Peaky Blinders melhora a cada temporada

por Marcelo Seabra

Com cinco temporadas curtas disponíveis na Netflix, Peaky Blinders é uma ótima opção para maratonar. Mesmo porque é bem difícil assistir a um episódio e não seguir automaticamente ao próximo. Com uma produção impecável, Steven Knight recria a Birmingham do período entre guerras para nos apresentar à família Shelby, ciganos que escolhem a cidade para viver e onde também montam um império criminoso.

À frente do grupo, temos Thomas Shelby, vivido pelo irlandês Cillian Murphy (o Espantalho da trilogia do Batman). Tommy é um veterano de guerra que perdeu seus ideais e praticamente sua sanidade nos combates na França e, ao voltar para casa, passa a dominar as apostas de cavalos, fazendo fortuna para si e para a família. Com um modo característico de se vestir, de terno e boina, o grupo se chama de Peaky Blinders.

Quem pensa que se trata puramente de ficção está enganado. Knight, o criador da série (e de Locke, 2013), se apropria de alguns fatos e nomes para deixar a atração bem cravada na realidade. Os verdadeiros Peaky Blinders existiram desde antes da Primeira Guerra e acabaram presos ou derrotados por gangues rivais, como os Birmingham Boys ou a Gangue do Sabini. Mas o nome virou sinônimo de juventude violenta, podendo ser usado para descrever qualquer arruaceiro.

Na série, Tommy faz os planos, monta a logística e dá as ordens a seus soldados. Seu irmão mais velho, Arthur (Paul Anderson, de O Regresso, 2015), é o braço direito, e a tia Polly (Helen McCrory, de Skyfall, 2012) completa a liderança, com outros membros da família e funcionários das empresas Shelby participando da execução. E o que não falta para Tommy é desafeto, além de vez ou outra fazer alianças, o que proporciona participações especiais na série. Temos gente do peso de Sam Neill, Tom Hardy, Adrien Brody, Aidan Gillen, Noah Taylor, Paddy Considine e um surpreendentemente bom Sam Claflin.

Além das ótimas atuações, com atores escolhidos a dedo para representar as nacionalidades de seus personagens, temos uma fotografia urbana fantástica, ressaltando o que é necessário no momento, das ruas sujas e escuras a um salão de festas ornamentado e iluminado. Figurinos perfeitos completam o quadro, e temos uma ótima ideia do que era viver naquela época. Os costumes são muito peculiares, como entregar a arma ao entrar no parlamento e pegá-la de volta na saída. Todos andavam armados e cheiravam cocaína sem cerimônia.

Outro elemento que chama muito a atenção na série são as ótimas músicas que marcam as cenas, de alguns segundos a sequências mais longas. A trilha inclui clássicos (como Black Sabbath), versões de sucessos (como Wonderful Life e I’m No Good), grandes bandas mais recentes (como The White Stripes e Arctic Monkeys) e heróis do cenário independente, caso do ótimo Nick Cave com sua Red Right Hand. A faixa iria apenas aparecer no primeiro episódio, mas casou tão bem que foi adotada como tema da série.

Os assuntos tratados ao longo de Peaky Blinders vão se alternando entre questões familiares, rixas com outros grupos, negócios lícitos e ilícitos, amores, mortes e bebidas. Cerveja, gim e whisky são consumidos à vontade. À medida que a quinta temporada se aproxima, o tom político cresce e as coisas se tornam ainda mais interessantes, além de atuais. Isso torna a espera pela sexta temporada uma tortura. Segundo Knight, o planejamento prevê sete temporadas, chegando ao primeiro ataque aéreo a Birmingham na Segunda Guerra Mundial, que ocorreu em 25 de junho de 1940. É quando a saga dos Shelby termina.

