The Searcher ajuda a entender o mito Elvis

Muitas vezes lembrado por figurinos espalhafatosos e pelos filmes rasteiros, Elvis Presley foi um artista como nenhum outro até hoje conseguiu ser. Atingiu um status estelar que o permitiu dispensar seu sobrenome (ok, ajudou ter um nome diferente). Elvis foi um cantor que mudou o cenário musical para sempre e o documentário Elvis: The Searcher (2018) se debruça sobre essa figura para tentar decifrá-la. Os dois longos episódios do documentário, produzidos pela HBO Documentary Films, estão disponíveis na Netflix.

Dirigido pelo experiente Thom Zimny, que realizou Springsteen on Broadway (2018) para a Netflix na mesma época, The Searcher começa naquela que seria a volta do rei do rock. Elvis havia sumido no período em que serviu ao exército e se viu estrelando filmes ruins, obrigado por contrato. O show de 1968, transmitido pela televisão, marcaria a volta do artista à boa forma. Ou o enterraria de vez. Quem conhece um pouquinho da história já sabe o resultado.

Como aqueles filmes que começam num momento decisivo e usam flashbacks para contar a história prévia, Zimny volta na década de 40, mostrando a gênese do cantor – por assim dizer. Os primórdios envolvem Sam Phillips, claro, o descobridor de Elvis, responsável pela icônica gravação de That’s Alright, Mama na Sun Records. Desse estouro em diante, entendemos bem os caminhos trilhados por Presley e suas relações com músicos de apoio, familiares e até com sua eterna Priscila, que entrou em sua vida para nunca mais sair.

O documentário conta com vários depoimentos de quem esteve com Elvis em diversas situações, contribuindo para as muitas histórias que a obra traz e esclarece. Outros, como Tom Petty, Emmylou Harris e o próprio Bruce Springsteen, ajudam a elucidar sentimentos e decisões de Elvis que só quem pegou bastante estrada e fez muitos shows consegue dimensionar. E um ponto interessante: nenhum deles mostra a cara, deixando os holofotes para o biografado.

Mais no fim de sua vida, Elvis parecia muito excêntrico, quase desconectado da realidade. The Searcher nos ajuda a entender o que devia se passar naquela cabeça tão afetada por fama, dinheiro, isolamento e perfeccionismo. E sob a sombra do “Coronel” Tom Parker, uma figura sombria que, ao mesmo tempo que teve um papel importante na formação de uma lenda, também a sufocou.

Depois de quase três horas e meia, dá para entender um pouco melhor o mito Elvis. Cobrindo boa parte de sua jornada, o documentário não pretende apresentar toda a vida dele, seria preciso uma série de várias temporadas. Fãs mais radicais podem indicar que faltou mencionar um episódio x ou y, mas para isso temos a Wikipédia.

A ideia em The Searcher é tentar entender melhor quem era aquele cara que cantou, tocou um violão e se remexeu de uma forma que os jovens idolatraram e os pais consideraram ofensivo. Ele rompeu barreiras, ensinou o Forrest Gump a dançar e libertou toda uma geração. E as seguintes, que passaram a ver a música de outra forma. Difícil hoje é achar um artista que não se diga influenciado por Elvis.

A influência de Parker sobre Elvis era algo inexplicável

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Programa do Pipoqueiro #62 – Moulin Rouge

O Programa do Pipoqueiro homenageia Moulin Rouge (2001), filme que completa 20 anos de lançamento. Confira comentários sem spoilers e as versões originais de músicas da fantástica trilha sonora! Aperte o play abaixo e divirta-se!

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Programa do Pipoqueiro #61 – Cruella

O Programa do Pipoqueiro volta para mais uma temporada com uma edição sobre Cruella, filme que conta a história de origem da vilã Disney. O programa alterna músicas da trilha e comentários sobre o filme, sempre sem spoilers. Aperte o play abaixo e divirta-se!

