Ralph Fiennes estreia na direção com Shakespeare

por Marcelo Seabra

De fato, Jessica Chastain parece onipresente – Os Infratores (2012) passou há pouco pelos cinemas. E mais um filme com a participação da atriz chega às locadoras. Mas, desta vez, os holofotes estão em Ralph Fiennes: o ator faz sua estreia como diretor em Coriolano (Coriolanus, 2011) e ainda protagoniza o longa. Nada melhor, para fazer bonito, que se cercar de gente competente e ainda usar uma história de Shakespeare que parece mais atual hoje que quando foi escrita, tamanha a sua relevância.

Caio Márcio (ou Caius Marcius) foi um general romano que livrou a cidade de Corioli do povo volsco, ganhando por isso o apelido Coriolano. O problema é que os romanos passavam por um período de escassez de comida, eram afligidos pela fome e procuravam um bode expiatório. Como Caio não era um tipo muito simpático ou generoso, acabou sendo apontado como o culpado-mor de todas as agruras e foi expulso da cidade. Deixando para trás a mãe, a esposa e o filho, o general busca asilo na cidade vizinha, inimiga, e prepara sua vingança.

Acredita-se que a história tenha sido escrita em torno de 1608, mas o roteirista John Logan (de A Invenção de Hugo Cabret, de 2011) faz o que funcionou muito bem, por exemplo, em Romeu + Julieta (1996), 10 Coisas que Odeio em Você (1999) e Ricardo III (1995): ele moderniza a trama. O que mais se vê nos telejornais é guerra, imagens desoladoras de países se destruindo por razões diversas (geralmente, dinheiro ou religião), e a tragédia de Coriolano tem seu lugar garantido. Outra característica interessante da peça é o retrato do poder e sua efemeridade – as coisas mudam muito rápido.

Em frente às câmeras, Fiennes (o chefe do MI6 em Skyfall) está fantástico, variando entre um estado contemplativo (friamente calculado) e a explosão extrema. Ele é um bruto que só sabe lidar com a violência, empregando sua inteligência e astúcia a serviço de seu nacionalismo e contra quem se colocar no caminho. Jessica vive Virgínia, a esposa, e a veterana Vanessa Redgrave (de Cartas para Julieta, 2010) fica com o papel de mãe de Caio, a forte Volumnia. Ambas disputam espaço com Fiennes de igual para igual, e ainda cabem em cena o ótimo Brian Cox (de Os Candidatos, 2012) como o político Menenio, e Gerard Butler (Código de Conduta, 2009), que não fede nem cheira como o general inimigo. James Nesbitt (de Domingo Sangrento, 2002), o venenoso Sinício, também merece ser mencionado.

Coriolano funciona para quem aprecia o bardo inglês e para quem nunca chegou muito perto de sua obra. Não precisa ser um iniciado para se interessar por uma história que valoriza o ser humano, com suas qualidades e defeitos, e é bem recheada de ação. As cenas de guerra têm um quê de urgência e caos e o uso de imagens de televisão é acertado, reforçando a atualidade daqueles fatos. Fiennes não costuma ligar seu nome a obras de pouca qualidade e não foi dessa vez que derrapou. Pelo contrário, mostra um futuro promissor como cineasta.

Até a família se ajoelha diante de Coriolano

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Clint Eastwood volta a atuar para outro diretor

por Marcelo Seabra

Qualquer filme com Clint Eastwood vai conseguir um bom público, independente do assunto abordado. Ele conquistou essa confiança como ator e diretor com décadas de uma carreira de diversos acertos. Logo, Curvas da Vida (Trouble With the Curve, 2012) já tem elogios reservados desde antes da estreia. Após a sessão, fica a dúvida: por que Eastwood toparia participar de uma obra tão correta, tão convencional, e tão sem vida? O longa é bem amarrado, bem filmado e tudo parece funcionar corretamente. Mas aprendemos a esperar mais audácia dele. E nem precisava ir muito longe, bastava ser menos previsível.

Atuando no primeiro filme que não dirige desde 1993, ano de Na Linha de Fogo (In the Line of Fire), Eastwood traz características de seu personagem do ótimo Gran Torino (2008): um homem amargurado, arredio, que começa a ter problemas de saúde devido à idade avançada. Ele tem uma filha (Amy Adams, de Na Estrada, 2012), que é recrutada por seu chefe (John Goodman, de Argo, 2012) para acompanhá-lo em uma pequena viagem. O trabalho de Gus Lobel é descobrir talentos para um time grande de beisebol entre jogadores de ligas estudantis. Mickey, a filha, está contando com uma promoção a sócia da firma de advocacia para a qual trabalha, mas encontra tempo para dar uma fugida e acompanhar o pai pelo interior para conferir o talento de uma estrela em ascensão. Seguem-se inúmeras discussões entre os dois, rumo a revelações familiares e acertos de contas, com direito a imagens do jovem Clint.