Esses são alguns dos Peaky Blinders verdadeiros que inspiraram a série

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Programa do Pipoqueiro #49 – A Festa Nunca Termina

por Marcelo Seabra

Começando uma nova temporada, o Programa do Pipoqueiro destrincha a trilha sonora do filme A Festa Nunca Termina (24 Hour Party People, 2002) e oferece um passeio pelo cenário punk inglês. Aperte o play abaixo e divirta-se!

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HBO nos oferece dose dupla de Mark Ruffalo

por Marcelo Seabra

A HBO segue lançando séries para atrair quem está em casa, e as apostas não são baixas. A nova I Know This Much Is True (2020) traz Mark Ruffalo (o atual Hulk da Marvel) em papel duplo e o ator está ótimo em ambos. Na direção e roteiro dos seis episódios, temos Derek Cianfrance, que adapta o livro de Wally Lamb, creditado como produtor executivo. A atração, que tem tudo no lugar certinho, com uma produção impecável, tem apenas um defeito: a história é deprimente demais!

Apesar de ter outros filmes no currículo, Cianfrance ainda é muito lembrado por Namorados para Sempre (Blue Valentine, 2010), drama badalado que teve até indicação ao Oscar. Tanto esse quanto os demais trabalhos do diretor são muito tristes, com episódios relativamente pouco traumáticos, como o fim de um relacionamento, aos mais complexos, como assassinatos e perdas graves. Lamb criou um protagonista cujo irmão gêmeo é paranoico e esquizofrênico, a mãe foi acometida por um câncer, o pai é desconhecido, o padrasto é abusivo, a filha morreu e a esposa o deixou. É aí que conhecemos Dominick Birdsey, um pintor de paredes vivendo nos anos 90.

Ao contrário do que geralmente é feito quando um ator interpreta dois papéis, Cianfrance não quis ir revezando entre eles. A opção foi filmar todas as cenas de um irmão primeiro, dar tempo a Ruffalo para emagrecer e passar pelas transformações necessárias para só depois gravar a participação do outro irmão. Dessa forma, o ator pôde criar dois personagens distintos e bem ricos, com nuances e trejeitos próprios a cada um. A aposta no nome de Ruffalo em premiações da televisão é certa, talvez como coadjuvante e principal. Ele era fã da obra e foi acertadamente indicado pelo próprio autor.

Além da dose dupla de Ruffalo, o elenco inclui nomes bem interessantes. A mãe, uma figura muito presente, ficou a cargo de Melissa Leo (de O Vencedor, 2010 – ao lado), sempre muito delicada e amorosa, mesmo lidando com situações difíceis. A ex-mulher é vivida por Kathryn Hahn (de Capitão Fantástico, 2016 – acima), enquanto a atual namorada é Imogen Poots (de Sala Verde, 2015). E temos ainda Rosie O’Donnell (de A Escolha Perfeita 2, 2015), Archie Panjabi (de Run, 2020), Juliette Lewis (de Ma, 2019) e Bruce Greenwood (de Doutor Sono, 2019). Nomes não tão chamativos do grande público, mas muito competentes.

Quando a série começa, somos apresentados a todos calmamente, mas logo temos um episódio bizarro: Thomas, o irmão doente, se mutila em sacrifício e é internado num manicômio. Acompanhamos, então, a jornada de Dominick para ajudar Thomas, um martírio que ele conhece desde que nasceu e que já toma por natural. Ruffalo procurava um projeto para poder trabalhar com Cianfrance, que ele admirava, e encontrou o livro perfeito para adaptarem. Triste como o diretor parece gostar. Difícil de assistir, ainda mais em tempos tão desafiadores.

Gabe Fazio, amigo do diretor, fazia o outro irmão com Ruffalo

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Ben Affleck chega em casa em dose dupla

por Marcelo Seabra

Com um pequeno intervalo, chegam aos lares brasileiros dois longas estrelados por Ben Affleck, ambos com resultados bem próximos. Enquanto aguardamos para descobrir se o ator volta ao manto do Homem-Morcego para mais uma aventura da Liga da Justiça, é possível conferir seus trabalhos mais recentes em serviços de streaming. Na Netflix, temos A Última Coisa Que Ele Queria (The Last Thing He Wanted, 2020), estrelado por Anne Hathaway, enquanto no Now encontramos O Caminho de Volta (The Way Back, 2020), nova parceria com o diretor Gavin O’Connor (de O Contador, 2016).