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Novo Invocação do Mal fecha a trilogia dos Warren

Conclusão da trilogia dos Warren e oitavo filme nesse universo, Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (The Conjuring: The Devil Made Me Do It, 2021) teve sua estreia adiada por causa da pandemia. No fim, acabou chegando ao mesmo tempo à HBO Max e em alguns cinemas já abertos. Fugindo do tema “casa assombrada” dos anteriores, este é mais ambicioso e parte de um caso real que ganhou as manchetes no início da década de 80.

O primeiro Invocação do Mal, de 2013, trazia o casal de demonologistas Ed e Lorraine Warren investigando uma casa supostamente assombrada no interior dos Estados Unidos. O segundo filme os levou a Londres para uma investigação parecida. Agora, eles se envolvem em uma possível possessão demoníaca. Um garoto tem sinais de que há um espírito maligno em seu corpo e os Warren realizam um exorcismo. O tal demônio acaba passando para outra pessoa e a leva a cometer um crime.

O caso ficou famoso na época por ser o primeiro julgamento no qual o acusado alega, em sua defesa, possessão demoníaca. Partindo dessa situação real, o roteiro de David Leslie Johnson-McGoldrick (também do segundo filme) cria todo um entorno com personagens obscuros e uma investigação policial. Se a música de Joseph Bishara já evocava a trilha clássica de O Exorcista (The Exorcist, 1973), dessa vez a “homenagem” é mais óbvia, com uma cena de um padre em frente à casa da família. Temos também uma referência a O Iluminado (The Shining, 1980).

Mais uma vez, temos Patrick Wilson e Vera Farmiga nos papéis principais empregando muita energia em suas composições. Dada a natureza das atividades dos Warren, seria muito fácil criar figuras risíveis, rasas, caricaturas. Wilson e Farmiga mantêm uma postura muito digna, que faz o público comprar o que vê. Mas as tentativas de sustos gratuitos e os caminhos do roteiro, que acabam traindo as regras anteriormente estabelecidas, não ajudam os protagonistas, que se veem com todo o peso da produção nas costas.

Com a mudança na direção, fica claro que muitos méritos da série se devem ao talento de James Wan, que segue apenas como produtor. Não parecia uma escolha muito inteligente trazer o diretor do pior filme desse universo, A Maldição da Chorona (La Llorona, 2019), para o lugar de Wan. E Michael Chaves confirma a suspeita, mostrando uma falta de habilidade para criar tensão, suspense ou mesmo cenas mais criativas. Diz-se que há uma maldição do terceiro filme e este novo Invocação do Mal serve como mais uma confirmação.

“Momento Exorcista” em Invocação do Mal 3

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Cruella é a nova vilã Disney a ter a origem contada

Mais um filme de origem de um vilão Disney chega às telas. E, a exemplo de Malévola (Maleficent, 2014), temos uma atriz premiada à frente do elenco. Cruella (2021) se propõe a explicar como surgiu a milionária louca por pele de cachorro do desenho clássico Os 101 Dálmatas, lançado em 1961. Emma Stone (de La La Land, 2016) dá show no papel-título, mas o longa tem várias outras qualidades que compõem um resultado divertido e criativo. E consegue o mais difícil: agradar a diferentes faixas etárias.

Nessa onda de filmes com atores baseados nos desenhos Disney (os chamados live action), tivemos recentemente Aladdin (2019), Mulan (2020), até O Rei Leão (2019, todo em computação gráfica). Voltando um pouco mais, vemos que essa febre não é novidade: Peter Pan (2015) conta a história do Capitão Gancho, assim como Hook – A Volta do Capitão Gancho (1991). Entre versão live action, filme de origem e sequência, o que não falta é opção.

