sensação que fica ao final da sessão de Maligno: um conceito promissor, um desenvolvimento com suas qualidades e derrapadas e uma conclusão bem louca, do tipo “ame ou odeie”.

Maligno marca o início de mais um universo criado por James Wan

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Marvel vai à China com Shang-Chi

Num primeiro momento, dentro do possível, os estúdios Marvel tentaram manter seu Universo Cinematográfico com os pés no chão, lidando mais com a ciência (mesmo que exagerada) do que com elementos mágicos. Dessa proposta saíram Homem de Ferro, Capitão América e Hulk. Logo, precisaram explorar o espaço e lançaram Thor. Hoje, já numa quarta fase, o produtor Kevin Feige abraça sem problema algum o absurdo, o que nos leva a Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings, 2021), longa que, ao mesmo tempo que traz elementos difíceis de comprar, consegue ser divertido.

Num instante, acompanhamos dois amigos defendendo com afinco as funções de manobrista, o trabalho deles, “o emprego mais difícil do mundo”. No minuto seguinte, eles largam tudo e pegam um voo para a China, quando começamos a descobrir realmente o que está acontecendo. Shawn (Simu Liu, da série Kim’s Convenience) revela à amiga Katy (Awkwafina, de Oito Mulheres e Um Segredo, 2018) que ele é filho de um poderoso magnata chinês e viveu fugindo até hoje para não ser encontrado pelo pai. Inclusive, o nome verdadeiro dele é… Shang-Chi! (essa dava para prever!)

A partir desse fiapo esdrúxulo de ponto de partida, a Marvel nos apresenta a um novo capítulo de sua história, com uma mitologia completa que, habilmente, foi costurada aos filmes pré-existentes. Talvez para facilitar a aceitação pelo público, o roteiro acrescenta algumas pontas e participações especiais aos novos elementos que apresenta. Não vem ao caso estragar as surpresas do longa, basta pontuar que tudo flui bem. O criador dos Mercenários (The Expendables, 2010) e roteirista de Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, 2020), Dave Callahan, assina o roteiro ao lado da dupla responsável por Luta Por Justiça (Just Mercy, 2019), Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham. Uma mistura que misteriosamente deu certo.

Simu Liu tem carisma suficiente para segurar o personagem título, fazendo bem os momentos mais dramáticos e também as lutas mais elaboradas. No entanto, quem rouba o show é a colega dele. Awkwafina vai mais longe que ser apenas um alívio cômico, tendo grande importância para a trama além de causar praticamente todos as sequências engraçadas. Em meio a tanta gente se levando muito a sério, a atriz parece se divertir, cativando o público e causando, por que não, identificação. Afinal, ela é a pessoa “normal” pega numa situação completamente anormal. Outros destaques do elenco são os ótimos veteranos Tony Leung (de O Grande Mestre, 2013) e Michelle Yeoh (de Podres de Ricos, 2018, também com Awkwafina).

Assim como aconteceu com Pantera Negra (Black Panther, 2018), temos um herói que foge do branco padrão e o filme respeita os personagens, evitando os estereótipos nos quais as revistas em quadrinhos frequentemente caiam. Mesmo o vilão tem uma dualidade bem interessante, passando longe das críticas feitas à maioria das aventuras Marvel. Nas décadas de 60 e 70, era comum ter americanos escrevendo usando a visão de mundo estreita que eles tinham (tinham?). O roteiro de Shang-Chi usa elementos da fonte, mas mexe onde julga necessário e consegue chegar a um produto não racista. Se afasta, mas respeita o suficiente para não levar pedradas de fãs dos quadrinhos.

Ao contrário do que ocorreu em Pantera Negra, o diretor, Cretton, não consegue imprimir uma marca autoral no longa. Shang-Chi parece dirigido “pela Marvel”, como geralmente acontece, com uma mistura de várias referências cinematográficas. É como O Tigre e o Dragão encontra Curtindo a Vida Adoidado com um pouco de Mortal Kombat (alguém viu o golpe do Kung Lao?), tudo isso com um grande tempero Disney. É o primeiro filme da Marvel cuja influência do estúdio do Mickey fica muito clara, com várias criaturinhas adoráveis que já devem estar sendo vendidas nas lojas e um tom leve que lembra outras produções deles.

