Política se mistura a Cinema com o atirador americano

por Marcelo Seabra

American Sniper poster

Tido como um herói por grande parte dos norte-americanos, Chris Kyle tem levado um público enorme aos cinemas, chegando à ótima renda de 300 milhões de dólares em casa apenas, sem contar os demais mercados. Sniper Americano (American Sniper, 2014) conta a história do atirador de elite que teve 160 mortes confirmadas entre suas quatro passagens pela guerra no Iraque e que recebeu diversas medalhas e honrarias por atos de bravura. O longa tem causado polêmica por mostrar o biografado como um ser humano perfeito, que não errava tanto na pontaria quanto em suas opiniões e ações na vida pessoal.

Escrito por Jason Hall (de Conexão Perigosa, 2013), o roteiro é baseado no livro homônimo de Kyle, que contou com a colaboração de Scott McEwen e Jim DeFelice. No livro, é fácil achar passagens em que ele se gaba de seus feitos sem demonstrar dúvida ou remorso, e ele chega ao absurdo de afirmar que, ao voltar da guerra, matou pessoas em Nova Orleans e no Texas como uma espécie de justiceiro urbano. O ex-lutador e ex-governador Jesse Ventura ganhou uma ação de difamação, já que é citado no livro e foi atacado em várias entrevistas com histórias que nunca se confirmaram.

Kyle with bookOs realizadores justificam a existência do filme dizendo querer chamar a atenção para o fato de que ex-combatentes devem ser bem acolhidos em seu retorno e receber apoio para tratar dos traumas que ficam, o que de fato acontece com muitos deles. Não faltam filmes sobre o Vietnã mostrando isso. Não é o caso de Kyle, que ganhou milhões entre prêmios e vendas da autobiografia e doou apenas uma parte ínfima a associações de veteranos, ao contrário do que afirmou que faria. Ele deu entrevista a vários programas de televisão e até participou de um reality show em que fez dupla com o ex-Superman Dean Cain, e nunca mostrou qualquer problema psicológico.

Muito se explica ao se atentar para o diretor do filme. Clint Eastwood vem recebendo merecidos elogios a cada nova produção, como o excelente Gran Torino (2008) e o correto Jersey Boys (2014). Mas suas posições políticas são o que há de mais conservador e moralista, como no caso da “conversa com a cadeira”, em que ele usa diversas asneiras para insultar Barack Obama e acaba atacando seus próprios partidários republicanos. Ou ainda nas ameaças a Michael Moore, quando ambos recebiam um prêmio da National Board of Review e Eastwood disse que receberia o documentarista a balas se ele aparecesse em sua casa com uma câmera. Moore, claro, não é flor que se cheire, com suas técnicas duvidosas de filmar suas verdades, mas Eastwood conseguiu se juntar a diversos malucos que ameaçaram Moore, o que é um papelão.

American Sniper Cooper

Por causa de toda essa questão política, é impossível não misturar os dois lados da câmera ao se analisar o filme. Mas mesmo para quem afirma não haver nenhuma questão política, há ainda os problemas na história contada. Mesmo desconsiderando a figura real, temos que aguentar o pai ficcional do protagonista dando algumas lições nos filhos, o que o roteiro parece indicar como culpado pelas atitudes de Chris. Bradley Cooper, indicado ao Oscar por O Lado Bom da Vida (2012) e Trapaça (2013), conseguiu sua terceira indicação seguida. O ator cresceu bastante fisicamente e faz um ótimo trabalho, trazendo uma profundidade ao personagem que ele talvez não tivesse na vida real. Cooper transmite muito bem a crença de Kyle de que estava fazendo o certo e mostra que domina bem suas expressões, usando a certa quando necessário e se poupando no resto do tempo.

Tudo o que podia contar contra Kyle foi retirado do filme. O fato de ele ter desistido da carreira de peão de rodeio por causa de uma lesão, por exemplo, não aparece, dando a entender que ele largou tudo por puro patriotismo. Eastwood perde a chance de retratar uma pessoa real, ficando apenas no mito e ajudando a perpetuar mentiras. E a guerra no Iraque começou como resposta ao ataque de 11 de setembro, sabia? É isso que concluímos pelo filme. A parte técnica de Sniper Americano (por que não Atirador Americano?) é impecável, com uma ótima reconstituição de época, trilha sonora, edição, atuações. Eastwood reafirma o quão bom diretor ele é, mas servindo a que propósito? Os problemas ideológicos começam a incomodar logo de cara e perduram por toda a exibição, tornando impossível apreciar a experiência como “apenas entretenimento”.

Montagem do Daily Mail mostra o que alguns americanos pensam

Montagem do Daily Mail mostra o que alguns americanos pensam

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Casal Brangelina vai à guerra!

por Marcelo Seabra

Brad Pitt & Angelina Jolie

O provável casal mais famoso do Cinema da atualidade, Brad Pitt e Angelina Jolie, está ao mesmo tempo em cartaz, em filmes e funções diferentes, ambos com a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo. E o resultado é mais ou menos o mesmo: obras cansativas, visualmente belas, que não conseguem engajar o público na luta de seus personagens, por mais bravos e honrados que eles sejam. Os dois passam de duas horas de exibição, com situações que se estendem por muito mais do que o necessário. Não são ruins, é bom reforçar, mas não empolgam.

