Filme de terror promete uma Cura

por Marcelo Seabra

Pela primeira vez em sua carreira, o diretor Gore Verbinski faz juz ao seu nome e vai à loucura com um filme de terror. Com A Cura (A Cure for Wellness, 2016), ele chega mais longe que em O Chamado (The Ring, 2002), compondo uma obra que deixaria a produtora Hammer orgulhosa. Bebendo em clássicos do Cinema B e misturando temas caros ao gênero, como o cientista maluco, casas assombradas e conspirações, o diretor consegue surpreender o público dando algumas viradas loucas na história. Podem não gostar dos rumos tomados, mas ninguém pode dizer que seja previsível. Ou que faltou coragem.

Quanto menos for dito sobre a história, melhor. Trata-se apenas de um jovem executivo americano que deve viajar aos Alpes Suíços para trazer de volta um dos diretores da empresa para que uma fusão seja autorizada e todos ganhem muito dinheiro. O tal veterano foi para um resort caríssimo em férias e decidiu não voltar mais. O que teria acontecido lá? Seria esse lugar como o Hotel California, da música dos Eagles, de onde “você pode fazer o check out, mas não consegue sair”? O título original completo dá uma ideia do que fazem por lá: uma cura para o bem estar.

Como protagonista, temos Dane DeHaan, que viveu James Dean recentemente, em Life (2016). O trabalho do ator é bem competente, mudando de postura de um momento para o outro, e é complementado por uma boa maquiagem. Outro que está em boa forma é Jason Isaacs, o cientista da série The OA. No filme, ele vive o diretor do instituto, alguém que acredita no uso das faculdades medicinais da água local para o tratamento de diversas doenças. Como todos os demais, ele sempre tem um jeito suspeito, e alguns funcionários chegam a ser caricatos. A qualquer momento, Vincent Price poderia aparecer. Ou Bela Lugosi, Peter Cushing… Completando o clima de estranheza, temos Mia Goth (de Evereste, 2015), uma garota que mais parece uma assombração.

Como ponto negativo de A Cura, podemos apontar a duração. É uma história que poderia ser mais simples e divertida se fosse mais objetiva, com muito menos que suas duas horas e 26 minutos. Mas não deixa de ser interessante que Verbinski tenha conseguido um orçamento de US$40 milhões, e nem foi na Universal, estúdio que vem à mente quando se pensa em filmes de terror – caso de Arraste-me para o Inferno (Drag Me to Hell, 2009). Vamos ver se a Fox consegue reaver seu investimento.

Isaacs e Goth completam o elenco

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Indiano se perde da família e chega no Oscar

por Marcelo Seabra

Mais um dos destaques do Oscar, acumulando um total de seis indicações, chega aos cinemas essa semana. Lion: Uma Jornada para Casa (2016) está entre os nove melhores filmes do ano, segundo a Academia, e narra uma história real que deve fazer muita gente derramar lágrimas. É daquele tipo que todos sabem como começa e como termina, mas o durante é o mais importante. Tem gente achando que a badalação se deve ao trabalho dos irmãos Weinstein, notórios lobistas de premiações, mas o longa de fato tem seus méritos.

No início, temos uma cidadezinha da Índia, onde um garotinho e seu irmão procuram formas de ganhar dinheiro. O elenco dessa primeira parte é cativante, com destaque para o pequeno protagonista, Sunny Pawar (abaixo), um achado de tão adorável. Quando ele se perde do irmão, e passa por algumas atribulações, a história dá um salto e o vemos como um adulto que leva sua vida na Tasmânia, com os pais adotivos, até que começa a ver meios de buscar sua família perdida. A versão mais velha do personagem é vivida por Dev Patel (dos dois Exótico Hotel Marigold), que dá continuidade à saga de forma bem competente.

Baseado no livro do próprio Saroo Brierley, o roteiro de Luke Davies (de Life: Um Retrato de James Dean, 2015) até consegue desenvolver bem o que seria um fiapo de trama, rendendo o suficiente para ocupar duas horas de modo que não fique cansativo. É compreensível que a falta de formas para encontrar a família de sangue tenha feito o sujeito desistir, para não ficar alimentando esperanças de algo que ele julgava impossível. Mas o filme mostra como se aquela busca tivesse se tornado uma obsessão repentina, o que ficou um tanto estranho. Com medo de magoar a mãe adotiva, ele faz tudo em segredo, e é aí que Nicole Kidman (de O Mestre dos Gênios, 2016) tem oportunidade de brilhar mais.