Não faltam mulheres fortes em Shang-Chi

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Gawain e o Cavaleiro Verde chegam aos cinemas em jornada onírica

Entre os cavaleiros do Rei Arthur, os mais citados costumam ser Lancelot e Galahad. Seja em verso, prosa ou imagens, as lendas arturianas frequentam o imaginário popular há séculos, com muitas variações entre as obras, já que as fontes têm uma legitimidade discutível. O versátil David Lowery partiu para uma adaptação desse universo, dando seu toque à história de Sir Gawain em O Cavaleiro Verde (The Green Knight, 2021).

Trata-se de um personagem conhecido, sim, até por ser sobrinho de Arthur. Mas, ainda assim, Gawain é envolto em versões contraditórias, sem nada de definitivo. Isso permitiu a Lowery, além de dirigir, escrever o roteiro como lhe conviesse, respeitando os cânones, mas dando seu toque bem particular. Em filmes tão díspares quanto Amor Fora da Lei (Ain’t Them Bodies Saints, 2013) e Sombras da Vida (A Ghost Story, 2017), ele mostra ter uma sensibilidade rara entre realizadores, não tendo receio de ser poético ou iconoclasta. Lowery mostra um Sir, exaltado em diversas obras, como um jovem fanfarrão que chega na casa da mãe com o Sol nascendo, cheio de lama no rosto.

Não fica claro se a mãe de Gawain (vivida por Sarita Choudhury, de Negócio das Arábias, 2016) é a famosa Morgana Le Fay, mas ela de fato é uma feiticeira, o que acaba recebendo alguma importância na trama. Por uma indisposição dela, nosso herói acaba indo sozinho a uma comemoração de Natal de seu tio mais famoso e se vê em meio a figuras lendárias. Tem logo tem a chance de se destacar entre eles, e a abraça. Mesmo se metendo onde não devia.

Topando um desafio contra o misterioso Cavaleiro Verde (Ralph Ineson, de A Bruxa, 2015), Gawain não sabe que enfrentará a jornada de sua vida. Nunca mais ele terá problemas para contar histórias de suas andanças. E Dev Patel (de Lion, 2016) se mostra à altura do desafio, evitando exageros ao retratar as facetas de Gawain antes de se tornar Sir. É curioso perceber que o diretor escolheu dois atores de origem indiana para mãe e filho, dando a eles alguma semelhança ao mesmo tempo em que representa a diversidade do reinado de Arthur. Afinal, os povos sempre foram misturados dado o volume de migrações. O próprio casal real (interpretados pelos ótimos Sean Harris, da franquia Missão: Impossível, e Kate Dickie, também de A Bruxa) é bem diferente deles, de pele e cabelo mais claros.

Contando com o mesmo diretor de fotografia de Sombras de Vida, Andrew Droz Palermo, Lowery consegue criar cenas belíssimas. Acompanhando o roteiro, as imagens reforçam o tom onírico da obra, deixando a lógica ou a fidelidade para segundo plano. Sonhos não têm regras, e a jornada de Gawain segue por caminhos tortos, como se ele precisasse acordar e tomar postura. Ele está esperando que algo ou alguém venha e o transforme em um cavaleiro valoroso e honrado sem necessariamente ter que se esforçar. Dessa forma, o diretor nos conduz por essa lenda, com lições, mas sem parecer didático, e sem que procuremos um sentido lógico em tudo. Apenas nos sentamos e relaxamos, como em um sonho.

Lowery conduz Ineson e Patel no início das gravações

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Quinto Noite de Crime aborda os imigrantes

Com a reabertura dos cinemas, os estúdios estão correndo atrás do prejuízo, e lançam de blockbusters, como as aventuras da Marvel, a continuações de franquias que ninguém lembrava mais. Nesse segundo caso, se encaixa o quinto filme da série Uma Noite de Crime – A Fronteira (The Forever Purge, 2021). Depois de três histórias que desenvolvem a premissa criada por James DeMonaco e outra que mostra a implantação do “dia do expurgo”, o roteirista partiu para um fechamento da franquia. Apesar de que o produtor já fala em um sexto filme.