Em sua segunda experiência na cadeira de diretora (após Na Terra de Amor e Ódio, 2011), Jolie assina Invencível (Unbroken, 2014), adaptação da história do ítalo-americano Louis Zamperini, que saiu das competições olímpicas de corrida para os fronts de batalha em território japonês. Conhecemos melhor o garoto Louie em sua infância, um começo bem promissor para o filme. Logo, o ritmo muda, ele cresce e começa a competir em corridas para, em seguida, ser convocado para defender o país. A partir daí, começam a desventuras do jovem, que passa por provações de um sadismo extremo.

Unbroken

Em evidência por viver o protagonista, Jack O’Connell não começou agora, como muitos têm pensado. Ele está, por exemplo, em Sem Saída (Eden Lake, 2008) e Harry Brown (2009), bons filmes que não chamaram muito a atenção quando lançados. O ator teve agora sua grande chance e a aproveita bem, compondo um personagem carismático e seguro. Mas o roteiro não o ajuda, deixando claro que Zamperini passaria pelo inferno de cabeça erguida, sem se queimar. Em momento algum, temos uma sensação real de perigo, por pior que seja o que vem pela frente. Sabendo que esta é uma história real, e que o ex-combatente morreu em julho, já velhinho, temos certeza de que ele merecia ser honrado com um filme com mais emoção.

A mistura de roteiristas, com os ácidos irmãos Joel e Ethan Coen (de Inside Llewyn Davis, 2013), o veterano William Nicholson (de Os Miseráveis, 2012) e o açucarado Richard LaGravenese (de Dezesseis Luas, 2013), não deu um resultado dinâmico. Os eventos importantes são mostrados um a um, como se fossem riscados de uma lista, até que se chegue ao final do suplício do personagem. E Jolie, como diretora, parece estar apenas cumprindo uma obrigação, não acrescentando qualquer estilo ou criatividade. Em grande parte, o maior responsável pelas qualidades de Invencível é o diretor de fotografia Roger Deakins, que capta imagens lindas e nos faz agüentar os longos 137 minutos de duração.

Fury

Também no front, Brad Pitt é o nome principal no elenco de Corações de Ferro (Fury, 2014), filme que pega a Segunda Guerra em seus últimos meses, quando todos os cidadãos estavam sendo recrutados como última esperança de vitória da Alemanha. É impossível não comparar o trabalho do ator com o que ele fez em Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009), mas Pitt tem dificuldade para acertar o tom. Ele é o sargento que lidera um grupo de cinco em um tanque. Ao perder um deles, ele recebe um novato (Logan Lerman, de Noé, 2014) e precisa aguentar firme até que o conflito chegue ao final. Shia LaBeouf (de Ninfomaníaca, 2013), Michael Peña (de Marcados para Morrer, 2012) e Jon Bernthal (de O Lobo de Wall Street, 2013) completam o tanque.

David Ayer, diretor e roteirista, tem sua cota de acertos e erros. Ao mesmo tempo em que ele é responsável pelo tenso e competente Marcados para Morrer (End of Watch, 2012), é dele também o irritante Tempos de Violência (Harsh Times, 2005). Faz parte de seu estilo buscar uma realidade gráfica, crua, como em um desses telejornais “mundo cão”, que mostram sangue e vísceras. E a fotografia do russo Roman Vasyanov (também de Marcados…) casa muito bem, produzindo imagens poéticas em meio à destruição. A mistura dessa objetividade com as boas atuações causa uma boa impressão. Mas assusta o que está por trás: a idealização da guerra e a justificativa para o comportamento psicótico de certos personagens.

Fury sceneEm clássicos do Cinema de guerra, como os de Oliver Stone, Kubrick e companhia, as figuras psicóticas muitas vezes são vítimas da brutalidade ou vilões, e não os heróis. Ayer tenta humanizar os combatentes americanos, mesmo mostrando-os como maníacos que não se importam em matar ou estuprar. Mas os alemães, estes podem continuar sendo malfeitores de uma dimensão apenas, que só servem para complicar as situações ou morrer. O próprio personagem de Pitt é daqueles que se utilizam da ideia de que é sendo hostilizado que um novato aprenderá a se virar e, por conseqüência, se tornará um homem. Ou seja: eu te torturo psicologicamente (e até fisicamente) hoje e você me agradecerá amanhã.

Tanto Corações de Ferro quanto Invencível se beneficiariam de alguns minutos a menos, tornando as coisas mais ágeis. Fica a impressão de que a guerra era, na maior parte do tempo, cansativa. E até podia ser mesmo. Mas não há necessidade de o público compartilhar desse tédio. O ingresso é pago para diversão, reflexão e diversos outros objetivos. Combate à insônia não é um deles.

Angelina e o verdadeiro Zamperini, que deu sua benção ao filme

Angelina e o verdadeiro Zamperini, que deu sua benção ao filme

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Wachowskis naufragam com O Destino de Júpiter

por Marcelo Seabra

Jupiter Ascending

É impressionante como ainda colocam tanto dinheiro nas mãos dos Wachowskis. O orçamento divulgado do novo O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending, 2015) está na casa dos 175 milhões de dólares, quantia inacreditável levando em conta que os filmes anteriores dos irmãos ficaram devendo na relação custo e renda. E Júpiter já chega aos cinemas debaixo de críticas pesadas e com a má fama de uma sessão secreta de estreia durante o Festival de Sundance em que a sala estava meio vazia e muita gente saiu no meio. Os planos de uma franquia podem ter sido abortados logo de cara, com os pífios milhões arrecadados na estreia.

