por Marcelo Seabra
Há ao menos uns quinze anos, Michael Keaton não vem tendo o destaque merecido no Cinema. Papéis pequenos, muitas vezes em produções mequetrefes. Se vão mais de vinte anos desde que ele viveu Batman pela segunda vez. Agora, o ator teve a oportunidade de voltar às conversas de cinéfilos e às manchetes dos cadernos de cultura dos jornais, além de vestir uma nova fantasia de herói. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman (or The Unexpected Virtue Of Ignorance), 2014) é o novo trabalho do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (de Biutiful, 2010) e reflete um pouco a vida: Keaton faz um ator tentando emplacar outro sucesso e afastar o ostracismo.
Envelhecido por uma ótima maquiagem, Keaton é Riggan Thomson, o intérprete do super-herói Birdman que, desde a última aventura do personagem, vem tentando encontrar um trabalho que levante sua carreira. O filme começa com a montagem de uma peça a ser dirigida e atuada por Riggan e mostra toda a complexidade de reunir tudo o que é necessário para estrear no teatro. É preciso lidar com atores incompetentes e temperamentais e há muitas questões de bastidores a resolver. Isso, além da vida pessoal, que é um desastre, no caso de Riggan. Em meio a tudo isso, o sujeito tem uns delírios e foge da realidade, sendo seguido de perto por seu alter ego cinematográfico, Birdman.
Sempre uma figura interessante de se acompanhar, Keaton parece ter chegado ao seu auge como artista. Na maioria de seus papéis, nota-se uma entrega grande, ele emprega muita intensidade até em comédias absurdas de humor negro, caso do inesquecível Beetlejuice (1988). Riggan não é um fracassado, ou um louco, ou qualquer outro estereótipo que outro ator menos talentoso poderia ter criado. Keaton traz muita dignidade à luta do protagonista contra todos os contratempos e até contra uma crítica teatral que pode arruinar o resto de sua vida. Além de todo esse trabalho, ele convive de perto com sua filha, vivida por Emma Stone (de Magia ao Luar, 2014), uma jovem adulta que nunca teve uma estrutura familiar regular e se recupera de problemas com drogas. A ex-mulher (Amy Ryan, de Sem Evidências, 2013) também circula e é mais um conflito na cabeça de Riggan, já que eles têm uma situação mal resolvida.
Além das já citadas Stone e Ryan, o ótimo elenco traz Zach Galifianakis fugindo do papel padrão de gordinho engraçado (como na franquia Se Beber Não Case), e ele mostra ser capaz de muito mais. Edward Norton (de O Grande Hotel Budapeste, 2014), assim como Keaton, tem uma espécie de meta-papel e brinca com sua fama de perfeccionista e difícil e sua atuação vem recebendo elogios por onde o longa passa. Naomi Watts (de Diana, 2013) e Andrea Riseborough (de Oblivion, 2013) são outros destaques em um grupo de demonstra muita química e de fato parecem estar passando por todas aquelas dificuldades.
É importante ressaltar que essa ligação do roteiro com a realidade – e atores “de verdade” são citados – não está lá apenas para fazer graça ou servir de piada interna para os envolvidos. Faz muito mais sentido mencionar Robert Downey Jr., Michael Fassbender ou Jeremy Renner quando se precisa contratar um coadjuvante que usar nomes que não significam nada para o público. E a sempre bela fotografia de Emmanuel Lubezki (Oscar por Gravidade, 2013) nos faz não só entender a geografia do teatro como caminhar junto com os atores, proporcionando um envolvimento ainda maior. O resultado é um filme que consegue mesclar brilhantismo técnico com emoção e proporciona ao espectador uma experiência completa, dando inclusive pauta para discussão. Iñárritu e sua equipe merecem qualquer prêmio que vier, o que eles atingiram não é pouco.