Quem viu O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011) sabe que há um certo embate entre o pessoal da velha guarda, que assiste aos jogos e dá um veredicto, e os mais jovens, que usam tecnologia e estatísticas para definirem novas contratações. Isso fica muito claro aqui, com Matthew Lillard (de Os Descendentes, 2011) como o babaca no computador que não se cansa de repetir que Gus está ultrapassado. Temos ainda o gerente geral, vivido pelo eterno T-1000 Robert Patrick, e está completa a equipe do Atlanta Braves. Na concorrência, aparece Justin Timberlake (de Amizade Colorida, 2011), que faz o possível como o olheiro inexperiente de outro time que acaba acompanhando seu antigo mentor e se apaixona por Mickey.

Não há problemas técnicos em Curvas da Vida que possam fazer alguém se chatear, e os atores estão bem à vontade em cena. O grande problema é o roteiro, do estreante Randy Brown, que cumpre todas as obrigações que um roteirista deve observar, mas fica longe de ser minimamente inovador ou cativante. Depois de 15 minutos de projeção, quando o longa insiste irritantemente em explicar tudo o que está acontecendo com diálogos desnecessários, é possível prever exatamente quais caminhos Brown vai seguir até chegar na açucarada conclusão. Fica a impressão de que se trata de uma comédia romântica que usa Eastwood como chamariz de público, para em seguida deixá-lo de lado. Robert Lorenz, que faz aqui sua estreia na direção, tem bastante experiência como produtor, assistente de direção e diretor de segunda unidade, inclusive em diversas parcerias com Eastwood. A amizade entre eles deve ter garantido essa nova colaboração. Ou o ator apenas estava com vontade de contar uma história simples, bonitinha, que fizesse os espectadores se sentirem bem e irem embora com um sorriso no rosto.

Todo mundo sabe no que isso vai dar

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Ruby Sparks é uma grata surpresa

por Marcelo Seabra

Dizer que o filme é uma comédia romântica já depõe contra logo de cara, e pode diminuir o público interessado. Mas há vida inteligente no gênero, como prova Ruby Sparks – A Namorada Perfeita (2012), em cartaz nos cinemas. A atriz e agora produtora e roteirista Zoe Kazan, neta do cineasta Elia Kazan, escreveu uma bela e fantasiosa história sobre um relacionamento e ficou com o papel-título, colocando como seu par o namorado Paul Dano. Fica aquela suspeita de que algo ali pode ser inspirado na vida do casal, e deve ser, mas é impossível apontar os trechos exatos. E nem vem ao caso.

Calvin (Dano) é um escritor que, como Salinger, é perseguido pelo grande sucesso que teve logo no primeiro livro, lançado quando ele tinha apenas 19 anos. Dez anos depois, ele luta para bolar o sucessor, mas não sai nada. Um sonho com uma bela menina o faz começar a colocar no papel as características dessa nova personagem, que começa a ganhar detalhes cada vez mais específicos e até um nome, Ruby Sparks. A Ruby idealizada por Calvin é tão perfeita para ele que o criador se apaixona pela criatura, e a maior surpresa é quando ela se materializa na frente dele.

Como sempre faz, Calvin vai à cozinha tomar o café da manhã e se depara com Ruby (Zoe), de carne e osso, cozinhando. A menina age naturalmente, sem consciência do evento extraordinário que sua presença representa, e Calvin passa a achar que está louco. Quando Ruby mostra poder interagir com outras pessoas, Calvin para de se questionar e entra de cabeça no namoro. A partir daí, o roteiro de Zoe Kazan segue caminhos interessantes e propõe reflexões sobre um relacionamento a dois. Calvin passa a se questionar sobre o que busca em uma mulher e isso o leva a mexer na personalidade de Ruby, recorrendo à máquina de datilografar sempre que uma mudança se faz necessária.