Os autossuficientes Andy e Lana Wachowski tiveram uma única grande ideia em toda sua carreira e a exploraram à exaustão, de todas as formas possíveis. Uma vez que não dava para tirar mais nada do universo de The Matrix (1999), eles partiram para outras empreitadas. Não que tenham sido totalmente mal sucedidos. Ao menos no visual, eles sempre recebem elogios. Speed Racer (2008), por exemplo, é bem criativo e oferece algumas soluções interessantes para buracos do desenho que o inspirou. Mas não se trata de material original, caso do bonito, longo e cansativo A Viagem (Cloud Atlas, 2012). Como roteiristas e produtores eles se envolveram em outros projetos, nunca experimentando o mesmo sucesso, ou nem perto, de The Matrix.

Tatum

Mais uma vez demonstrando um alto grau de megalomania, os diretores criaram uma história sem pé nem cabeça que parte de um conceito absurdo: reencarnação genética. Os diálogos só poderiam ser ridículos, e é louvável que os atores consigam segurar o riso ao proferi-los. Channing Tatum (acima), também em cartaz atualmente com o ótimo Foxcatcher (2014), mostra que não é mesmo um bom intérprete, ele depende de um bom diretor conduzi-lo para ser eficiente. A caracterização do “licomutante” de Tatum lembra a versão cômica do Chewbacca de Spaceballs – Tem um Louco Solto no Espaço (1987) com a adição de orelhas à Spock. E ele precisa passar boa parte do tempo sem camisa, para agradar a algum fetiche de um dos envolvidos. Ou uma. As sequências repetitivas, com lutas sem sentido e tiros que não ferem (e mágica para curar feridas), tornam a experiência bem cansativa.

Os demais nomes do elenco passam por constrangimento semelhante. Mila Kunis (de Oz: Mágico e Poderoso, 2013) demonstra estar perdida em alguns momentos, e até traz dignidade ao papel em outros. Ela é uma humana comum, empregada doméstica, que descobre ter os genes de uma poderosa matriarca intergalática e, por isso, deve clamar por seus direitos reais. E ela aceita essas novidades esdrúxulas com muita naturalidade. Quanto mais se descreve, pior fica. Os filhos dessa tal rainha falecida entram numa disputa sem nexo, apenas para brigarem entre si e permitirem que a história aconteça. Afinal, se eles tivessem tocado suas vidas, ninguém nunca descobriria a garota. E aquela história de doação de óvulos?

Redmayne

Entre os três irmãos espaciais, temos mais uma presença ilustre. Eddie Redmayne (acima), sério candidato ao Oscar desse ano por A Teoria de Tudo (The Theory of Everything, 2014), vive o primogênito, o andrógino Balem Abrasax. A trama exige que ele seja um vilão patético, ou foi uma opção desastrada do ator este tipo caricato. Ao menos, ele mostra que poderia ser um bom David Bowie numa cinebiografia. O irmão mais novo muda de postura conforme a necessidade do roteiro e Douglas Booth (colega de Redmayne em Os Pilares da Terra, 2010) não acrescenta nenhuma profundidade. E a outra irmã (Tuppence Middleton, de O Jogo da Imitação, 2014) não serve para muita coisa. O segredo revelado no final é previsível e não traz nada de novo. Do lado dos mocinhos, Sean Bean (de Game of Thrones) tem uma participação descartável e uma filha menos importante ainda, e eles deixam mais pontas soltas.

O guerreiro de Tatum, Caine Wise, é marcado por um passado obscuro que em momento algum é revelado. Seu nome, uma variação do bom e velho Caim, deixa claro que houve uma traição. As referências mais frequentes são relacionadas a outros filmes, umas mais óbvias que outras. A cena em que o personagem flutua pegando carona em um carro é De Volta para o Futuro pura! Os símbolos extraterrestres de Sinais (Signs, 2002) ganham uma explicação e as perseguições no meio do milharal lembram Arquivo X (The X Files, 1998). Mas a maior presença ao longo da projeção é, claro, Star Wars, que parece ser a maior inspiração para os Wachowskis, apesar de Lana jurar que é o clássico A Odisséia. Há momentos saídos de O Homem de Aço (Man of Steel, 2014), com toda aquela destruição e até aparece um sujeito com asas que parece o anjo de Barbarella (1968). São muitas as “homenagens”.

Kunis

A trilha sonora é um caso à parte. Se, em alguns momentos, ela é irritante e adianta o tipo de emoção que deve vir a seguir, na maior parte do tempo ela é risível, com arroubos de grandeza como se fosse uma ópera espacial. Se fosse dirigido por Baz Luhrmann, os personagens começariam a cantar, e é só o que falta. Os irmãos incumbiram Michael Giacchino, vencedor do Oscar, Globo de Ouro e BAFTA por Up: Altas Aventuras (2009), da missão. Talvez, em outra situação, casasse melhor. Aqui, ao contrário de outras ficções científicas em que trabalhou (como John Carter, 2012, e o segundo Star Trek, 2013), suas composições não combinam com o que vemos, aumentando o ridículo das cenas.