É inexplicável como Patel recebeu várias indicações, e até venceu o BAFTA, como Melhor Ator Coadjuvante. Com o rosto estampado no cartaz, ele é claramente o ator principal. A indicação como Melhor Atriz Coadjuvante de Kidman, sim, é correta, podendo-se aí discutir se a interpretação era realmente merecedora de tanto barulho, com outras grandes que acabaram de fora. No caso de Patel, é jogada pura dos produtores para que ele tenha mais chance, já que na categoria principal a briga é mais feroz. Se ele é coadjuvante, pode-se concluir que o filme não tem um ator principal. Rooney Mara (de Carol, 2015) e David Wenham (de 300: A Ascensão do Império, 2014) completam o elenco, tendo pouco a fazer. A indiana Priyanka Bose vive a mãe biológica de Saroo.

Com a experiência adquirida em comerciais de TV e como assistente na minissérie Top of the Lake, Garth Davis faz com Lion sua estreia no Cinema e já levou o prêmio para iniciantes do Sindicato dos Diretores. Com uma montagem adequada e uma bela fotografia, ele costurou tudo e ainda conseguiu fazer bom uso do Google Earth, ferramenta fundamental na busca de Saroo. E não ficou com cara de marketing, o que é o melhor. É apenas mais uma peça em um filme redondinho, correto.

Nicole Kidman responde por uma das seis indicações ao Oscar

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Pitt e Cotillard são Aliados na Segunda Guerra

por Marcelo Seabra

Em temporada de Oscar, filmes com poucas ou nenhuma indicação tendem a passar longe dos cinemas, deixando as salas para os mais badalados. Mesmo assim, a Paramount decidiu lançar Aliados (Allied, 2016), que teve apenas seu figurino indicado pela Academia e ao BAFTA. A ideia é que o elenco estrelado e o diretor premiado chamem o espectador estrangeiro, consertando assim o buraco que ficou pela falta de bilheteria nos Estados Unidos. Parece que os americanos não são muito favoráveis a um thriller de guerra à moda antiga.

Quando se fala em filme de guerra, logo se imagina corpos estraçalhados, sangue e tudo o mais que se vê em um campo de batalha. O próprio Brad Pitt viu muito disso (Bastardos Inglórios e Corações de Ferro que o digam) recentemente em sua carreira, e Marion Cotillard teve sua cota em Macbeth (2015). Aqui, os dois aparecem juntos num filme que poderia facilmente ser dividido em duas partes, que se chamariam: Missão Casablanca e Intriga em Londres. A primeira parte serve para estabelecer o casal, mostrando como eles se conheceram e suas habilidades, um preparativo para a segunda. Talvez, esse tenha sido um motivo da não aceitação do público: uma longa e previsível introdução para entrar no que, digamos assim, é o que importa. O outro seria a falta de tiroteios e sangue.

O filme começa em 1941, com Max (Pitt) chegando na parte francesa do Marrocos, dominada pelos nazistas em plena Segunda Guerra Mundial. Ele deve se encontrar com Marianne (Cotillard) para que o belo e fictício casal vá a uma festa eliminar um alvo importante. Um tempo depois, vivendo uma vida familiar no serviço burocrático, Max recebe uma notícia que vai perturbar o casal. É muito interessante notar, aí, a mudança pela qual o rosto de Pitt passa. Antes, ele é um espião padrão: seguro, impiedoso, sem demonstrar emoções. Depois, a sua preocupação é visível, e ele mais uma vez mostra ser um ator muito competente. Cotillard não fica atrás, vivendo a mulher descrita como “o coração da festa”. Muito alegre e comunicativa, ela muda drasticamente quando necessário.

A química entre os protagonistas foi alvo de críticas da imprensa especializada. Mas o calor de Cotillard e o jeito objetivo de Pitt, sempre com um olhar carinhoso, estão em perfeita sintonia. Completando o elenco, em participações dignas de lembrança, estão os ingleses Jared Harris (de O Agente da U.N.C.L.E., 2015), Simon McBurney (de Invocação do Mal 2, 2016) e Matthew Goode (de Downton Abbey), além da americana Lizzy Caplan (de Masters of Sex).