Apesar de ter uma personagem-título altamente fantástica, todos os outros são pessoas comuns, com reações normais. O que começa parecendo um conto de fadas logo se mostra um drama, já que Calvin se vê prejudicado por seu egoísmo. Muitas vezes, as pessoas querem ao seu lado alguém que viva em função delas, alguém tão perto da perfeição que não é possível que exista. E ninguém iria aguentar viver com um parceiro perfeito, que ressaltasse o tempo todo suas próprias imperfeições e carências. Não seria surpresa descobrir alguma ligação desta obra e Woody Allen, já que o estudo psicológico bem humorado se assemelha ao universo do cineasta, que também já visitou realidades ligeiramente mágicas, como em A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985), Contos de Nova York (New York Stories, 1989) e o recente Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011).

Dano, grande destaque de Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), sugeriu os diretores com quem trabalhou em Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006), Jonathan Dayton e Valerie Faris, e assim estava formado o núcleo principal do longa. Para completar o elenco, entram Annette Bening (de Minhas Mães e Meu Pai, 2010), Antonio Banderas (de O Príncipe do Deserto, 2011), Elliott Gould (de Contágio, 2011), Steve Coogan (de Os Outros Caras, 2010) e Chris Messina (de Argo, 2012), entre outros. Dayton e Valerie, também um casal da vida real, mais uma vez demonstram ter uma sensibilidade bem apropriada para histórias bem construídas e críveis, mesmo partindo de uma premissa surreal, como é o caso aqui.

O irmão se certifica que a nova namorada de Calvin é real

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Bom policial com bons policiais

por Marcelo Seabra

Em cartaz nos cinemas, Marcados para Morrer (End of Watch, 2012) traz uma história ficcional que busca mostrar a realidade de policiais trabalhando em um distrito violento de Los Angeles. Tirando um exagero ou outro, o longa é bem sucedido em sua missão e, ao contrário de diversas produções recentes, é protagonizado por personagens decentes que realmente trabalham duro para proteger os cidadãos. Por isso, deve agradar, além do público em geral, aos próprios policiais, que frequentemente são mostrados como seres piores que os bandidos que prendem.

Um sujeito como David Ayer não pode ter seu próximo trabalho recebido com apenas boas expectativas. Ele faz questão de ser lembrado por Dia de Treinamento (Training Day, 2001), longa elogiado que deu a Denzel Washington um Oscar de melhor ator. Mas, ao mesmo tempo, ele escreveu e dirigiu Tempos de Violência (Harsh Times, 2005), uma bomba que nunca chega a lugar nenhum e dá raiva em que assiste. Entre as duas funções, ele participou de produções divertidas e esquecíveis como Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious, 2001) e SWAT (2003) e de outras aborrecidas e até ruins, caso de A Face Oculta da Lei (Dark Blue, 2002) e Os Reis da Rua (Street Kings, 2008).

Em Marcados para Morrer, Ayer escreve e dirige e conta com Jake Gyllenhaal (de Contra o Tempo, 2011) e Michael Peña (de O Poder e a Lei, 2011) como parceiros que patrulham as ruas pelo departamento de polícia de Los Angeles. O roteiro é muito competente ao construir a relação dos dois, fica muito claro que eles fariam o necessário um pelo outro, como supostamente acontece na vida real. Acompanhamos a rotina da dupla ao longo do que parecem ser meses, já que o tempo vai passando. Enquanto isso, os personagens vão ganhando mais profundidade, sempre enfrentando os riscos da profissão. Eles devem ser os mais motivados e azarados policiais do departamento, já que um dia na vida deles parece ser mais movimentado que a carreira inteira de muitos.

Como o título nacional mal atribuído entrega, algumas ações de rotina dos dois vão colocá-los em rota de colisão com um importante cartel mexicano. Até que se chegue no terço final, há tiroteios, incêndios e mortes, movimentando bem a exibição. As imagens “profissionais” são mescladas com a câmera de Taylor (Gyllenhaal), que alega estar fazendo um curso de cinema e tem um projeto relacionado ao seu dia a dia. Nada de filmagens encontradas, que tudo indica ser uma moda ultrapassada. É apenas um recurso usado por Ayer para dar um ar mais verídico à produção, além de servir para Taylor provocar um colega com quem tem atritos usuais.

Além de um roteiro bem amarrado e uma direção segura de Ayer, Marcados para Morrer é muito beneficiado por seus atores. Peña e Gyllenhaal dividem a responsabilidade com equilíbrio, ambos com ótima presença em cena e uma química interessante e necessária aos papéis. As garotas que os acompanham, Natalie Martinez (de Corrida Mortal, 2008) e Anna Kendrick (de 50%, 2011), cumprem a pequena tarefa que lhes cabe, assim como os outros policiais que aparecem, nada abaixo da média. Como o próprio filme.