Muitos filmes e até franquias de ficção-científica criam universos do nada e exigem do espectador um compromisso com o fantástico, um “salto de fé”. Isso não é e nem nunca foi problema, e Star Wars e Star Trek comprovam este fato. São leis e lógicas, além de cenários e espécies, que fogem totalmente do que estamos habituados. E a diversão está exatamente aí: em conhecer o novo e ver como tudo isso é aproveitado pelos realizadores. Os quase três bilhões de dólares de arrecadação de Avatar (2009) são outra prova dessa aceitação. Mas é preciso respeitar as regras que foram criadas, ou o jogo fica muito difícil de jogar. Com regras estapafúrdias, que não fazem nenhum sentido, fica ainda mais complicado brincar.

É, Wachowskis, já deu pra vocês...

É, Wachowskis, já deu pra vocês…

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Stephen Hawking vira personagem de Cinema

por Marcelo Seabra

Theory of Everything

O Cinema já gosta de contar histórias reais, de grandes personalidades. Se houver uma doença grave envolvida, então, fica impossível ignorar. A vida do físico Stephen Hawking era um prato cheio: uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos presa em um corpo sofrendo uma degeneração constante e lutando contra uma expectativa de sobrevivência baixíssima. Pois finalmente ganhou a tela grande A Teoria de Tudo (The Theory of Everything, 2014), a adaptação do livro de Jane Hawking sobre sua jornada ao lado do marido.

Theory of Everything RedmayneApesar de não ser nenhum novato no negócio, Eddie Redmayne tem aqui o seu primeiro papel de grande destaque. Entre seus principais trabalhos, estão Sete Dias com Marilyn (My Week With Marilyn, 2011), Os Miseráveis (Les Misérables, 2012) e a minissérie Os Pilares da Terra (The Pillars of the Earth, 2010). O próprio ator é provavelmente o principal motivo de A Teoria de Tudo ter ganhado tanto confete, e ele já levou o Globo de Ouro e aguarda o resultado de outros tantos prêmios aos quais foi indicado, incluindo o Oscar e o BAFTA. Sua interpretação de Hawking repete os menores maneirismos do cientista e representa o passo a passo do avanço da doença desde os detalhes mais simples. E a exigência física para manter os aspectos da degeneração deve ter sido tremenda.

Não muito atrás de Redmayne em competência está a colega Felicity Jones. Até então lembrada como a Felicia Hardy do Homem-Aranha mais recente, Jones também foi meticulosa ao criar sua personagem. Mas é complicado o fato de a personagem sempre estar lá, impávida e pronta a se sacrificar por Stephen. Isso acontece desde o início, quando a doença é descoberta. Sua luta para ajudá-lo e criar os filhos, além de se dedicar à carreira acadêmica, teria precisado de muito mais espaço. Ela acaba relegada a um segundo plano, deixando o foco todo para o gênio Hawking. Mas o roteiro de Anthony McCarten falha também nesse ponto ao não detalhar melhor o que está se passando, talvez com medo de entrar profundamente nos fundamentos da física e perder o público “não iniciado”. Ou de mostrar seu biografado como um ser humano com falhas, como qualquer outro. Se o filme apenas arranha a superfície nos dois casos, sobra apenas passar pontualmente por momentos importantes, pecado que a maioria das biografias comete.

Diretor de documentários interessantes e envolventes, como O Equilibrista (Man on Wire, 2008), James Marsh não parece ter ainda se encontrado na ficção. Seu longa anterior, inexplicavelmente chamado no Brasil de Agente C – Dupla Identidade (Shadow Dancer, 2012), é um drama correto e discreto que se contenta em seguir o rumo dos acontecimentos, sem muita tensão ou conflito. O pano de fundo é bem promissor, mas o resultado não sai da média. Assim como este A Teoria de Tudo. As ótimas atuações tanto dos protagonistas quanto dos coadjuvantes servem a um filme mediano, produto de um roteiro acomodado e uma direção que se contenta com um tapinha nas costas de “bom trabalho”. Um prato cheio para uma tortura ao estilo Fletcher (o professor de Whiplash, 2014).

Hawking derramou lágrimas ao se ver na tela

Hawking derramou lágrimas ao se ver na tela

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A arte imita a vida em Birdman

por Marcelo Seabra

Birdman

Há ao menos uns quinze anos, Michael Keaton não vem tendo o destaque merecido no Cinema. Papéis pequenos, muitas vezes em produções mequetrefes. Se vão mais de vinte anos desde que ele viveu Batman pela segunda vez. Agora, o ator teve a oportunidade de voltar às conversas de cinéfilos e às manchetes dos cadernos de cultura dos jornais, além de vestir uma nova fantasia de herói. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman (or The Unexpected Virtue Of Ignorance), 2014) é o novo trabalho do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (de Biutiful, 2010) e reflete um pouco a vida: Keaton faz um ator tentando emplacar outro sucesso e afastar o ostracismo.

Envelhecido por uma ótima maquiagem, Keaton é Riggan Thomson, o intérprete do super-herói Birdman que, desde a última aventura do personagem, vem tentando encontrar um trabalho que levante sua carreira. O filme começa com a montagem de uma peça a ser dirigida e atuada por Riggan e mostra toda a complexidade de reunir tudo o que é necessário para estrear no teatro. É preciso lidar com atores incompetentes e temperamentais e há muitas questões de bastidores a resolver. Isso, além da vida pessoal, que é um desastre, no caso de Riggan. Em meio a tudo isso, o sujeito tem uns delírios e foge da realidade, sendo seguido de perto por seu alter ego cinematográfico, Birdman.