Para quem não sabe, The Purge, o título original (adaptado para “Uma Noite de Crimes”), se refere a uma noite no ano em que os crimes são permitidos e os serviços essenciais, como polícia e bombeiros, não estão disponíveis. Ou seja: cada cidadão de bem pode revelar sua real faceta, oferecendo ao próximo o que ele tem de pior. A crítica da franquia à sociedade em que vivemos, recheada de falsidade e hipocrisias, começou logo no primeiro filme, quando jovens “bem-criados”, brancos, loiros e ricos, andam pela vizinhança procurando mendigos para matar. E os demais querem apenas se trancar em casa, que se danem os menos afortunados.

Depois de focar em apenas uma residência, DeMonaco expandiu seu foco e levou a ação para as ruas. Em seguida, ao mundo da política, já que opositores poderiam usar o dia do expurgo para eliminar desafetos. O filme “de origem”, o mais fraco, mostra o cenário descontrolado que os Estados Unidos viviam e a proposta de uma psicóloga: deixar a população extravasar por 12 horas, ficando contida o resto do ano. Numa crítica clara ao crescimento da direita pelo mundo, não só a Trump, DeMonaco nos apresenta aos New Founding Fathers of America, o partido que chega ao poder com essa inovadora proposta para acabar com a violência. Algo como quem diz que empregadas domésticas viajando à Disney é uma festa que tem que acabar.

No quinto filme, por incrível que pareça, o resultado é bem superior aos últimos. Jogando o conceito para cima, dando potência a ele, DeMonaco foge da fórmula que inventou de forma a expandi-la. E se as pessoas se organizassem para garantir que o dia do expurgo não acabasse? As redes sociais permitem esse tipo de combinado, da mesma forma que permitem a divulgação de mentiras (as tais fake news), e não seria nada complicado para um grupo minimamente articulado criar essa proposta em nível de país. A sirene soa, os Estados Unidos voltam a respirar aliviados depois de mais uma noite do expurgo. Ou não.

Chamar um diretor de origem mexicana, Everardo Gout (da série Marte), foi uma jogada de mestre para dar um ponto de vista daquela população que vive nos EUA, mas é vista por alguns como usurpadora. Com um presidente como Trump, ainda muito recente, a situação piora, já que o próprio líder do país alimenta o preconceito contra os vizinhos que vivem entre eles. Pode parecer didático além da conta, como se o longa estivesse pregando, mais preocupado com a política. Mas não há nada mais acertado para o momento do que mostrar a importância dos imigrantes para o país. Ao contrário do desserviço de um Rambo, por exemplo.

Como o próprio DeMonaco planejou, A Fronteira seria uma boa forma de fechar seu arco do dia do expurgo. Claro que, trabalhando-se com um conceito, sempre dá para mostrar outras pessoas passando por situações similares. Para isso, inclusive, criaram a série The Purge, que toca o barco na televisão já indo para sua terceira temporada. Enquanto a franquia contar com o roteirista, podemos esperar um pouco de lógica, levando esse universo adiante. Mas, chegando próximo dos dez anos trabalhando apenas em torno de uma mesma ideia, é provável que ele busque outras experiências.

Os personagens mexicanos propositalmente têm uma importância maior para a trama

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Jason Statham é o Infiltrado de Guy Ritchie

Dezesseis anos depois, Guy Ritchie e Jason Statham voltam a trabalhar juntos, já a quarta colaboração. Com menos cara de filme independente que os anteriores, Infiltrado (2021) traz uma trama simples para a qual o título original faz muito sentido: Wrath of Man, já que se trata basicamente de uma história sobre a ira de um homem. Passamos quase duas horas vendo o protagonista quebrando tudo e todos.

No início, conhecemos Patrick Hill (Statham), que se inscreve para uma vaga numa empresa de transporte de valores. Logo apelidado pelo novo colega de trabalho, H passa a fazer suas tarefas silenciosamente até que uma tentativa de assalto a seu carro forte faz o sujeito revelar um grande talento no manejo de armas e em execuções sumárias impecáveis. Com testes de contratação com resultados medianos e um passado profissional morno, fica claro que H está escondendo algo. Não satisfeito, o título nacional aproveita para escancarar o fato.