Momento de descontração em meio a rotina violenta

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Cosmópolis ganha uma adaptação fiel de Cronenberg

por Marcelo Seabra

Quando se pensa em negociações de grande vulto no mercado financeiro, logo vêm à mente aquelas imagens de Wall Street, gente gritando e fazendo gestos de compra e venda no ar. Ao que parece, esse nível de emoção só cabe a quem está na linha de frente. Os magnatas por trás do negócio não têm essa excitação. É isso que entendemos ao assistir a Cosmópolis (2012), adaptação do livro de Don DeLillo que acompanha um bilionário por uma Manhattan ligeiramente futurista e distópica.

Tendo dirigido Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991) e Crash – Estranhos Prazeres (1996), David Cronenberg já mostrou não se intimidar ao levar um livro à tela grande. Estes são apenas dois exemplos mais complicados em uma lista de autores que, além de William S. Burroughs e J.G. Ballard, das obras acima, inclui até o popular mestre do terror Stephen King (de A Hora da Zona Morta, 1983). DeLillo não seria um desafio menor, com uma história que se pretende uma crítica ao capitalismo quase totalmente ambientada em uma limusine gigantesca devidamente modificada para atender às vontades e excentricidades de seu dono.

Para muitos uma negação completa, o “vampiro” Robert Pattinson se mostra uma escolha acertadíssima para o papel principal. Quem acompanha a novela Crepúsculo sabe que o ator não é famoso por seus recursos dramáticos, muito pelo contrário. Eric Packer é tão rico que sua relação com dinheiro é algo incompreensível para reles mortais, e sua conta bancária influencia diretamente o seu comportamento. Ele compra um avião antigo de 33 milhões de dólares que não pode nem sair do chão, mas poder observá-lo já o satisfaz. Ele é tão hipocondríaco que tem consultas médicas todos os dias, mesmo dentro de sua limusine, chegando a fazer um exame de próstata. Tudo isso sem demonstrar nenhuma emoção, nada mais que um pequeno incômodo. Ah, e uma pessoa com tanto dinheiro e poder não podia deixar de fazer sexo desenfreadamente, uma coisa parece amarrada à outra, mas com ainda menos emoção que o tal exame.

Como um rei, Packer se refere a si mesmo como “nós”, e “nós precisamos de um corte de cabelo”. Por esse motivo prosaico, ele decide atravessar a cidade em meio a eventos como a visita do presidente, o funeral de um rapper famoso e manifestações anarquistas, sempre cercado por seguranças e conduzido pelo motorista. A limusine serve como uma extensão de seu escritório e ele aproveita para receber funcionários e despachar com eles, tamanha é a jornada rumo à barbearia. O trânsito é tão lento que é possível sair, almoçar com a esposa (que aparece magicamente por pontos na cidade) e voltar para onde estava. A realidade desta Manhattan é realmente algo muito estranho. E entre os coadjuvantes estão atores interessantes como Paul Giamatti, Mathieu Amalric, Juliette Binoche e Samantha Morton, mas seus personagens nem sempre são bem definidos, além dos diálogos serem pretensiosos, falsos e não chegarem a lugar nenhum.

A estreia de Cosmópolis no Brasil foi adiada algumas vezes e parecia que o longa chegaria direto nas locadoras, e uma rápida passagem pelos cinemas acabou acontecendo. Mas foi tão rápida que o longa já está disponível para locação, para todos que perderam a oportunidade. A falta de destaque ou promoção, provavelmente, deve-se ao fato de se tratar de uma obra aborrecida e cansativa, mesmo não sendo tão longa. É consenso entre a crítica internacional que trata-se de uma adaptação muito fiel do livro de DeLillo e que Cronenberg mostra domínio total de seu trabalho, mas isso de forma alguma significa um filme interessante, divertido ou mesmo instigante.

Apesar do empenho de Cronenberg e equipe, a recepção em Cannes não foi das melhores

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Selvagens de Oliver Stone traz a violência das drogas

por Marcelo Seabra

Um conceito pode variar de acordo com o ponto de vista de quem o analisa. Selvagem, por exemplo, pode ser usado para definir traficantes de drogas que decapitam seus rivais. Ou para dois jovens amigos que dividem a mesma namorada sem qualquer tipo de rixa. No novo filme de Oliver Stone, é exatamente isso que acontece: em Selvagens (Savages, 2012), todos se vêem como certos, e o outro está errado. Afinal, até um psicopata mercenário tem direito de opinar, por mais louco que ele seja.