Birdman scene

Sempre uma figura interessante de se acompanhar, Keaton parece ter chegado ao seu auge como artista. Na maioria de seus papéis, nota-se uma entrega grande, ele emprega muita intensidade até em comédias absurdas de humor negro, caso do inesquecível Beetlejuice (1988). Riggan não é um fracassado, ou um louco, ou qualquer outro estereótipo que outro ator menos talentoso poderia ter criado. Keaton traz muita dignidade à luta do protagonista contra todos os contratempos e até contra uma crítica teatral que pode arruinar o resto de sua vida. Além de todo esse trabalho, ele convive de perto com sua filha, vivida por Emma Stone (de Magia ao Luar, 2014), uma jovem adulta que nunca teve uma estrutura familiar regular e se recupera de problemas com drogas. A ex-mulher (Amy Ryan, de Sem Evidências, 2013) também circula e é mais um conflito na cabeça de Riggan, já que eles têm uma situação mal resolvida.

Além das já citadas Stone e Ryan, o ótimo elenco traz Zach Galifianakis fugindo do papel padrão de gordinho engraçado (como na franquia Se Beber Não Case), e ele mostra ser capaz de muito mais. Edward Norton (de O Grande Hotel Budapeste, 2014), assim como Keaton, tem uma espécie de meta-papel e brinca com sua fama de perfeccionista e difícil e sua atuação vem recebendo elogios por onde o longa passa. Naomi Watts (de Diana, 2013) e Andrea Riseborough (de Oblivion, 2013) são outros destaques em um grupo de demonstra muita química e de fato parecem estar passando por todas aquelas dificuldades.

É importante ressaltar que essa ligação do roteiro com a realidade – e atores “de verdade” são citados – não está lá apenas para fazer graça ou servir de piada interna para os envolvidos. Faz muito mais sentido mencionar Robert Downey Jr., Michael Fassbender ou Jeremy Renner quando se precisa contratar um coadjuvante que usar nomes que não significam nada para o público. E a sempre bela fotografia de Emmanuel Lubezki (Oscar por Gravidade, 2013) nos faz não só entender a geografia do teatro como caminhar junto com os atores, proporcionando um envolvimento ainda maior. O resultado é um filme que consegue mesclar brilhantismo técnico com emoção e proporciona ao espectador uma experiência completa, dando inclusive pauta para discussão. Iñárritu e sua equipe merecem qualquer prêmio que vier, o que eles atingiram não é pouco.

Keaton e Norton, dois atores em um grande momento de suas carreiras

Keaton e Norton, dois atores em um grande momento de suas carreiras

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Descubra o que aconteceu na fazenda Foxcatcher

por Marcelo Seabra

Foxcatcher posterOs fatos interessantes estavam lá. Mas ligá-los não era das tarefas mais fáceis. Criar uma obra intrigante com acontecimentos reais e espaçados não parecia uma boa ideia, mas o diretor Bennett Miller conseguiu novamente entregar uma grande obra: Foxcatcher (2014). Curiosamente, o que aconteceu é algo que só se tornou famoso fora dos Estados Unidos ou do circuito do esporte agora, e o filme é o grande responsável por isso. E, mesmo que todos tenham tomado conhecimento do ocorrido, o filme permanece vivo, rico e indispensável.

Com o medonho subtítulo Uma História que Chocou o Mundo, Foxcatcher nos apresenta a dois campeões de luta greco-romana que tem um relacionamento complicado: enquanto o irmão mais velho, David (Mark Ruffalo, de Truque de Mestre, 2013), parece mais centrado e calmo, Mark (Channing Tatum, de Terapia de Risco, 2013), o caçula, parece em busca de uma identidade própria, que o reconheçam como o ótimo atleta que é, e não apenas como o irmão do grande David. Ambos ganharam medalhas de ouro em eventos de grande porte e continuavam a se preparar para os próximos, principalmente as olimpíadas de Seoul, em 1988. Casado e com filhos, David conseguia se dedicar a um aspecto de sua vida sem abandonar os demais. Já Mark não tinha vida social, hobbies e nem mesmo traquejo para lidar com outros seres humanos.

FOXCATCHER

Com um discurso ufanista, um bilionário procura Mark oferecendo ajuda, com patrocínio e toda a estrutura necessária para a preparação de lutadores. John du Pont (Steve Carell, de O Verão da Minha Vida, 2013), apesar de todo o dinheiro de que dispunha, era um sujeito solitário, que buscava a aprovação da mãe e que queria ser reconhecido como um grande treinador e líder. Suas atitudes equivocadas e seu discurso vazio de auto-ajuda deixam claro que ele não era um tipo muito normal. A dinâmica entre essas três personalidades distintas é o grande atrativo de Foxcatcher, algo que só é possível graças a um roteiro bem amarrado e enxuto (de E. Max Frye e Dan Futterman) e a interpretações complexas, extremamente bem construídas, que passam uma falsa impressão de facilidade, como se eles não estivessem se esforçando.