As surpresas que o roteiro guarda são interessantes, mas a execução é o que mais chama a atenção. Ritchie se mostra muito seguro e seu ator principal confia bastante nele, o que beneficia o projeto. O tom é um tanto monótono, não há humor ou mesmo reviravoltas. Apenas vamos recebendo mais elementos e formando o quadro geral. Acabamos conhecendo melhor os demais personagens e desconfiamos das reais intenções de cada um, o que movimenta as coisas.

Statham chama quase toda a atenção para si, seja por ser o protagonista, seja por ser enorme. Mas fica também um espaço para Holt McCallany, o agente Tench de Mindhunter. McCallany dá o peso ideal para seu personagem, um colega mais experiente que serve como mentor para H. Outro que aparece em boa forma é o sumido Josh Hartnett (de Penny Dreadful), que pegou um papel menor e ainda assim consegue deixar uma boa impressão. Participam também os veteranos Andy Garcia (de Tempestade, 2017) e Eddie Marsan (de Magnatas do Crime, 2019), além de Jeffrey Donovan (de Ted Bundy, 2019), Laz Alonso (de The Boys) e Raúl Castillo (de Army of the Dead, 2021). Só quem não convence é o bonitinho Scott Eastwood (de Velozes e Furiosos 8, 2017), que faz um psicopata estereotipado e previsível.

Alternando trabalhos mais e menos autorais, Ritchie vem da dobradinha Aladdin e Magnatas do Crime (The Gentlemen), ambos de 2019. Para Infiltrado, foi buscar inspiração no Cinema francês, mais especificamente no longa Assalto ao Carro Forte (Le Convoyeur), de 2004. Apesar de um ser remake do outro, os dois têm diferenças grandes entre eles. Mesmo não estando ligado ao terceiro Sherlock Holmes, depois de ter dirigido os dois primeiros, o futuro de Ritchie reserva a ele outra continuação, voltando ao universo do gênio da lâmpada mágica. Infiltrado será o último policial do diretor por um bom tempo.

Scott Eastwood fica só nas caras e bocas

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Hugh Jackman se perde nos Caminhos da Memória

Com tantas sequências e adaptações chegando aos cinemas, uma trama original deve ser sempre saudada como um sopro de vento fresco. Mas uma história requentada que traz outras várias, melhores, à mente pode ser ainda pior. Caminhos da Memória (Reminiscence, 2021) busca misturar alguns temas e, apesar de não pecar em todos, não consegue fugir do lugar-comum já frequentado por grandes obras quando ainda havia ineditismo. E não ajuda em nada ter diálogos terríveis que poderiam ter sido escritos por George Lucas.

Num futuro próximo, mudanças climáticas inundaram Miami e o calor faz as pessoas trocarem o dia pela noite. Nesse cenário caótico, temos um sujeito que mantém a barba por fazer e a gravata propositalmente frouxa e vive de conduzir pessoas por suas próprias memórias, seja por gostarem delas ou por precisarem esclarecer algum ocorrido. Nick Bannister é vivido por Hugh Jackman, que aposentou seu Wolverine e, por seu visual, parece querer ser o próximo John Constantine. O sobrenatural dá lugar à ficção científica, mas a base mesmo da trama reside nos clássicos do policial noir.

Cocriadora da série Westworld, Lisa Joy faz aqui sua estreia na direção e roteiro de um longa-metragem. Ela parece ter feito o dever de casa, pesquisando diversas influências para sua história. O problema é que são todas muito presentes, e muito superioras. O clima do filme parece ser uma mistura de Relíquia Macabra (ou O Falcão Maltês, de 1941) com A Origem (Inception, 2010), com Jackman requentando o tipo imortalizado por Humphrey Bogart: o sujeito durão, calejado, que no fundo não passa de um romântico. E a linda Rebecca Ferguson (de Doutor Sono, 2019) é a mulher fatal da vez, guardando segredos que infelizmente não serão tão surpreendentes assim.

O casal principal é competente e carismático. A química entre eles até funciona, apesar do relacionamento soar um tanto pré-formatado. Os desdobramentos da história é que perdem totalmente o interesse do espectador, que terá que perseverar contra o sono. Buscas forçadas, lutas intermináveis e uma investigação que não passa de uma consulta a memórias deixam claro que estamos perdendo tempo. Há cenas bonitas, que dão a impressão de que Joy tinha boas ideias pontuais, não sabendo exatamente como costurá-las. Um longa recente que vem à mente é Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe (Motherless Brooklyn, 2019), que tem muito mais sucesso em construir essa atmosfera de mistério e envolver o público, além da história ser mais interessante.