Stone é responsável por inegáveis clássicos do Cinema recente, como Platoon (1986) e Wall Street (1987). Mas também responde por longas cansativos, como Nixon (1995) e Alexandre (2004), que parecem ser feitos para agradar a si mesmo. Se mais alguém gostar, melhor. Selvagens entra nesse time, sendo desnecessariamente longo, com um roteiro que parece ter sido escrito até a metade, deixando as coisas acontecerem dali em diante, como se os personagens tivessem vida independente. Partindo do livro de Don Winslow, Stone, Shane Salerno (Shaft, 2000) e o próprio autor escreveram esse conto sobre o mundo das drogas, onde as autoridades parecem não ter autoridade alguma e são os chefões que fazem as regras e estabelecem o jogo. Se você quiser entrar, é preciso estar preparado para o pior.

Para viverem os protagonistas, foram convocados jovens atores que têm tido destaque em outras produções, mas não saem do piloto automático aqui. Taylor Kitsch (esquerda), apesar de Battleship (2012), viveu John Carter no longa divertido e injustiçado de mesmo nome (2012), além de ter feito um bom trabalho na série Friday Night Lights. E Aaron Johnson (direita) apareceu para o mundo ao mesmo tempo como John Lennon em O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2009) e como um super-herói improvisado em Kick-Ass (2010), duas boas e carismáticas interpretações. Os dois vivem Chon e Ben, dois amigos que têm personalidades bem diferentes, porém complementares. Chon é um ex-militar fortão e predisposto à violência, enquanto Ben é o cabeça do esquema, um budista que usa parte do dinheiro ganho com o cultivo e comércio de uma ótima maconha para ajudar comunidades pobres pelo mundo.

A narração sem propósito é provida pela namorada de Ben e Chon, Ophelia, vivida pela bela e inexpressiva Blake Lively (a namorada do Lanterna Verde, de 2011). A primeira coisa que ela diz é que não é porque está narrando que ela termina a história viva, e em momento algum importa se ela morre ou vive. Estamos mais preocupados com os coadjuvantes que vão aparecendo, cada um mais caricato que o outro. John Travolta parece constrangido como o agente federal corrupto, Salma Hayek se diverte como a perua violenta que comanda um dos piores cartéis do mundo e Benicio Del Toro grunhe suas falas por trás de um bigode terrível. Outros atores relevantes são Demián Bichir (Uma Vida Melhor, 2011), Emile Hirsch (Na Natureza Selvagem, 2007) e Shea Whigham (Boardwalk Empire), mas eles pouco podem fazer com o que lhes cabe.

A trama engrena uma sucessão descontrolada de ações de ambos os lados quando Ben e Chon se recusam a ter o negócio dominado pela turma de Elena (Salma) e ela manda sequestrarem Ophelia, como forma de pressioná-los. Além de se arrastar por mais de duas horas, Selvagens ainda se dá o direito de ter dois finais, como se Stone tivesse ficado em dúvida sobre qual usar e acabasse usando ambos. A conclusão nada satisfatória mostra que o diretor deve ter ficado com medo de usar o material do livro, ou talvez tenha sido pressão do estúdio. Stone anda devendo um bom trabalho desde a década de 90, mas ele tem estado mais preocupado com os governos de países das Américas do Sul e Central, que renderam os documentários Ao Sul da Fronteira (2009) e Castro in Winter (2012). Se ele demorar demais a voltar à boa ficção, pode não ter mais ninguém aguardando.

Esta perfeita vida a três não poderia durar muito

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Argo é mais um acerto de Affleck na direção

por Marcelo Seabra

Como ator, Ben Affleck nunca fez nada além de correto, nenhum de seus esforços chamou muita atenção. Como diretor, no entanto, ele vem fazendo trabalhos cada vez melhores, tendo um reconhecimento que até então não conhecia. Argo (2012), que estreia nos cinemas esta semana, chega acompanhado por um burburinho de Oscar, tamanha é a qualidade da obra. Mesmo sendo baseado em um fato hoje amplamente divulgado, o longa não deixa de ter frescor e ineditismo: o que importa não é o final, mas como se chegou lá.

A história começa no fim da década de 70, quando Reza Pahlavi havia acabado de ser deposto do poder no Irã e devia à população explicações sobre as diversas atrocidades que cometeu. Quando o povo passou a pedir a cabeça do antigo líder, ele se aproveitou da saúde debilitada e pediu asilo político nos Estados Unidos e se internou. Com isso, os americanos arrumaram um grande problema: todos os cidadãos residentes no Irã passaram a ser ameaçados, a embaixada do país foi invadida e os funcionários se tornaram reféns, acusados de espionagem.