Schultz brosVivendo os irmãos (ao lado, os reais), Ruffalo e Tatum exibem a dinâmica exata para que acreditemos naquela relação. Eles são quase como pai e filho, já que um criou o outro e foi praticamente sua única referência adulta. Não a toa, eles seguiram a mesma carreira, ambos tendo alcançado sucesso. Tatum, apesar de não ser apontado como um grande artista, encontrou um papel que encaixa bem com o tanto de talento que dispõe, e só ajuda o personagem ter muitos músculos e falas menos elaboradas. Ruffalo, por sua vez, vem provando o quanto é bom com papéis bem diferentes uns dos outros, e não seria fácil prever que um lutador fortão estaria entre eles. E a cereja do bolo é Carell, que usa a maquiagem pesada para criar du Pont como alguém pouco expressivo, que quer parecer forte e determinado, mas é apenas frio. Na verdade, ele é uma pessoa patética, do tipo que inventa um apelido enaltecedor para si mesmo e pede aos outros que o usem para chamá-lo. E Carell, geralmente apontado como comediante, como se isso o diminuísse ou limitasse, só mostra como, após fazer comédia, certos atores podem fazer praticamente tudo.

Foxcatcher chega ao Brasil tendo tido três indicações aos Globos de Ouro e com outras cinco possibilidades nos Oscars e três no BAFTA, entre várias outras. Responsável pelos elogiados Capote (2005) e Moneyball (2011), Bennett Miller foi consagrado como o melhor diretor de 2014 no Festival de Cannes. E não faltou uma polêmica: o lutador Mark Schultz foi à televisão difamar o longa, dizendo que fugiu muito da realidade, para pouco depois lamentar o acontecido e reforçar a enorme fidelidade com os fatos. Ele se justificou dizendo que foi muito doloroso reviver tudo aquilo e aproveitou para elogiar as escolhas do roteiro, que julga detalhado e, ao mesmo tempo, objetivo. O filme nem precisava de chamar a atenção de outras formas, já que certamente se trata de um dos melhores do ano, se não o melhor.

Miller levou seu elenco a Cannes

Miller levou seu elenco a Cannes

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A comédia A Entrevista chega ao Brasil

por Marcelo Seabra

The Interview poster

Quando um filme faz barulho devido à polêmica que o envolve, mas o conteúdo propriamente dito passa batido, nota-se que há algo errado. A nova comédia de Seth Rogen, Evan Goldberg e turma, A Entrevista (The Interview, 2014), se encaixa nessa categoria e só agora chega aos cinemas do Brasil. Depois de detonar uma guerra entre hackers ligados à Coréia do Norte e a Sony Pictures e ser deixada na geladeira, a produção conseguiu ser vista nos Estados Unidos em cinemas independentes, e não nas grandes redes, e segue ao resto do mundo. Todo esse circo na mídia criou expectativa pelo filme, que supostamente seria uma engraçada sátira política. Mas ele merecia tanta atenção?

A premissa é criativa, isso temos que admitir. Um apresentador de televisão de um programa raso de entrevistas descobre que o líder supremo da Coréia do Norte, Kim Jong-un, é seu fã e o produtor faz de tudo para conseguir agendar com ele. Assim, é anunciado no programa que, em três semanas, o tal apresentador fará uma bombástica entrevista com o ditador que é temido no mundo todo. A CIA aproveita a oportunidade e incumbe os dois de matar o entrevistado, algo que seria muito simples em tese. A partir daí, os diretores Rogen e Goldberg, que escreveram o longa ao lado de Dan Sterling, redator do programa The Daily Show, aproveitam para fazer graça com a Coréia do Norte e a visão que o mundo ocidental tem de lá. Nada além de uma comédia exagerada, com o chamado humor de banheiro, ainda mais baixo que no trabalho anterior da trupe, É o Fim (This Is the End, 2013).

The Interview scene

O ponto alto de A Entrevista é o elenco. Rogen, como o produtor Aaron Rapaport, é sempre uma figura carismática, e funciona bem ao lado de James Franco, seu velho amigo. Franco sabe usar sua persona de canastrão e se dá muito bem como Dave Skylark, o entrevistador que se acha na mesma posição de David Frost na famosa entrevista com o ex-presidente americano Richard Nixon. A surpresa fica por conta de Randall Park, que vive Jong-un. Ele mistura timidez, doçura, raiva e frustração na medida certa, acertando no tom para cada momento, ajudando em muito que o filme consiga fazer as críticas que pretende. De pequenos papéis em filmes como Vizinhos (Neighbors, 2014) e Sex Tape (2014) e séries como Veep e Projeto Mindy, Park deve ver sua carreira decolar, ou ao menos ter mais oportunidades. Outra que deve ter portas se abrindo é Diana Bang (da série Bates Motel), que faz uma importante assessora do governo e tem uma presença forte, não deixando nada a desejar frente aos colegas mais famosos.

Apesar das figuras simpáticas em cena, o grande defeito desse filme é a quase total falta de graça. Rimos muito esporadicamente e não há críticas de fato interessantes ou inteligentes sendo feitas. Mas as piadas de banheiro, ah, essas não faltam! Eles chegam ao ponto de improvisarem um supositório, tamanha é a apelação, e isso passa longe de ser engraçado. O que chega mais perto de criar algum interesse no público é a relação que se desenvolve entre Skylark e Jong-un, em detrimento da amizade entre o primeiro e Rapaport. Mas os roteiristas estão mais preocupados em tentar fazer graça com situações mais óbvias, perdendo a oportunidade de desenvolver melhor as sutilezas.