Na direção de Aliados está o veterano Robert Zemeckis, que assina dos já clássicos De Volta para o Futuro (1985) e Uma Cilada para Roger Rabbit (1988) aos recentes O Voo (2012) e A Travessia (2015), passando por Forrest Gump (1994) e Contato (1997). Ou seja: alguém que sabe bem o que faz e não precisa provar nada pra ninguém. O cineasta pertence à turma chamada “old school”, ou a velha guarda, aqueles que regem uma orquestra de forma clássica e dificilmente erram a mão. Em Revelação (2000), Zemeckis tentou emular o estilo do mestre Hitchcock, mas só se aproximou disso aqui. Com paisagens lindas na fotografia de Don Burgess e uma trilha sonora na medida, como de costume para Alan Silvestri (ambos de Forrest Gump), só faltava um roteiro que envolvesse troca de identidades. E é isso que fornece Steven Knight, o habilidoso roteirista de Locke (2013) e Senhores do Crime (2007), inspirado em espiões reais. Falta um pouco do suspense de um Intriga Internacional (1959) ou um Interlúdio (1946), mas o resultado é bem satisfatório.

Zemeckis coordena seus astros

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Legion é o novo mutante da TV

por Marcelo Seabra

Com o sucesso das adaptações de quadrinhos para o Cinema e TV, qualquer coisa que venha dessa mídia causa expectativa. Não seria diferente com Legion (2017), nova série do canal a cabo FX que chegou ao Brasil um dia após a estreia norte-americana, na semana passada. Baseada em um personagem ligado aos X-Men, a atração teve um primeiro episódio visualmente atrativo, com um roteiro que lança várias pontas que devem prender o espectador.

Criada por Noah Hawley (de Fargo), a série nos apresenta a David Haller (Dan Stevens), um sujeito que parece perturbado por uma doença mental. Ele ouve vozes e vê coisas que não estão lá, e por isso passa uma temporada num hospital psiquiátrico. O primeiro episódio se passa, basicamente, nessa instituição, e conhecemos alguns dos demais internos, assim como o médico que cuida deles. David se interessa na hora que bate os olhos em Syd (Rachel Keller, de Fargo), e os dois vão se envolver em uma luta que chegará a pessoas perigosas ligadas ao governo.

Cronologicamente, esse primeiro capítulo é desafiador, com a trama indo e voltando no tempo. Nada complicado de acompanhar, mas é o principal alvo das críticas que surgiram. No entanto, é fato que a série foge de todas as fórmulas de heróis que conhecemos, se afastando de tudo que já existe na TV e Cinema. É muito mais adulta e interessante que, por exemplo, Agents of SHIELD e toda a programação do CW. E tem um protagonista seguro e competente na pele de Stevens, ator descoberto em Downton Abbey e que já tem outros projetos enfileirados, como o novo A Bela e a Fera.

Nos quadrinhos, criação do escritor Chris Claremont e do desenhista Bill Sienkiewicz, Legião é um mutante poderoso que descobre ser filho do Professor Charles Xavier, líder e fundador dos X-Men. Um trauma na infância faz com que sua personalidade se divida e cada um dos novos “indivíduos” domina uma parte dos poderes dele. Nada disso apareceu na série ainda, e é cedo para dizer se vai, mas o que percebemos é que Haller é um narrador pouco confiável, que não sabe bem o que é real e o que não é. Se o público fica perdido em algum momento, certamente o protagonista também está. Nessa quinta-feira, um dia após a exibição nos Estados Unidos, poderemos acompanhar o desenrolar da história.

Nos quadrinhos, Legião se mostra um mutante extremamente poderoso

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Batman ataca no universo LEGO

por Marcelo Seabra

Depois que Zack Snyder assumiu o controle criativo dos filmes da DC e ajudou a afundar os personagens clássicos da editora, seria difícil ver algo que prestasse. Foi preciso que os responsáveis por Uma Aventura Lego (The Lego Movie, 2014) colocassem novamente as mãos à obra e fizessem LEGO Batman: O Filme (The LEGO Batman Movie, 2017), um longa inteiro para brincar com o Homem-Morcego, como fizeram rapidamente no anterior. Agora, eles puderam ir mais fundo na paródia, estraçalhando a imagem sombria e subvertendo vários clichês relacionados ao herói.

Brincando com todas as encarnações de Batman no Cinema, de Tim Burton ao recente Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), os roteiristas fazem referências mais e menos óbvias. É citada a armadilha que o Coringa cria com os dois barcos em O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), assim como a fuga de Bruce Wayne com uma bailarina russa (do mesmo filme). Bane tem a mesma voz de velhinho inglês criada por Tom Hardy na conclusão da trilogia de Christopher Nolan. A Gotham City montada com legos parece a cidade idealizada por Joel Schumacher, cheia de cores e construções inusitadas. E algumas das melhores piadas vão ainda mais longe e chegam à série de TV dos anos 60, aquela dos malfadados “POW” e “BLAP” que apareciam na tela a cada golpe desferido nos criminosos.