O único dos prédios da embaixada que tinha ligação direta com a rua permitiu a um grupo de seis diplomatas fugirem pouco antes da invasão. Eles conseguiram se esconder na casa do embaixador canadense e lá ficaram por muitos dias, aguardando uma forma de saírem do país. Aí, entra o plano mirabolante de um especialista do governo em retirar pessoas de situações complicadas, como esta. Na impossibilidade de uma saída melhor, ele planeja forjar uma produção de cinema, com o auxílio de profissionais da área, para simular uma visita com fins culturais ao Irã e, assim, poder resgatar os “hóspedes” do embaixador.

Uma das vantagens de ser o diretor é poder definir qual papel ficará para si mesmo, e Affleck tem sido bem esperto. Assim como em Atração Perigosa (The Town, 2010), ele consegue ficar com um personagem ao mesmo tempo discreto, dentro de suas habilidades, e importante para a trama, e cumpre bem sua função. Quanto mais perto de ser o “cara normal”, mais o Affleck ator acerta (caso de A Grande Virada, 2011). A caracterização de todo o elenco é fantástica, e isso é muito importante para se contar essa história, já que o período tem uma identidade visual bem específica, com roupas, cabelos e bigodes bem peculiares. Ao final da exibição, é possível conferir imagens de arquivo dos protagonistas e das situações narradas, e o detalhismo na reconstituição é fantástico.

No elenco, temos a satisfação de ver o astro da TV Bryan Cranston (de Breaking Bad – ao lado) em um papel com um pouco mais de relevância que os que ele anda fazendo, caso de O Vingador do Futuro e Rock of Ages, por exemplo. Os veteranos John Goodman e Alan Arkin exibem a segurança habitual e são os responsáveis pelos momentos de bom humor, inclusive com tiradas ácidas sobre Hollywood e o mundo do Cinema. Como muitos figurões do governo se envolveram com o episódio, mesmo que de passagem, há várias participações pequenas, caso de Philip Baker Hall, Kyle Chandler e Bob Gunton. E abre-se a possibilidade de fazer uma bem fundamentada crítica ao fato de os Estados Unidos posarem de polícia do mundo e exemplo de ética e bom comportamento, o que não passa de balela. Apesar do assunto sério, o longa nunca deixa de entreter.

Os dizeres “Baseado em uma história real” sempre trazem uma dúvida: o que foi aumentado para propósitos dramáticos e o que realmente aconteceu? O roteirista Chris Terrio colocou alguns obstáculos a mais no caminho dos personagens, mas a verdade é que Argo, mesmo com pequenos exageros para aumentar o suspense, é ótimo cinema. E Ben Affleck, como o colega George Clooney (que entra aqui como produtor), merece ser acompanhado de perto como diretor.

Goodman, Arkin, Affleck e Cranston na premiere em Nova York

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A mágica de Mike é para maiores

por Marcelo Seabra

Quando o premiado Steven Soderbergh (de Traffic, 2000) anunciou que faria um filme sobre strippers masculinos, muita gente não ficou muito animada. E mais: ele usaria livremente experiências de seu novo ator-fetiche, Channing Tatum, com quem colaborou em A Toda Prova (Haywire, 2011). Tatum realmente trabalhou como stripper quando tinha 19 anos e contribuiu com o roteirista estreante Reid Carolin. Juntos, eles criaram Magic Mike (2012), longa bem feito que equilibra acertos e derrapadas, ficando na média.

Tatum vive Michael Lane, um sujeito bem ativo que se divide entre criar móveis e consertar telhados de dia e tirar a roupa à noite, quando ele assume a persona de Magic Mike. Em uma obra, Mike conhece Adam, um garoto sem rumo que ele acaba levando para a boate, sob sua tutela. Dallas, o chefe, o aceita e logo o coloca em uma espécie de treinamento. Adam passa, então, a ser mais uma atração da casa, que conta com outros três ou quatro fortões. Paralelamente, Mike, que tem um caso esporádico com uma bela psicóloga, começa a se interessar pela irmã mais velha de Adam, o que o faz pensar na vida que leva e em suas metas.