O problema todo causado pela Coréia do Norte, que considerou o filme uma afronta dos norte-americanos e detonou tantas retaliações, teve o efeito contrário do pretendido. Por medo de ataques, os grandes cinemas não o exibiram, o que causou um prejuízo financeiro. Mas antes que os independentes decidissem lhe dar asilo, o arquivo já rodava a Internet, batendo recordes de downloads ilegais, e a Sony logo anunciou lançamento em outros países. Serviços online já disponibilizam o longa, que estará disponível no Netflix ainda este mês e chega em DVD e Blu-ray em fevereiro. A Sony pode até ter sido desfalcada, mas o alcance de A Entrevista foi longe. A uma altura dessas, provavelmente até na Coréia do Norte.

Rogen orienta os colegas nas filmagens

Rogen orienta os colegas nas filmagens

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A terceira aventura fecha a franquia Busca Implacável

por Marcelo Seabra

Taken 3

Em setembro de 2012, logo após o lançamento da segunda parte, Liam Neeson disse que não teria uma terceira. Ou “as chances são muito pequenas”, consertou. Em novembro seguinte, a Fox começou a se movimentar para que essa sequência acontecesse. Eis que, em janeiro de 2015, chega aos cinemas nacionais Busca Implacável 3 (Taken 3, 2014), a provável última aventura do psicopata bacana Bryan Mills, aquele super agente aposentado que teve a filha seqüestrada e ainda enfrentou todos os compatriotas dos seqüestradores mortos. Para o terceiro, a saída foi acusá-lo de um crime, colocando-o em outra espiral de violência.

Propositalmente mais abatido e velho, Mills parece estar se acostumando à vida solitária de um aposentado divorciado, com ocasionais jogos de golfe com a velha turma e algumas visitas da ex-mulher e amiga (Famke Janssen), além de ver a filha (Maggie Grace) sempre que pode. No papel de segundo marido de Lenore, Dougray Scott (de Sete Dias com Marilyn, 2011) substitui Xander Berkeley e tem uma participação maior. O sujeito que passou perto de ser o Wolverine dos X-Men ganha a vida sendo um coadjuvante de segunda em continuações de terceira. E Forest Whitaker (de Tudo por Justiça, 2013) se constrange mais uma vez repetindo o papel de policial estúpido e fisicamente esquisito.

Tudo parece no seu devido lugar quando acontece um assassinato e Mills é o suspeito óbvio para uma polícia acometida de sérias deficiências mentais. Mesmo que as supostas provas contra o sujeito sejam extremamente circunstanciais e que haja provas certas do contrário, de que haveria outros envolvidos, os homens da lei preferem apenas ignorar tudo e continuar numa busca implacável por Mills. Só assim para explicar o título – que no original já deixou de ter sentido. Mills passa uma boa parte da produção apenas fugindo da polícia, para em algum momento resolver ir atrás dos verdadeiros criminosos. E é impressionante como tudo flui facilmente. Algumas pessoas tomam certos cuidados, outras não. E algumas pistas são descobertas, outras ficam guardadas para um momento oportuno.

Taken 3 scene

O primeiro Busca Implacável, a entrada de Neeson nesse filão de ação que ele tanto vem explorando, é bem divertido, quase como um James Bond que volta à ativa para salvar a filha. O segundo foi forçado e absurdo, com situações completamente fora da realidade – alguém se lembra da garota explodindo granadas no telhado do hotel? Este novo episódio é ainda mais exagerado, previsível, imbecil e furado, mas se leva muito mais a sério e realmente se acha muito engenhoso. Luc Besson e Robert Mark Kamen devem ter ficado muito orgulhosos do fechamento que criaram para a trilogia de Mills. O personagem coloca em risco dezenas de universitários apenas para poder ver a filha, destruindo patrimônio público e privado sem pensar duas vezes. Para um ator que acaba de lançar o interessante Caçada Mortal (A Walk Among the Tombstones, 2014), Neeson não precisava ter insistido nessa franquia.

O produtor Besson, que anda cometendo atrocidades como Lucy (2014), 13º Distrito (Brick Mansions, 2014) e 3 Dias para Matar (3 Days to Kill, 2014), não satisfeito em ter escrito um roteiro ridículo e cheio de buracos com Kamen, chamou um diretor que não tem noção do que está fazendo. O bom e velho Olivier Megaton, que nunca falha em ser pau mandado do amigo, é o responsável pela parte 2 também, o que prova que Besson decidiu insistir no erro de várias formas. No meio de tantos bons filmes, nessa temporada de premiações, nos deparamos com isso. Ao menos, dessa vez, o cartaz diz que “Acaba aqui”. Vamos torcer para que a promessa seja mantida.

O elenco principal promoveu o filme em Nova York

O elenco principal promoveu o filme em Nova York

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Teller e Simmons duelam pela perfeição

por Marcelo Seabra

Whiplash poster

O caminho rumo à perfeição não costuma ser fácil. Mas precisa ser excruciante? O sonho de estudar na escola mais prestigiada pode se tornar um pesadelo? Essas são algumas da perguntas para as quais o baterista estudante Andrew achará respostas, e elas serão bem desagradáveis. Whiplash – Em Busca da Perfeição (2014) é o longa que expande a ideia  que o diretor e roteirista Damien Chazelle já havia usado em um curta metragem de mesmo nome. Foi o sucesso do curta que atraiu investidores e permitiu a realização do longa, que vem recebendo elogios e indicações a prêmios por onde passa.