Originalmente marcado para lançamento em abril de 2021, o filme foi pra geladeira devido à pandemia e acabou aproveitando a reabertura dos cinemas em agosto, mas estreou simultaneamente nos Estados Unidos no streaming HBO Max, com mais de 840 mil pessoas tendo assistido em casa nos primeiros três dias. Nos cinemas, em compensação, Caminhos da Memória vem amargando um resultado bem abaixo do esperado, faltando ainda uns 100 milhões de dólares de arrecadação para não ser um prejuízo para a Warner.

Lisa Joy comanda seu elenco, com Thandiwe Newton ao fundo

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G.I. Joe Snake Eyes tem a origem contada

Depois de um longa abaixo da média em 2009 e uma sequência abominável em 2013, algum produtor achou uma boa ideia fazer um derivado dos G.I. Joes. Pegaram o personagem mais descolado, talvez por ser mudo e estar sempre mascarado, e contaram a história dele. Daí surgiu Snake Eyes (2021), aventura “origens” que pode dar início a uma sub-franquia de uma franquia falida. E nos faz pensar: qual seria o próximo Comando em Ação a ter sua história contada? O General Braço Forte? Duke? Ou um Cobra, como Destro?

Como o protagonista passaria a maior parte do tempo sem máscara, compensaria contratar um ator chamativo. Mas teria que ser oriental. Ou, ao menos, ter traços orientais. O quase novato Henry Golding, revelado em Podres de Ricos (Crazy Rich Asians, 2019), deve ter sido escolhido por ser considerado bonito, mas não necessariamente é competente. Nas cenas de ação, ao menos, não compromete, e não é pior que os caminhos que o roteiro segue.

 Conhecemos o personagem ainda garoto, e temos uma pequena demonstração de altruísmo do pai ao defender o filho. Agora sozinho no mundo, o pequeno segue seu caminho pelas ruas e, anos depois, entra para o mundo das lutas clandestinas. É aí que um criminoso tarimbado oferece a oportunidade de vingança e ele vai trabalhar pro tal sujeito. Acompanhamos uma trama de clãs antigos, honra, desafios marciais e cobras gigantescas, quando os roteiristas desistem de tentar levar o projeto a sério e apelam para uma total falta de sentido.

Como era de se esperar, os Joes e os Cobras são referências constantes no filme. Os vilões estão infiltrados em várias camadas da sociedade e geralmente estão por trás dos maiores crimes, movimentando grandes quantias pelo mundo. E esse parece ser o objetivo deles: dinheiro. Começando das jogadas mais baixas, como traficar armas dentro de peixes enormes, os Cobras estão envolvidos com tudo. Sabemos que, em algum momento, Snake Eyes vai tomar partido, mas até que isso aconteça vamos conhecendo o personagem.

Se os filmes dos Comandos em Ação não funcionaram, focar em um personagem poderia ser uma boa saída para levantar o interesse do público e vender mais brinquedos. Mas não foi dessa vez que o diretor Robert Schwentke, responsável por besteiras como RED (2010) e R.I.P.D. (2013), acertou. O filme, que se propõe a mostrar a origem de Snake Eyes, inclusive vai contra o que foi mostrado no primeiro G.I. Joe: A Origem de Cobra. E quem criou as pérolas Mestre Duro e Mestre Cego (que só falta dar uma piscadela) precisa seriamente repensar a profissão que escolheu.

O futuro de Tommy pode ser previsto na primeira cena

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Programa do Pipoqueiro #70 – Detroit Rock City

A última edição dessa temporada do Programa do Pipoqueiro alterna músicas do filme Detroit Rock City com várias indicações de filmes bons para você conferir! Aperte o play abaixo e divirta-se!

Com participações especiais de Tullio Dias, Maristela Bretas e Renato Silveira!