Talvez pelo fato de ser algo familiar, Tatum entrega aqui sua melhor atuação – o que ainda não é muito. Mike é o estereótipo do cara bacana, que defende os seus e é extremamente íntegro e educado. Sem exageros e com um pouco mais de expressão que seus trabalhos anteriores (como em G.I. Joe, de 2009), o ator consegue construir um personagem interessante, mesmo que não o conheçamos tão bem. Sabemos o suficiente para entender que, aos 30 anos, ele esperava mais da vida, mas se acomodou. E Alex Pettyfer (acima, de vermelho), depois de aventuras adolescentes como Alex Rider Contra o Tempo (2006) e Eu Sou o Número Quatro (2011), mostra que pode dar um pouco mais de profundidade a seus papéis. Como Adam, ele deixa pistas de que pode vir a ser um bom protagonista entre adultos. O longa ainda marca a melhor atuação também de Matthew McConaughey (de O Poder e a Lei, 2011), que parece se divertir bastante como Dallas, o dono da boate.

Soderbergh vem pulando entre gêneros e se alterna entre projetos de grande orçamento e outros mais discretos, mas é possível ver temas voltando à mesa. Alguns elementos de Magic Mike foram discutidos em Confissões de uma Garota de Programa (The Girlfriend Experience, 2009) e até na turma de Danny Ocean na trilogia do Segredo. Os personagens começam envoltos em glamour, com o tempo seus dilemas são mostrados e percebemos que aquilo pode funcionar por um período, não para sempre. A ideia é fazer um pé de meia e investir onde realmente se tem interesse. O diretor tenta ser realista e evitar clichês, o que às vezes é possível. Mas falha em não conseguir criar uma conexão entre personagem e público e entrega um longa emocionalmente distante. Depois de algum tempo, você quer mais é que Mike e os colegas peladões sumam da sua frente.

Estes são os garotões do clube de mulheres

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Nova animação de Tim Burton mantém o alto padrão

por Marcelo Seabra

Em 1984, quando era um animador nos estúdios Disney, Tim Burton fez um curta que foi tido como muito assustador para o público mais novo e acabou demitido. Quase trinta anos depois, o diretor lança seu Frankenweenie (2012), a versão longa daquele experimento, curiosamente produzido pelos executivos da mesma Walt Disney Pictures. Os tempos são outros e, hoje, todos querem produções sombrias que consigam agradar a uma audiência mais ampla. O fato de ser uma animação sobre um garoto e seu cachorro pode atrair crianças, mas a história, as referências e a qualidade vão trazer os adultos.

Burton já produziu duas ótimas animações em stop-motion, O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993) e A Noiva Cadáver (Corpse Bride, 2005), a última também dirigida por ele. Depois de lançar os duvidosos Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010) e Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), Burton voltou a um velho projeto e usa a técnica que já domina tão bem, fazendo a primeira animação em stop-motion em IMAX 3D e em preto e branco. O roteirista John August, em sua quinta parceria com o diretor, foi chamado para desenvolver o roteiro do curta original, de Leonard Ripps, que era baseado em uma ideia original do próprio Burton. Outro antigo colaborador do diretor, Danny Elfman, entrou em campo para criar a trilha sonora.

O protagonista de Frankenweenie é Victor, um garoto de uma cidadezinha que parece ter servido também para filmar Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990). Os colegas de escola parecem todos saídos de filmes de terror, e no entanto é Victor quem é visto como diferente. Ele não tem interesse por esportes e é muito bom em ciências, o nerd de sempre. Quando seu cachorrinho, Sparky, é atropelado e morre, Victor decide usar a lições do professor Rzykruski para trazê-lo de volta. Logo, ele vai perceber que as consequências desse ato serão grandes e desastrosas.

Os pais de Victor são bem compreensivos, daqueles que todo mundo gostaria de ter. Mas o resto da cidade não é exatamente inteligente. Os garotos da escola são extremamente interessantes, cada um com suas peculiaridades, e alguns são bem espertos. Mas os adultos, de uma forma geral, são tipos bem tapados, que agem no impulso inicial, só reforçando estereótipos. Bem no estilo dos filmes clássicos de terror, que traziam hordas de aldeões com tochas querendo queimar o monstro local, um pouco como visto recentemente também em Paranorman (2012).