Os vilões que vemos em LEGO Batman são um show à parte. Ressuscitando gente como Rei Tut, são aproveitados personagens de várias mídias e épocas, e até alguns são inventados, compondo um grupo muito interessante. E o principal, como não poderia ser diferente, é o Coringa, que busca a aceitação de Batman de que os dois são arqui-inimigos. Ele quer algo como dar um passo à frente na relação, que seu antagonista admita que ele é o mais importante da rica galeria de vilões. Para isso, o Palhaço do Crime recruta todos os demais para explodir Gotham. Mais um dia na vida dessa violenta cidade.

O tema principal do filme é a importância de se trabalhar em equipe. Joga-se muito com a ideia de cavaleiro solitário de Batman, que nunca precisa de ajuda ou parceiros. “Não tenho relações”, como ele mesmo diz (referindo-se, em inglês, ao sufixo ship, de relationship). Além dessa suposta relação com o Coringa, o protagonista ainda precisa lidar com o recém adotado Dick Grayson, estabelecendo aí três gerações de uma família improvisada: o mordomo Alfred, Bruce e Dick. Bruce, após a morte dos Waynes, passou a ter grande dificuldade para aceitar ser parte de uma família, e é isso que o filme vai trabalhar. Sempre com muito humor, vale lembrar. A forma como Dick entra na história e acaba descobrindo o segredo de Bruce é hilária. E, ao contrário do que acontece nos filmes live-action, em que os atores querem que seus rostos apareçam o máximo possível, Batman não tira a máscara nem para nadar!

Mais uma vez, observamos o problema da dublagem quando se trata de animações. Não que o trabalho dos dubladores nacionais seja ruim – não é. Mas não há opção para o público que prefere ver com o áudio original. Para quem conhece Will Arnett de séries como Arrested Development, é ainda mais engraçado ouvi-lo como essa versão convencida e fodona do Batman, murmurando como Christian Bale. E ter Michael Cera, que era da mesma série, como Robin, potencializa o humor. O Coringa talvez seja o melhor trabalho da carreira de Zack Galifianakis (da trilogia Se Beber, Não Case), e temos alguém do calibre de Ralph Fiennes (de Ave, César, 2016), com seu forte sotaque inglês, fazendo o Alfred. E a lista de talentos famosos é grande: Rosario Dawson, Conan O’Brien, Channing Tatum, Jonah Hill, Hector Elizondo, Mariah Carey, Zoë Kravitz, Eddie Izzard, Seth Green, Jemaine Clement, Adam Devine, entre outros.

A produção teve o cuidado de convidar Billy D. Williams, que viveu Harvey Dent no Batman de 1989, para dublar o Duas-Caras! Até a Siri, a voz que ouvimos nas mensagens de iPhones, é usada. Tudo isso é perdido na versão brasileira. Felizmente, fora a inserção de um ou outro termo local, como “malandramente”, a maior parte do conteúdo original é mantida, como o acertado questionamento de Barbara Gordon, que queria chamar o Batman de Batboy.

Mais uma vez, Bane soa como um velhinho inglês

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Moana é Disney em ótima forma

por Marcelo Seabra

Moana

Moana (2016) é a nova animação da Disney e conta com mais uma mulher forte, que não precisa de homens para resolver seus problemas. O estúdio segue firme na louvável direção do empoderamento feminino, que já vinha demonstrando com suas animações passadas, e é um festival de cores que vai ganhar a atenção dos menores. Ao contrário do que o número de diretores – quatro – e de roteiristas – oito – parece indicar, o filme é coeso, enxuto e traz belas mensagens de preservação ambiental, auto-confiança e luta pelo bem comum.

A história, baseada em lendas da região da Polinésia, acompanha a filha do chefe de uma tribo nas questões que surgem enquanto ela se torna mais velha e consciente das necessidades de seu povo. Apesar de, na prática, ser a princesa deles, Moana recusa esse título – o que é curioso, já que a Disney tem toda uma tradição com suas princesas. Para restabelecer o ecossistema local e todos voltarem a ter alimento, a garota, contra os apelos do pai, deve devolver ao local de origem uma pedra que seria o coração de uma divindade que representa a natureza. Para a missão, ela precisa da ajuda da pessoa que roubou a tal pedra, o semideus Maui, um ser que vive recluso em uma ilha desde que perdeu a fonte de seus poderes.