Apesar de serem duas produções aparentemente bem cuidadas, soam mais como tortura do que como Cinema. A boa notícia é que são gratuitos – para quem já paga pelos serviços. O primeiro, dirigido por Dee Rees (do ótimo Mudbound, 2017), é baseado num livro da elogiada Joan Didion e traz a oscarizada Hathaway (de O Preço da Verdade, 2019) no papel principal. Tudo a favor, você pode pensar. O segundo, além de ter o diretor de Guerreiro (Warrior, 2011), conta com o roteirista Brad Ingelsby, do divertido Noite Sem Fim (Run All Night, 2015), escrevendo a respeito de redenção através do esporte. Bonitinhos, mas ordinários.

A Última Coisa Que Ele Queria nos apresenta a Elena McMahon, uma jornalista acostumada a cobrir conflitos bélicos que se revolta quando é designada para acompanhar uma eleição presidencial, a segunda de Reagan. Vendo aquilo como um castigo, ela joga tudo para cima e vai atrás do pai, que foi internado repentinamente num hospital. Não sabemos o que ele tem e não parece ser grave, mas é o suficiente para impedi-lo de seguir com seus negócios e a filha precisa entrar na jogada. A demente se joga de cabeça numa situação perigosa, criminosa, num país desconhecido e sem ter ideia de quem são os envolvidos.

Começa como um filme sobre jornalismo, a emoção de trazer a notícia ao público em casa, a revolta de ser penalizado por ir contra interesses econômicos dos poderosos. Aí, se torna um drama familiar, com uma filha num colégio interno e um pai ausente e doente. Para então se transformar num thriller de guerra no melhor estilo Graham Greene, ou ao menos pretender chegar perto disso. O mais triste é constatar a oportunidade perdida, já que o filme vira uma bagunça, atirando para todos os lados sem resolver nada do que se propõe. Bem longe do que escreveu Didion, que desenvolve seus temas com calma e consegue seguir um raciocínio mais lógico e compreensível.

O texto começa citando Ben Affleck, mas o ator tem pouco a fazer no filme. Com um papel pequeno para um rosto tão conhecido, sabemos que algo importante o espera, e logo vai chegar. E ficamos nessa expectativa até que, sem qualquer clímax, as coisas são apressadas e o filme acaba. E você se pergunta: o que um ator do calibre de Willem Dafoe (de O Farol, 2019) estava fazendo aqui? Affleck tinha pontos com a Netflix depois de Operação Fronteira (Triple Frontier, 2019), uma aventura interessante e bem amarrada. Com A Última Coisa Que Ele Queria, os rumos foram bem diferentes.

Em O Caminho de Volta, temos Affleck como protagonista. Ele é um sujeito quieto que trabalha na construção civil, toma uma cerveja com os amigos depois do expediente e à noite vai para casa dormir. Até aí, uma espécie de um Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997), enquanto o personagem estava “disfarçado”. A diferença é que ele fica bêbado de cair todos os dias e há vários traumas para explicar isso. É nesse momento que abrimos o caderninho dos clichês e vamos marcando um a um. Se um clichê frequente em dramas ainda não se apresentou, é só aguardar e você não se arrependerá.

Affleck vive Jack, um ex-jogador de basquete que era a promessa da escola, tinha ofertas de faculdades e acabou ficando por lá, num emprego visto como meia boca. Num belo dia de sol, ele é chamado pelo padre responsável pela escola, com quem não tinha contato há anos, para assumir o time de basquete. O auxiliar, que está segurando as pontas desde a saída do técnico oficial, tem um problema familiar que o impede de assumir, apesar de estar sempre lá. E a fama de beberrão de Jack, que já chegou a outras escolas da região, não é um impedimento para ele possa liderar vários jovens talentosos.