Burton aproveitou a oportunidade para escancarar a paródia ao Frankenstein de 1931 e também a A Noiva de Frankenstein, de 1935. Tributos não faltam, vários monstros clássicos são homenageados, seja em cenas rápidas ou com coadjuvantes bem utilizados. Da múmia aos Gremlins, passando por Drácula e lobisomem, todos têm uma chance, e até Christopher Lee aparece. O ídolo de Burton, Vincent Price, aparece como o Sr. Rzykruski (ao lado), uma caracterização perfeita com a voz de Martin Landau, o ótimo intérprete de Bela Lugosi em Ed Wood (1994). Há, inclusive, um bichinho de estimação com o nome Shelley, apenas para lembrar Mary Shelley, a autora de Frankenstein. E Sparky tem o visual “emprestado” de um desenho produzido por Burton em 1993, Vida de Cachorro (Family Dog).

Vale reforçar que, se fosse apenas um amontoado de referências e homenagens, Frankenweenie não conseguiria um resultado tão satisfatório. Os elementos usados têm harmonia, tudo tem seu lugar e sua importância. Há momentos de humor e de tensão, bem equilibrados, e Burton mostra mais uma vez do que é capaz quando está inspirado: entretenimento inteligente que pode agradar a diferentes tipos de público. E há de se exaltar a sábia decisão dos exibidores, que disponibilizaram cópias legendadas, para quem não gosta de filme mutilado.

Tim Burton prestigia o lançamento de seu novo longa

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Você conhece um dybbuk?

por Marcelo Seabra

É provável que uma pessoa que nunca tenha assistido a um filme de terror goste de A Possessão (The Possession, 2012), em cartaz a partir desta sexta-feira. Vários clichês são reunidos com bons atores e uma direção burocrática, que não inova em nada e se contenta em cumprir tabela. Para quem gosta do gênero, a repetição vai aparecer a todo momento, é possível ver referências em diversas cenas. Não se trata de homenagem, apenas de falta de criatividade mesmo. Para se ter uma ideia, o nome da menina protagonista é Emily, só faltou vir acompanhado de Rose.

Filmes sobre exorcismo existem às pencas, e fica muito difícil fugir do clássico maior desse subgênero: O Exorcista (The Exorcist, 1973). As comparações são inevitáveis. Os roteiristas, Juliet Snowden e Stiles White, mesmos de Presságio (Knowing, 2009), já estão inclusive trabalhando na nova versão de outro cult movie, Poltergeist. Para tentar trazer ar fresco à produção, a dupla deixou de lado os elementos do cristianismo e recorreu ao judaísmo. Nesta cultura, o dybbuk é um espírito maligno que pode possuir o corpo de uma pessoa e tomar o controle. É exatamente essa criatura que funciona como vilã em A Possessão. Para tentar dar um pouco de credibilidade, é reforçado o velho truque do “baseado em fatos”, já que o conceito surgiu de um artigo de jornal sobre um artefato supostamente assombrado.

Clyde é um pai de duas meninas que acaba de se divorciar e está se adaptando à nova vida. Pouco depois de se mudar para uma outra casa, ele recebe as filhas para um fim de semana e acaba comprando para a mais nova, a tal Emily, uma caixa antiga de madeira que chamou a atenção da pequena. Pouco a pouco, o comportamento de Emily vai mudando, a garota fica agressiva e coisas estranhas começam a acontecer. O início da adolescência e a situação dos pais já seriam o suficiente para tumultuar o período, mas Emily ainda deve enfrentar um tipo de demônio milenar.

À frente do elenco, temos Jeffrey Dean Morgan, mais lembrado como o Comediante de Watchmen (2009), um sujeito sempre simpático que traz uma leveza necessária ao personagem. Como sua ex-mulher, Kyra Sedgwick (da série The Closer) não faz muito, a história não lhe dá muita importância. Quem rouba a cena é a jovem Natasha Calis (ao lado), recém-saída da série The Firm. Ela convence como a menina endemoniada, construindo uma rápida, mas interessante jornada para a sua personagem. Aliás, as mudanças de personalidades de todos são bem desenvolvidas, incluindo aí o pai, de Dean Morgan.

Apesar de produzido por Sam Raimi e sua Ghost House, A Possessão não tem o humor de Arraste-me para o Inferno (Drag Me to Hell), longa dirigido por Raimi em 2009. Ole Bornedal, que se tornou a sensação do cinema dinamarquês em 1994 com Nightwatch – Perigo na Noite e a refilmagem americana O Principal Suspeito (1997), está no comando, e parece que se leva muito a sério. E muita coisa salta aos olhos pelos motivos errados, como um hospital praticamente abandonado no meio do caminho, por exemplo. Bornedal pretendia fazer uma obra-prima, pelo visto, e passou longe.

O casal de protagonistas prestigia a estreia em Los Angeles

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