Tracklist:

01 – Kiss – Rock and Roll All Night

02 – T-Rex – 20th Century Boy

03 – Joan Jett and The Blackhearts – School Days

04 – Thin Lizzy – Jailbreak

05 – Kiss – Shout It Out Loud

06 – Golden Earring – Radar Love

07 – Cheap Trick – Surrender

08 – David Bowie – Rebel Rebel

09 – Nazareth – Love Hurts

10 – Kiss – Detroit Rock City

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Disney dá vida a nova atração do parque em Jungle Cruise

Passa dos 150 milhões de dólares a arrecadação nas bilheterias de Jungle Cruise (2021), longa lançado também no streaming Disney+. Assim como a franquia Piratas do Caribe, trata-se de uma criação baseada num brinquedo do parque da Disney, e as associações são imediatas. Desta vez, temos dois astros dividindo a responsabilidade: Dwayne Johnson (visto recentemente em Hobbs & Shaw, 2019) e Emily Blunt (de Um Lugar Silencioso 2, 2020). Apesar de serem ambos muito carismáticos e competentes, a química entre eles não é das melhores e, assim como os outros nomes do elenco principal, parecem deslocados ou constrangidos.

O filme alterna momentos divertidos, misturando ação e comédia, com trechos mais arrastados, que chegam a dar sono. Os personagens principais são todos estrangeiros morando na Amazônia, e constantemente precisam ensinar os brasileiros a cuidarem da floresta. Se comunicam com tanta facilidade em inglês que a língua parece ser a oficial da região. O excelente Paul Giamatti (da série Billions) vive um empresário italiano que nunca definem se é um vilão ou um alívio cômico, acaba ficando no meio do caminho.

Além do suposto vilão italiano, há também o conquistador espanhol (vivido por Edgar Ramírez, de The Undoing) e o príncipe germânico (Jesse Plemons, de Estou Pensando em Acabar com Tudo, 2020). Ou seja: Frank, presumivelmente americano, e Lily, claramente inglesa, são os heróis, concentrando os valores bons em quem fala inglês. O resto do mundo não deve ser nada confiável. O único ator que parece confortável e cujo personagem realmente tem algo a dizer é Jack Whitehall (de Belas Maldições), como o irmão de Lily, que cumpre bem sua função mesmo que em meio ao um teatrinho mal ajambrado.

Como se vê pelas etnias dos heróis e vilões, ter um espanhol na direção não ajudou em muita coisa. Jaume Collet-Serra é escolado em filmes de ação, como O Passageiro (The Commuter, 2018), Noite Sem Fim (Run All Night, 2015), Sem Escalas (Non-Stop, 2014) e Desconhecido (Unknown, 2011) – detalhe: os quatro estrelados por Liam Neeson. Em Jungle Cruise, ele parece apenas cumprir a visão dos executivos da Disney, usando o roteiro de Michael Green (de Logan, 2017, e Lanterna Verde, 2011) para atrair mais público para o parque de diversões e vender ingressos.

A bobagem da trama envolve um ou outro fato histórico, como uma associação de cientistas ingleses que não aceita mulheres e as lendas sobre Lope de Aguirre, o explorador que desceu o rio Amazonas em busca do El Dorado, uma cidade que seria feita de ouro. Nem por isso o filme se torna mais interessante, seus 127 minutos custam a passar. Blunt e Johnson até conseguem criar cenas engraçadas, nada perto do que a longa duração demandaria. Difícil apostar que Jungle Cruise tenha a mesma vida útil de Piratas do Caribe.

Edgar Ramirez é um dos vários vilões caricatos

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Programa do Pipoqueiro #69 – Bandas Fictícias do Cinema

Esta edição do Programa do Pipoqueiro traz grandes bandas do Cinema que na verdade nunca existiram, com músicas originais ou não e curiosidades sobre os filmes. Conheça a Spinal Tap, os Wyld Stallyns, os Commitments e muitos mais! Aperte o play abaixo e divirta-se!

Tracklist:

Spinal Tap – The Majesty of Rock

The Wyld Stallyns – God Gave Rock & Roll to You

The Commitments – Mustang Sally

The Mambo Kings – Beautiful Maria of My Soul

Strange Fruit – The Flame Still Burns

Still Water – Fever Dog

School of Rock – Rock Got No Reason

Banjo & Sullivan – I’m at Home Getting Hammered (While She’s Out Getting Nailed)

Dreamgirls – Love You I Do

Pop – Pop Goes My Heart

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