Os acontecimentos de filmes de esportes vão se seguindo, com os meninos conseguindo resultados melhores até começarem a vencer. Teremos as revelações do passado, os desafios, os novos baques, a desilusão… E, por fim, a redenção. Tudo esquemático, conveniente, acontecendo apenas porque é o que consta no roteiro. Em várias entrevistas, Affleck ressaltou o tanto que foi prazeroso fazer o longa, exorcizando experiências pessoais. Talvez, o ator tenha flertado com o alcoolismo, indo até não sei que nível. O método de ir trocando as latinhas do congelador é bem acurado, algo próprio de alguém experiente. Bom saber que o filme, ao menos para alguma coisa, serviu.

O técnico cobra raça, entre outros clichês

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Dupla corre para a HBO em Run

por Marcelo Seabra

Em abril, chegou à programação da HBO Run (2020), série criada por Vicky Jones e com Phoebe Waller-Bridge na produção e no elenco. A dupla, dentre várias parcerias, é responsável pela ótima Fleabag (2016), que por si só já é um ótimo cartão de visitas. Dessa vez, elas se voltam para uma dona de casa suburbana que abraça uma oportunidade de dar uma chacoalhada em sua vida fugindo com um antigo namorado e largando tudo pra trás.

À frente do elenco, temos um casal bem interessante. Enquanto Domhnall Gleeson (da nova trilogia Star Wars) já vem tendo bastante reconhecimento, Merritt Wever ainda carecia de uma boa oportunidade. Depois de diversos papéis menores (como em História de um Casamento, 2019), ela chegou a protagonista em Inacreditável (Unbelievable, 2019), mas ainda sob a sombra de Toni Collette. É em Run sua grande chance, e a atriz não faz feio. Num misto de anseio por liberdade e angústia por deixar o que construiu, incluindo aí filhos e marido, Wever deixa bem claro como a cabeça de sua Ruby está confusa. Ao mesmo tempo, ela aproveita o momento.

Gleeson, bem sucedido e perdido, faz um belo retrato de um dos tipos de sua geração. Ele é o sujeito que, através de insistência e apoios, construiu um nome e uma carreira. Ao ver o quanto tudo aquilo era vazio, foi ele mesmo tirar os tijolos de baixo e ver tudo desabar. E não sem antes dar uma cutucada em life coaches, profissão que cresce de forma desordenada e acaba acolhendo muita gente mal preparada que se coloca na delicada posição de aconselhar outras.

Com apenas sete episódios de aproximadamente 30 minutos, Run de fato passa correndo. O título explica a premissa da atração: no fim da adolescência, um casal desfeito faz um pacto. Se, a qualquer momento, um enviar a palavra “Corra” (Run) e o outro retribuir, eles deveriam se encontrar em Nova York. Depois de 17 anos, isso acontece. Eles obviamente não são mais os mesmos, muita água já rolou. Mas a química entre os dois é visível. Entre a comédia e o suspense, vamos acompanhando as decisões erradas que eles tomam, torcendo para que dê tudo certo, mesmo que não saibamos o que seria isso exatamente.

Além de produtora, Waller-Bridge aparece também como atriz

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Tigres e basquete movimentam a Netflix

por Arthur Abu

A Máfia dos Tigres (Tiger King, 2020) e Arremesso Final (The Last Dance, 2020) são produções originais Netflix lançadas nesse período de isolamento social já disponíveis no catálogo do serviço. Duas minisséries documentais, com altos índices de audiência, mas conteúdos muito distintos.

A Máfia dos Tigres

“Não é todo dia que um dono de zoológico é preso por encomendar um assassinato.” “Tem mais tigres presos nos EUA do que na natureza do mundo todo”. “Amantes de animais são loucos, totalmente loucos”. Assim anuncia o trailer de A Máfia dos Tigres, originalmente Tiger King: Murder, Mayhem and Madness.