Moana Maui

Os cenários e animais que vemos na tela parecem saídos da imaginação de Lewis Carroll, criador de Alice e seu país de Maravilhas. Tudo é muito engenhoso, apesar de às vezes não muito prático e sem muita necessidade para o andamento da história. Mas, por mais que sejam dispensáveis, esses elementos são divertidos, como os piratas que eles encontram no meio da viagem. De uma forma geral, o roteiro é bem fluido e diverte tanto pais quanto filhos, o que fica claro ao final da sessão.

Analisando o passado dos estúdios Disney, principalmente Enrolados (Tangled, 2010) e Frozen (2013), é fácil perceber que Moana não inova a fórmula. Temos uma heroína de atitude, mas um pouco ingênua, devido à criação e proteção; e um coadjuvante convencido, acostumado a salvar damas em perigo. Claro que os dois entrarão em choque até que a dinâmica entre eles se acerte. Um rompimento trará dúvidas, mas ela vai até o fim. E, mesmo notando que o passo a passo é basicamente o mesmo, a Disney mostra que a prática leva à perfeição, acertando qualquer possível aresta. Normalmente, muitos roteiristas e diretores envolvidos é sinal de bagunça, o que felizmente não é o caso aqui.

Entre os dubladores de Moana, os nomes mais reconhecíveis são os de Dwayne “The Rock” Johnson (de Terremoto, 2015), que faz Maui, e Temuera Morrison, o Boba Fett do universo de Star Wars, vivendo o chefe Tui. The Rock casa bem com o tipo espalhafatoso de Maui, e a animação das tatuagens do sujeito são fantásticas. Tecnicamente, o longa é impecável, com texturas realistas e movimentos, principalmente do vento e da água, que dificilmente vemos por aí. E os talentos vocais são a cereja do bolo, com a novata havaiana Auli’i Cravalho no papel principal, e ainda canta as canções. Elas não podiam faltar, e se misturam muito bem à trama. Cortesia de Lin-Manuel Miranda, competente compositor do teatro que assina as letras. Algumas vão te seguir por muito tempo.

Os efeitos que envolvem água são impressionantes

Os efeitos que envolvem água são impressionantes

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O Chamado ganha continuação tardia

por Marcelo Seabra

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Se a continuação já era dispensável, o que dizer de O Chamado 3 (Rings, 2017)? Doze anos depois, a história de Samara Morgan continua, e foi preciso inventar muita coisa para ter sentido fazer outro filme. E, ainda assim, faltou conteúdo, suspense e interesse. O espanhol F. Javier Gutiérrez até tenta modernizar a história e criar apelo visual, mas fica difícil conseguir algum avanço sem conteúdo, o que prova que a garota do poço já foi exaurida.

Todos conhecem a lenda urbana da menina que aparece sete dias após você assistir à fita e te mata. Houve uma época em que a americanização dos terrores japoneses estava em alta e, para todo lado, tinha aqueles meninos de cabelo preto fazendo uns barulhos estranhos e se movendo de maneira errática. No meio dessa moda, chegou aos cinemas a nova versão de Ringu, romance de Kôji Suzuki. O Chamado (The Ring, 2002) fez barulho suficiente para originar uma sequência em 2005, e a franquia parecia ter morrido ali. Mas por que deixar a menina no fundo do poço, quietinha, se pode-se ganhar mais alguns trocados?

Rings movie

O novo nome original inova apenas incluindo um plural, que pode ser traduzido como anéis. Não deixa de ser interessante, já que aquela marca redonda, iluminada sobre um fundo negro, passa a ter outra conotação. Há um casal pós adolescente para iniciar a trama, um mais insosso que o outro. E convidaram um ator conhecido, do sucesso da TV The Big Bang Theory, para tentar chamar atenção. Johnny Galecki vive Gabriel, um professor universitário que estuda o “fenômeno” Samara e joga seus alunos pras cobras usando-os como cobaias. Andando por uma feira de rua, o sujeito tem a brilhante ideia de comprar um vídeo-cassete usado e ganha de brinde uma fita com uma etiqueta: “Me assista”. Sabemos de onde vem a fita devido à introdução, parte menos chata do longa.