O curta de Chazelle foi premiado no Festival de Sundance em 2013, o mesmo que consagrou Milles Teller por sua atuação em O Maravilhoso Agora (The Spectacular Now, 2013). No ano seguinte, os dois se uniram e novamente coube a J.K. Simmons o papel do professor do conservatório musical que leva seus alunos ao limite, com abusos psicológicos e físicos, visando descobrir um novo Charlie Parker, o grande Bird. Até onde um professor deve ir para tirar de seus alunos o melhor? Quais métodos são aceitáveis? O mais interessante é que conseguimos conhecer os personagens e eles ganham contornos humanos, não estão ali apenas para servirem às necessidades do roteiro. O elenco de apoio inclui Paul Reiser, famoso pela série de TV Mad About You – Louco por Você, e Melissa Benoist (de Glee), e a presença de ambos na trama nos ajuda a entender Andrew melhor.

Whiplash

Grande destaque do filme, em meio a tantos acertos, é a atuação de J.K. Simmons. Não à toa, ele já levou vários prêmios, como o Globo de Ouro, e está indicado a tantos outros, como o Oscar e o BAFTA. Ele evita estereótipos ao compor uma figura que poderia facilmente cair numa caricatura. Ora duelando com Teller, ora cúmplice dele, Simmons dá aula de interpretação, indo de simpático a monstruoso em segundos, deixando claro desde o início que não seria uma pessoa tranquila de se relacionar. Teller é de fato músico, teoricamente deve ter sido mais simples acompanhar os esforços de seu personagem, facilitando para o diretor pegar um close das mãos frenéticas em movimento – mesmo que em alguns momentos seja um pouco perceptível que o som não combina com a peça da bateria tocada. E Simmons, ator e cantor, teve que aprender até como reger os músicos e as terminologias próprias do meio, e há curtas cenas dele próprio tocando.

Apesar da pouca experiência, Chazelle mostra que sabe aonde quer chegar, e seu interesse está na música. Seu primeiro longa, o desconhecido Guy and Madeline on a Park Bench (2009), era um romance estrelado por um trompetista, e ele ainda escreveu o roteiro de Toque de Mestre (Grand Piano, 2013), suspense sobre um pianista. Depois de falar sobre um baterista, ele segue com La La Land (2015), novamente com Milles Teller, agora como pianista, fazendo par com Emma Watson. Depois de Whiplash, qualquer coisa que Chazelle fizer merece crédito.

Fora das câmeras, os dois eram só amor

Fora das câmeras, os dois eram só amor

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Pearce e Pattinson partem à caça pela Austrália

por Marcelo Seabra

The RoverNão são poucos os filmes que mostram um futuro apocalíptico, com cidades destruídas e selvageria nas ruas. The Rover – A Caçada (2014) é mais um a ir nessa direção e divide com A Estrada (The Road, 2009), além do tema similar, o fato de ter um diretor australiano e de contar com Guy Pearce no elenco. O ator é o protagonista, o andarilho do título original, e seu personagem tem uma motivação no mínimo estranha: ele apenas quer seu carro de volta. Quando não se tem nada a perder e o resto de esperança se foi, vale tudo. As amarras sociais já eram.

Pearce vive um sujeito que parece levar uma vida pacata e esconde um passado provavelmente sangrento. Só sabemos o necessário para acompanharmos a trajetória dele em busca do carro roubado. Assim como acontece em De Volta ao Jogo (John Wick, 2014), no qual Wick tinha o cachorro assassinado e buscava a desforra contra a máfia russa, Pearce está determinado a fazer o necessário. Matar, por exemplo, é algo simples, corriqueiro, e a vingança é certa. Sobraram poucas pessoas nas redondezas, e elas ficam a longos intervalos umas das outras. Cada um deve ficar bastante tempo vendo apenas os poucos conhecidos, sem ninguém estranho no meio. Qualquer aproximação é recebida com desconfiança. Cachorros, se não forem protegidos, viram comida.

Para conseguir o carro de volta, a única pista que o protagonista tem é o irmão do ladrão, que está ferido e é feito refém. Em uma variante da Síndrome de Estocolmo, o rapaz acaba se aproximando do seu sequestrador, tamanha é a falta que ele parece sentir de contato humano. A carência, num mundo inóspito, despovoado e violento, é perfeitamente compreensível. E Robert Pattinson, mais conhecido como o vampiro Edward de Crepúsculo (Twilight), é uma boa surpresa ao caracterizar seu personagem como alguém que busca uma figura masculina de referência, algo próximo a um pai ou um amigo. Sua interpretação discreta mostra que ele pode estar crescendo como artista, evitando os maneirismo que tanto mostrou no novelão que o fez famoso.

Famoso pela boa estreia na tela grande, o policial Reino Animal (Animal Kingdom, 2010), David Michôd se tornou um diretor a se acompanhar. Ele próprio escreveu o roteiro deste A Caçada, baseando-se numa história sua e do amigo Joel Edgerton. Ele é bem objetivo – percebe-se pela curta duração do filme – e explora bem tanto paisagens ao longe quanto cômodos fechados, passando uma certa desolação em ambos. O estilo cru de Michôd casou bem com os dois gêneros pelos quais passou, o que só aumenta a expectativa pelos próximos projetos.

"Cara, cadê meu carro?"

“Cara, cadê meu carro?”

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