A figura central é Joe Exotic, dono de zoológico, pseudo-cantor, apresentador de TV, entre outras coisas, que almeja se tornar uma celebridade a qualquer custo. Joe vive rodeado de animais selvagens, entre eles centenas de tigres. Existem ainda outros que compartilham desse estilo de vida exótico, como sua inimiga mortal, a ativista Carole Baskin, e o “guru” Doc Antle.

É de se imaginar que alguém que vive à margem da lei gostaria de manter pelo menos alguma discrição, mas as filmagens são tão extensas e, de situações às vezes tão ridículas, que é possível questionar a veracidade do que é retratado. O excesso de material e de depoimentos deixa a montagem um pouco confusa quanto à linha temporal e tenta induzir o espectador a certas insinuações. Vale dizer que vários dos protagonistas se sentiram enganados com o resultado final, assinado pelos diretores Eric Goode e Rebecca Chaiklin.

Quem se interessa por obras do gênero true crime, como Making a Murderer (2015), terá um prato cheio. Não faltam teorias e casos mal resolvidos, cultos com exploração sexual, tráfico de drogas e pessoas e acontecimentos bizarros.

É bem difícil sentir empatia pelos protagonistas humanos. O que prende é a curiosidade de saber até onde o circo vai. E vai longe. Mas, antes do fim, o espectador já está anestesiado e não se choca mais tão facilmente. A série perde o gás e o final é um pouco decepcionante, os animais acabam esquecidos no meio de tantas desavenças, tanto pelas personalidades excêntricas quanto pelo próprio espectador.

Arremesso Final

“Quem era Jimi Hendrix? Era o Michael Jordan da guitarra elétrica”. Uma fala que não dá para esquecer, de um filme do qual já nem me lembro mais. Como alguém que cresceu na década de 90, sei muito bem quem era Michael Jordan: assisti a Space Jam (1996) nos cinemas, tive um boné dos Chicago Bulls, nos treinos de educação física tentava ser o primeiro a falar “Eu sou Michael Jordan”.

Arremesso Final conta de forma bem detalhada o que aconteceu dentro e fora das quadras na era Michael Jordan, a era da supremacia dos Chicago Bulls no final do século XX. Temos depoimentos de vários ex-jogadores, jornalistas, donos de clubes, escritores, familiares e até do ex-presidente Barack Obama.

Assim como em A Máfia dos Tigres, o conteúdo é bem extenso e intimista. Mas é montado de uma maneira muito mais organizada: a narrativa vai e volta constantemente, tratando simultaneamente de acontecimentos em anos e às vezes décadas distintos, criando expectativa e tensão em cada época retratada.

Em Arremesso Final (ou A Última Dança, título original que se refere à temporada de 97-98), o time que já era cinco vezes campeão estava à beira de uma reformulação de elenco. Uma estratégia da diretoria e do gerente geral, Jerome Krauser, em uma época em que parecia inconcebível mexer em time que está ganhando. De uma maneira um pouco injusta, Krauser é retratado como o antagonista da história, pois até os adversários mais vorazes dos Bulls têm a chance de mostrar a sua versão, mas ele já era falecido antes da produção do documentário e fica sem seu direito de resposta, apesar de um ou outro sair em sua defesa.

Há um esforço para contar a história restante de outros membros do time, em especial Scottie Pippen, o polêmico Dennis Rodman e o técnico Phil Jackson. Mas os holofotes sempre acabam apontados para Jordan. Isso dá uma leve impressão de como se sentiam todos os jogadores da NBA da época: mesmo em seus melhores momentos, eles eram sempre coadjuvantes, dentro e fora das quadras.