É óbvio, nos dias de hoje, que quem dependesse de um vídeo-cassete para sobreviver iria morrer rapidinho. Por isso, outra inovação do roteiro – escrito a seis mãos – é permitir a digitalização do vídeo maldito, tornando mais fácil a cópia, o transporte e a viralização. E, claro, possibilitando mais continuações para encher a paciência do desavisado que for ao cinema. Não há qualquer aspecto técnico que chame a atenção, apenas os cenários escuros de sempre, com igrejas, cemitérios e cidadezinhas. Foi preciso colocar água no feijão e criar mais passado para Samara, para que possa haver uma investigação, o que aproxima esse filme do primeiro. E as regras daquele universo vão sendo dobradas de acordo com a necessidade.

O mistério que os personagens parecem proteger, ao mesmo tempo em que jogam informações no ar, irrita com pouco tempo de projeção. É um segredo, mas pode-se dar pistas e deixar recados com terceiros, numa tentativa vã de criar curiosidade no espectador. Os diálogos, altamente expositivos, deixam mais do que claro o que está acontecendo, com tudo muito explicadinho. E a busca dos protagonistas por respostas acaba levando-os a uma figura proposital e forçadamente enigmática, vivida por um Vincent D’Onofrio (de Sete Homens e Um Destino, 2016) extremamente canastrão. A única curiosidade, de fato, é a atriz que vive Samara dividir o sobrenome com ela: Bonnie Morgan, numa versão mais velha.

A presença de Galecki não é suficiente para atrair atenção

A presença de Galecki não é suficiente para atrair atenção

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Ex-primeira dama Jackie Kennedy ganha cinebio

por Marcelo Seabra

Jackie

A História normalmente dá certos pulos, indo de um evento considerado importante para outro. Por isso, muitas vezes ficamos sem saber o que acontece nos intervalos. E é exatamente neste ponto que ataca Jackie (2016), longa que conta com uma interpretação fantástica de Natalie Portman. Ela vive a ex-primeira-dama dos Estados Unidos em um período crítico de sua vida, quando estava ao lado do marido durante o fatídico desfile por Dallas em que ele foi alvejado na cabeça. O que teria acontecido na sequência é o alvo aqui.

O filme compreende o espaço de quatro dias entre a morte de John Kennedy e seu enterro, cobrindo todos os acertos necessários e indo e voltando no tempo de forma muito bem montada para que conheçamos o que aconteceu e o que se passou na cabeça dos envolvidos. Ao assistir a uma entrevista de Jacqueline Kennedy no YouTube, podemos notar o detalhismo da interpretação de Portman (de Thor: O Mundo Sombrio, 2013), que está sempre contida, calculando seus movimentos, e só perde a linha nos momentos mais dramáticos, em meio ao desespero que volta e meia toma conta. Não à toa, a atriz é uma das fortes concorrentes ao Oscar na categoria, e o filme ainda disputa Melhor Figurino e Trilha Sonora – tudo muito merecido. Um reconhecimento à montagem também teria sido justo, já que ele é costurado de forma a conseguir deixar algum suspense para o final, tudo bem compreensível.

Jackie couple

Ao lado de Portman, Peter Sarsgaard (de Sete Homens e Um Destino, 2016) está muito bem. Ele vive Bobby Kennedy, irmão do então presidente, que fica sempre ao lado da viúva. Em pequenas participações, outros grandes aparecem, com destaque para o já saudoso John Hurt, falecido na semana passada. Como o padre confessor de Jackie, ele oferece uma interpretação forte, trazendo questões interessantes e até surpreendendo sua interlocutora. Richard E. Grant (de Downton Abbey) tem uma aparição discreta, mas ele é sempre interessante. Quando não é um filme para a Greta Gerwig (de Mistress America), ela consegue não ser irritante e cumprir bem sua função. Destaque ainda para Billy Crudup (de Spotlight, 2015) e John Carroll Lynch (de Milagres do Paraíso, 2016), irreconhecível com a peruca de Lyndon Johnson. E o ator que conseguiram para o papel de Jack Kennedy, o dinamarquês Caspar Phillipson (acima), é bem parecido!

Pablo Larraín é um diretor cada vez mais elogiado. Lançou, num curto espaço de tempo, dois filmes que ganharam bastante atenção – sendo o outro Neruda (2016), também sobre um evento envolvendo uma figura histórica. Em relativamente pouco tempo, em torno de 100 minutos, o filme consegue passar de forma satisfatória o que aconteceu nos “meios”, com as reações dos personagens, e não deixando de lado o pano de fundo político, com Johnson tomando posse logo após a tragédia. O roteirista, Noah Oppenheim, foi premiado em Veneza e é um bem sucedido produtor da TV. A opção de fazer um recorte curto permite tratar com mais detalhe o objeto, sem necessidade de abraçar o mundo.

