
Já temos a nossa própria Angels in America (2003). Ou, se preferir, nosso Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013). Trazendo elementos das duas obras, mas totalmente adaptados à nossa realidade tupiniquim, estreou Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, nova série nacional da HBO Max que mostra o estrago que a AIDS fez quando chegou ao Brasil – e as providências tomadas por cidadãos que queriam viver, e ainda ajudaram outros.
Expandindo o cenário visto no filme Os Primeiros Soldados (2021), o foco agora é um comissário de bordo (Johnny Massaro, também de Soldados) que faz questão de se manter alheio ao problema de saúde pública que toma conta do Brasil: a epidemia de AIDS que vem atacando milhares de pessoas, inclusive próximas. Ele só acorda e enfrenta a realidade quando ela bate à sua porta. A escolha de Nando como protagonista é interessante por fugir do habitual, como médicos e políticos, e as pessoas do meio dele também ganham destaque.

Para deixar claro que não se tratava de uma doença de gays, como se acreditava e o governo federal reforçava em campanhas oficiais danosas, a série apresenta vários personagens que se descobrem soropositivos, como esposas traídas e jovens que usavam drogas compartilhando seringas. Nesse ponto, a obra é um pouco óbvia, buscando ser didática e passando da conta. A AIDS era uma possibilidade para todos e era no mínimo arriscado ignorá-la, ou minimizar o problema.
A recriação do final da década de 80 é muito bem feita, com figurinos, objetos e lugares que casam muito bem com a trilha sonora e dão a ambientação perfeita. A consultoria de uma infectologista, Dra. Márcia Rachid, traz mais acertos no retrato da doença e das pessoas que foram vitimadas. E o maior ponto positivo é mostrar que a politização e a união foram essenciais para a luta dos soropositivos, já que o governo federal (assim como em outros países) demorou muito para tomar as devidas providências.
O cerne da trama é a liberação nos Estados Unidos do AZT. Criada 1964 para combater o câncer, a droga não se mostrou muito eficaz e caiu em desuso, mas foi novamente utilizada, em 1984, e deu muito mais resultado contra o vírus HIV, diminuindo a sua multiplicação, o que retardava o avanço da doença. O AZT dava mais tempo para o corpo humano reagir à doença, apesar de trazer consigo efeitos colaterais, como anemia. Ele foi liberado para comercialização nos EUA em 1987, mas ainda era ilegal no Brasil.

Aí que entra a ação dos comissários Nando e Lea (Bruna Linzmeyer, de Baby, 2024), que viram a oportunidade de trazer o remédio clandestinamente e ajudar muita gente, mas arriscar o próprio pescoço (leia-se emprego). A série, nesse sentido, pesa um pouco para fins dramáticos, aumentando o suspense relacionado ao tráfico do AZT. As outras instituições envolvidas, na época, faziam certa vista grossa, todas viam o benefício de trazer a droga. Nada que seja problemático.
Um outro núcleo importante que logo se mistura é o da boate Paradise, lugar que reunia gays e, consequentemente, pessoas infectadas. Entre elas, havia os que a doença avançou rapidamente, outros que conseguiram tempo para lutar e cobrar o poder público. E, no meio, temos Raul (Ícaro Silva, o Jorge Ben de Mussum, 2023), o segurança da Paradise que acaba comandando a boate e liderando a luta pelo reconhecimento das vítimas pela mídia e governo.
Começando pesando nas cenas de sexo (hétero e gay), a série dá o tom que seguirá e segue as histórias de seus personagens, que acabam se entrelaçando. Alguns são melhor explicados que outros, mais rasos, mas não deixa de ser satisfatório o tratamento que todos recebem. O foco dos diretores Marcelo Gomes e Carol Minêm, principalmente, é mostrar como a falta de informação, de posicionamento oficial e de empatia levavam ao preconceito, que piorava e muito a situação de pessoas doentes que precisavam, antes de tudo, de uma mão amiga. A AIDS, aliada a doenças oportunistas, ainda mata mais de dez mil pessoas anualmente no Brasil.

Antes do Brasil, a série teve seu lançamento no Festival de Berlim