Todos os 10 episódios já estão disponíveis na Netflix. Para grandes fãs de NBA e de Jordan, talvez seja uma boa experiência maratonar os episódios, um atrás do outro, e sentir uma fração da intensidade e pressão pela qual o astro vivia – e correr o risco de depois colocar o nome no filho de “Maicon Diordan”. Para os nem tão fãs, ainda sim é uma obra muito bem contada. O diretor Jason Hehir faz um belo tributo ao Chicago Bulls e ao maior astro da história da NBA.

Rodman, Jordan e Pippen na vitoriosa temporada dos Bulls

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Polanski reconta o caso Dreyfus

por Marcelo Seabra

Provas parcas e circunstanciais foram o suficiente para condenar um oficial francês ao exílio. Com o fim do julgamento, tudo volta ao normal e o sentimento de justiça feita deixa a sociedade feliz e satisfeita. E não se fala mais nisso. E se, de repente, outras evidências indicassem o contrário? Seria interessante reabrir um caso fechado com tamanho sucesso? Esse é o ponto de partida de O Oficial e o Espião (J’Accuse, 2019), premiado longa do diretor Roman Polanski.

Conhecido como “o caso Dreyfus”, o imbróglio francês já foi relatado em livros e filmes e ganha agora uma nova versão, extremamente bem produzida e atuada. Polanski repete a dobradinha com o escritor Robert Harris que funcionou muito bem em O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, 2010), com roteiro dos dois baseando-se num livro de Harris. Nos papéis principais, duas referências do país: Jean Dujardin (de O Lobo de Wall Street, 2013) e Louis Garrel (de Adoráveis Mulheres, 2019), ambos muito competentes.

Dujardin vive o Coronel Picquart, um sujeito comum que, apesar de estar na alta hierarquia do Exército, tem seus pecados. Ele mantém um romance duradouro com uma mulher casada (Emmanuelle Seigner, de Baseado em Fatos Reais, 2018) e também não vê judeus com bons olhos, preconceito frequente em seu meio. A diferença é que ele não se deixa levar apenas por seus valores, as provas fazem diferença. E Garrel, na pele de Alfred Dreyfus, faz um tipo irritante, nada simpático, o que certamente ajuda na forma como o veem. Não gostar de uma pessoa é o suficiente para condená-la?

Além dos nomes já citados, temos ainda Mathieu Amalric e Vincent Perez (ambos de No Portal da Eternidade, 2018) reforçando o elenco, além de uma ponta do próprio Polanski. A reconstituição de época, da urbana Paris à Ilha do Diabo, para onde mandavam os expatriados (inclusive o conhecido Papillon), é impecável, tudo pontuado pela elegante trilha de Alexandre Desplat (de Kursk, 2018). Os figurinos, cabelos e bigodes são bem realistas, e não faltam as celebridades da virada do século, como o escritor Émile Zola (André Marcon).

Polanski não só trabalha com vários colaboradores usuais, como a esposa, Seigner, mas também com uma trama que ele conhecia bem. Harris escreveu o livro por influência do diretor, que sempre foi fascinado pelo Caso Dreyfus. Apesar de toda a excelência que cerca a produção, Polanski ainda é um fugitivo, condenado por estupro, o que faz com que muitos se manifestem contra ele e seus trabalhos. Na premiação do César, no último janeiro, O Oficial e o Espião recebeu 12 indicações, o máximo possível, e levou três prêmios, entre eles o de Melhor Diretor. Poucas palmas foram ouvidas.

Dois vencedores do Oscar: Polanski dirige Dujardin

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Band of Brothers traz o melhor da HBO

por Alexandre Costa

Uma das melhores e mais premiadas séries do gênero de guerra, Band of Brothers (2001), está disponível na HBO para todos assistirem, sem necessidade de ter cadastro ou assinatura no canal. A série, que tem na produção a grande dupla Steven Spielberg e Tom Hanks (que também dirige o 5° episódio), conta a história da 101° Divisão Aerotransportada do Exército dos Estados Unidos, a Easy Company, durante a Segunda Guerra Mundial.