O casal real, bem próximo do retratado

O casal real, bem próximo do retratado

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Figuras escondidas são estrelas da História

por Marcelo Seabra

Hidden Figures

Mais um filme a trazer os dizeres “baseado em uma história real”, Estrelas Além do Tempo é o título nacional de Hidden Figures (2016). Ambos se referem a suas protagonistas, mulheres fortes que ajudaram a quebrar barreiras quando os Estados Unidos eram declaradamente racistas, negros e brancos eram fisicamente separados até nos banheiros. Se até hoje mulheres e negros são preteridos em oportunidades de trabalho, o que dizer dos anos 60? E, mesmo tendo feitos tão importantes para a história, elas permaneciam desconhecidas, “figuras escondidas” que o filme veio revelar.

Baseado no livro homônimo da escritora Margot Lee Shetterly, o longa nos apresenta a três funcionárias da NASA que se cansaram de ouvir “É assim que as coisas são” e correram atrás de crescimento profissional, venceram o preconceito e foram decisivas na conquista do espaço pelos norte-americanos. É algo como Os Eleitos (The Right Stuff, 1983) encontra Selma (2014), uma mistura de luta pelos direitos humanos e corrida espacial. Por ser a dramatização de um fato, fica difícil saber até onde vai a verdade e o que seria exagero para fins cinematográficos. Mas é incontestável o que elas atingiram, e o longa mantém um clima leve, mesmo tratando de assuntos tão sérios.

Hidden Figures scene

Conhecemos Katherine Johnson (Taraji P. Henson, de Empire, acima no meio) logo na infância e entendemos que se trata de um gênio da matemática, uma criança bem diferenciada. Quando adulta, ela pega carona com duas amigas que trabalham no mesmo lugar: Dorothy Vaughan (Octavia Spencer, da Série: Divergente, acima à direita), uma líder nata que mostra vários talentos, como pra mecânica; e Mary Jackson (Janelle Monáe, de Moonlight, 2016, acima à esquerda), uma engenheira em potencial que vai ao tribunal pelo direito de estudar. As três acabam representando figuras diferentes, facilmente encontradas na sociedade: uma viúva mãe de três, uma jovem com marido revolucionário e uma mãezona com marido pacato, todas trabalhando o dia todo para sustentar suas casas e correndo atrás do reconhecimento devido.

Se emprego para mulheres já era difícil, cabendo apenas cargos de secretárias (caso da personagem de Kirsten Dunst, de Fargo), imagine para negras! As três se destacaram não apenas pela inteligência, mas pela obstinação. Em uma sala cheia de engenheiros tidos como os melhores disponíveis no mercado, Katherine se destaca, colocando no chinelo o encarregado (vivido por Jim Parsons, de The Big Bang Theory). Talvez para enfatizar a força feminina, o longa acabe mostrando os homens como um bando de jacus, que não conseguem sequer fazer um cálculo correto. E o personagem de Mahershala Ali (de Luke Cage, que parece ser onipresente) mostra algo interessante: os homens negros também tinham sua dose de preconceito, algo que parece incutido nas mentes desde tenra idade e deve ser combatido. Enquanto alguns celebravam o sucesso dos da mesma raça, outros se surpreendiam.

Hidden Figures

Por falar no problema com o retrato dos homens, temos o personagem de Kevin Costner (de 3 Dias para Matar, 2014, acima, em pé). Ele é descrito por todos como alguém de temperamento complicado, que não admite que se dirijam a ele e que seria muito reservado. O que vemos é ele em meio a todos os demais, sempre compreensivo, mesmo que rígido. O roteiro, escrito pelo diretor, Theodore Melfi (de Um Santo Vizinho, 2014), e Allison Schroeder (de Guidance), parece forçar a barra para reforçar as vitórias das protagonistas. O que, frente aos fatos, seria desnecessário. Em compensação, há um diálogo entre uma envelhecida Dunst e Spencer que é particularmente muito acertado.

Pesando-se os erros e acertos de Estrelas Além do Tempo, o saldo é positivo. E ele ganha ainda mais pontos por ser inspiração para tantas pessoas que têm ido aos cinemas para se certificarem que ninguém pode lhes dizer que algo é inalcançável. Pode parecer papo de auto-ajuda, mas o filme consegue passar uma mensagem positiva sem soar piegas. Ele mostra claramente como funcionava a segregação racial e um pouco do que foi feito para que isso acabasse. Ao menos, da forma escancarada como era. O mundo segue racista, mas os avanços são inegáveis.

As atrizes e as verdadeiras inspiradoras da história

As atrizes e as verdadeiras inspiradoras da história

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Mel Gibson volta à direção na guerra

por Marcelo Seabra

Hacksaw Ridge banner

Dez anos após sua última investida no comando de um longa, Mel Gibson volta a atacar. Com vários problemas em sua vida pessoal, ele seguiu atuando e produzindo obras menores até decidir dirigir novamente, e o resultado é Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016). O projeto é baseado na história real de um soldado que se recusou a pegar em armas e foi à Segunda Guerra Mundial apenas com sua convicção e disposição. Com o trailer e a campanha de marketing, dá para saber exatamente o que acontece, mas ainda assim vale a pena acompanhar, tamanha é a competência dos envolvidos.

Gibson é brilhante tanto no drama quanto nas cenas de batalha, como já comprovamos no premiado Coração Valente (Braveheart, 1995), entre outros. É triste ver um artista completo como ele ser mais lembrado por ações estúpidas e afirmações preconceituosas. Mas a nova indicação ao Oscar como Melhor Diretor, uma das seis do filme, parece ser um sinal de que essas questões podem ter ficado para trás e a Academia está disposta a lhe dar mais uma chance. Outro que dá a volta por cima é o protagonista, Andrew Garfield, superando o fracasso da franquia do Homem-Aranha e os comentários negativos sobre seu trabalho. No mesmo ano em que trabalha com Martin Scorsese (em Silêncio, 2016), ele tem essa bela oportunidade com Gibson e é mais um dos lembrados no Oscar, além de outras várias instituições.

Hacksaw Ridge Garfield

Segundo Desmond Doss, Jr., o pai resistia a ter a sua história contada em livro ou filme por temer imprecisões e alterações. Mas, de fato, era algo que merecia luz: o soldado Desmond Doss passou por muitas dificuldades até que o exército aceitasse sua ida para a guerra. Ele era o chamado objetor de consciência, alguém que se recusa a pegar em armas seja por princípios éticos, religiosos ou morais. Doss se alistou e solicitou ser enviado como médico, fazendo um treinamento básico. Mas, para o Exército, mesmo os médicos iam armados, revidando em caso de necessidade. Entrar no campo de batalha totalmente desarmado era algo impensável, e tentaram de toda forma fazê-lo desistir e voltar para casa. Doss, adventista do sétimo dia e filho de militar, via como natural sua vontade de servir o país.

Da década de 90 em diante, Doss baixou um pouco a guarda e foram feitos livros, programas de TV e até revistas em quadrinhos sobre ele. Em 2004, o documentário The Conscientious Objector chamou alguma atenção, e a obra ficcional já vinha sendo desenvolvida. Percebemos, no roteiro de Andrew Knight (de Promessas de Guerra, 2014) e Robert Schenkkan (da minissérie The Pacific, 2010), algumas inconsistências, mas nada que o desmereça. Os japoneses são demonizados, o que é compreensível na situação em que os soldados estavam. A batalha no cume da colina Hacksaw, que dá o nome original ao filme, não foi a única da qual Doss participou. Mas certamente foi a mais brutal e emocionante. E Gibson não poupa seu público, mostrando vísceras, sangue, membros decepados, explosões e tudo o mais que possa acontecer em uma guerra. Nada é gratuito e até os momentos mais dramáticos são bem equilibrados, evitando pieguismo ou sentimentalismo barato. Inclusive, na correta trilha sonora de Rupert Gregson-Williams (de A Lenda de Tarzan, 2016).

O elenco de Até o Último Homem é bem uniforme. É surpreendente ver Vince Vaughn (de True Detective) bem num papel sério, como um sargento. Os pais de Doss ficaram a cargo dos ótimos Hugo Weaving e Rachel Griffiths, a namorada é Teresa Palmer e o militar superior é Sam Worthington, com outros nomes menos lembrados – inclusive um filho de Mel, Milo Gibson. No aspecto técnico, o longa é igualmente impecável. A montagem ágil e inteligível de John Gilbert (de November Man, 2014), também indicada ao Oscar, aproveita o melhor da fotografia de Simon Duggan (de Warcraft, 2016). Outro elemento que ajuda é a reconstituição de época, com cenários, figurinos e maquiagens realistas que te levam para a década de 1940. Mesmo com 140 minutos, o filme é objetivo e não cansa.

O verdadeiro Desmond Doss recebe a Medalha de Honra do Presidente Truman

O verdadeiro Desmond Doss recebe a Medalha de Honra do Presidente Truman

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