Baseada no livro de Stephen E. Ambrose, a série traz a perspectiva de vários personagens, se revezando. É uma superprodução de 10 episódios que narram a jornada eletrizante e angustiante da Companhia E, desde o seu treinamento ainda nos EUA à Europa, começando pelo Dia D até a rendição completa das potências do Eixo.

Em cada episódio, temos depoimentos de alguns veteranos da Easy Company, que mostram o verdadeiro inferno a que foram submetidos e ao qual conseguiram sobreviver. Para os amantes do gênero, a série é simplesmente perfeita. Uma produção impecável, com cenários de tirar o fôlego e batalhas extremamente reais, que te mostram um pouco da realidade de quem teve que lutar na Segunda Guerra Mundial.

As parcerias Spielberg e Hanks mostram sempre que eles não entram no jogo para brincar. Além de Band of Brothers, Spielberg dirigiu o fenomenal O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), com Hanks no papel principal, e os dois também foram produtores executivos da série The Pacific (2010), mais uma superprodução sobre a segunda guerra, agora no teatro de operações do pacífico, na luta dos EUA contra os japoneses. Resumindo, são as três melhores e mais bem cuidadas produções sobre a Segunda Guerra. Para quem gosta do gênero, são um prato cheio.

Damian Lewis e David Schwimmer são alguns dos nomes famosos do elenco

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Você Nem Imagina atualiza Cyrano na Netflix

por Marcelo Seabra

A peça francesa Cyrano de Bergerac, escrita em 1897 por Edmond Rostand, já teve diversas adaptações para o Cinema, sendo literais ou tomando certas liberdades. Uma nova produção distribuída pela Netflix se afastou o suficiente para nem precisar citar a fonte, mas a inspiração é óbvia. Você Nem Imagina (The Half of It, 2020) leva a trama para uma escola americana, onde um atleta se apaixona e não sabe como conversar com a menina. Até ter a brilhante ideia de pagar outra colega mais esperta para ajudá-lo.

Ellie Chu (Leah Lewis) é a estudante que passa batida pelos demais, mas é notada pelos professores. Inteligente e dedicada, e invariavelmente falida, Ellie faz diversas tarefas escolares para quem paga por isso, podendo ajudar o pai com o dinheiro levantado. Ela chega a fazer seis vezes o mesmo dever, o que exige uma criatividade sobre-humana e a coloca na mira da professora. Paul Munsky (Daniel Diemer) é um jogador de futebol americano bonzinho, mas pouco articulado, que inventa de se apaixonar pela linda Aster Flores (Alexxis Lemire), namorada do popular Trig (Wolfgang Novogratz) e filha do diácono local.

Para conseguir conquistar Aster, Paul pede ajuda a Ellie – e paga por isso. Aí, começa o velho esquema Cyrano, com uma pessoa escrevendo e a outra mostrando a cara. É onde aparece o talento da diretora e roteirista Alice Wu (de Livrando a Cara, 2004), que lida com a situação de forma bem espirituosa. Paul chega a conversar cara a cara com Aster, mas através de mensagens de celular, alegando ser tímido. Aster, muito interessada em cultura geral, pinta e lê livros dos quais Paul nunca ouviu falar, o que Ellie tira de letra.

Brincando com os clichês usuais de escola americana, Wu os subverte habilmente, trocando características entre eles para fugir de obviedades. Quem não tem facilidade com um assunto não é necessariamente burro, tendo aptidão em outra área. Paul, por exemplo, fica perdido em meio a livros e filmes, mas é um cozinheiro de mão cheia. Ellie acha fácil falar por outros, mas tem certa dificuldade quando a envolvida na história é ela própria. E a “inalcançável” Aster nos pega de surpresa ao afirmar ser “apenas uma garota”.

Com sequências sensíveis e momentos engraçados, Você Nem Imagina é uma grata surpresa na programação da Netflix, em meio a bombas inenarráveis despejadas lá todos os meses. O elenco, jovem, conta com filmes obscuros ou episódios pontuais de séries no currículo. Apesar da pouca experiência, mostram maturidade e podem estar no começo de uma carreira memorável. Wu, 16 anos após a primeira incursão, volta a escrever e a dirigir um longa e atinge um resultado bem acima do corriqueiro. É outra que está no caminho certo, atingindo um público mais amplo e marcando um gol no quesito diversidade.

O elenco é simpático e competente

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HBO nos traz Má Educação

por Marcelo Seabra

No último mês de setembro, Má Educação (Bad Education, 2019) teve sua estreia mundial no Festival de Toronto e os direitos de distribuição foram prontamente adquiridos pela HBO. A alta quantia, recorde no evento, logo chamou atenção para o longa e aumentou a expectativa do público.  Com a estreia recente no canal da TV a cabo, já podemos tirar nossas conclusões. Os 17,5 milhões de dólares foram bem gastos? Vários elementos combinados dizem que sim.

Baseado num artigo de Robert Kolker, publicado na revista New York, o roteiro de Mike Makowsky (de Take Me, 2017) nos leva a 2002, em Long Island, onde fica a Roslyn High School. Quarta melhor do país, a escola deve seu status ao superintendente local, Dr. Frank Tassone (Hugh Jackman), um sujeito simpático, boa pinta e admirado por todos. Tassone é a personificação do sucesso e é imediatamente associado a Roslyn, e ele faz questão de cuidar da aparência, preocupado como poucos.

Fazendo o trabalho diário sempre com o auxílio da sua braço direito, Pam Gluckin (Allison Janney), Tassone constantemente está disponível aos alunos e pais, agradando a comunidade como um todo. E não podemos nos esquecer que uma boa escola aumenta o valor dos imóveis na vizinhança, o que agrada o mercado e o chefe da junta escolar, Bob Spicer (Ray Romano), que é também um grande corretor imobiliário. Resumindo: todo o cenário escolar de Roslyn é um caso de sucesso.

Em algum momento, essa fachada de perfeição vai ruir. Um improvável trabalho jornalístico  revela o que seria o maior desvio de verbas do sistema de ensino norte-americano. Uma montagem competente nos apresenta o necessário para rapidamente nos conduzir à conclusão, dando a impressão de o filme ser mais curto que seus 110 minutos. Makowsky fala do que de fato conhece, tendo sido ele próprio aluno de Roslyn e conhecido as figuras retratadas. Nenhum deles teve envolvimento com a produção.

À frente do elenco, Hugh Jackman faz um trabalho excepcional. Em nada, ele lembra seu Wolverine (visto por último em Logan, 2017), estando bem mais magro e lutando contra um leve envelhecimento. Sempre bem vestido, Tassone é um homem de modos requintados, calculados, e Jackman contribui com todo o seu carisma para torná-lo tridimensional. Janney (Oscar por Eu, Tonya, 2017) traz uma determinação agradável, nos fazendo gostar dela mesmo quando suas ações são reprováveis. Romano (de O Irlandês, 2019) completa o trio principal com um jeito manso, quase um tio bonachão, aquele que sempre espera o melhor das pessoas.

Má Educação toca em alguns assuntos muito interessantes. Vemos, por exemplo, o que o excesso de liberdade ao lidar com dinheiro pode fazer com um indivíduo. E a segurança que uma pessoa vaidosa tem naturalmente, se achando mais inteligente que as demais. E é sintomático perceber o quanto pessoas hipócritas apoiam o trabalho jornalístico só até que suas maracutaias sejam descobertas. Esses são alguns dos motivos para conferir o longa. Diretor do elogiado Puro-Sangue (Thoroughbreds, 2017), Cory Finley vai se consolidando como um nome para se acompanhar.

Diretor e roteirista dão uns toques a Hugh Jackman

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