O próprio Os 101 Dálmatas teve uma adaptação de carne e osso em 1996. Glenn Close fez tanto sucesso como Cruella DeVil que garantiu uma sequência em 2000. Na versão mais jovem da personagem, Stone não deixa nada a desejar, praticamente vivendo duas personalidades no mesmo corpo: ela é Estella, uma menina humilde que perde a mãe e passa a se virar nas ruas; e é Cruella, nos momentos em que não pretende ser tão bondosa. A explicação para essa divisão é crível o suficiente, assim como para o nome dela.

Entre pequenos golpes, Estella passa os dias com os comparsas Jasper (Joel Fry, de Yesterday, 2019) e Horace (Paul Walter Hauser, de O Caso Richard Jewell, 2019). Enquanto um é esperto e bola formas de ganhar dinheiro, o outro é uma porta – o que repete a dinâmica do desenho original. Quando Estella começa a trabalhar em uma loja de roupas, conhece a poderosa estilista conhecida como Baronesa (Emma Thompson, de MIB Internacional, 2019) e segredos virão à tona. É a deixa para termos figurinos fantásticos aparecendo.

As coincidências do roteiro são muitas, mas não chegam a incomodar. E a poderosa direção de Craig Gillespie (de Eu, Tonya, 2017) nos dá cenas bem pensadas, longas sequências sem cortes e ainda um ar rock ‘n’ roll que permeia a produção. A ótima trilha sonora é usada de forma acertada, se alternando entre músicas muito conhecidas e outras nem tanto, e não cansa ou rouba para si a atenção (como em bombas do naipe de Esquadrão Suicida, 2016). Mas o maior responsável por esse clima é a postura de Cruella, praticamente uma rockstar da moda que causa tanto barulho quanto, digamos, os Sex Pistols.

O embate entre as Emmas oscarizadas (Stone e Thompson) é bonito de se ver. A Baronesa evoca algo de Meryl Streep em O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006), mas a interação das duas segue por um caminho original e ganha vida própria. Fry e Hauser funcionam muito bem como alívio cômico e Mark Strong (de Shazam!, 2019), mesmo mais discreto, é sempre uma figura forte em cena. Cruella já ganhou tantos elogios por aí que uma sequência está confirmada, outra desnecessária oportunidade para encontrarmos a personagem pré-dálmatas. Se mantiver o padrão da primeira, fará tanto público quanto.

Emma Thompson vive a Baronesa, a vilã da vilã

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Canal Brasil apresenta a divertida Hit Parade

Os penteados engraçados, figurinos espalhafatosos e artistas exagerados dos anos 80 davam a entender que foi uma época muito alegre. Mas as maracutaias de bastidores estavam pegando fogo, regadas a muita cocaína. Mudando nomes e adaptando situações, a série Hit Parade estreou no canal Brasil divertindo o público com muita qualidade e histórias interessantes, mesmo para quem está por fora do que houve na famigerada “década perdida”.

Referência no meio do jornalismo cultural, André Barcinski lançou em 2014 o livro Pavões Misteriosos, que conta histórias deliciosas sobre a indústria fonográfica nacional dos anos 70 e 80. Desde 2015, existe o projeto de adaptar esses fatos para uma série ficcional. Depois de muita luta para conseguir financiamento e fechar todos os detalhes, que nunca são simples no Brasil, Barcinski havia chegado a Marcelo Caetano (do elogiado Corpo Elétrico, 2017) para dirigir os oito episódios.

O diretor foi quem sugeriu trazer a produção para a sua Belo Horizonte natal. Na trama, imaginamos de cara tratar-se de Rio ou São Paulo, mas é BH que mantém mais uma lógica temporal em suas construções, facilitando a simulação da época. Talvez por isso, o elenco conte com muitos mineiros. Bárbara Colen, muito lembrada hoje por Bacurau (2019), volta a trabalhar com Robert Frank, colegas em No Coração do Mundo (2019). Outro mineiro célebre é Odilon Esteves, rosto muito visto no teatro, TV e Cinema, onde estreou com Batismo de Sangue (2006).

A trama de Hit Parade começa quando Simão (Tulio Starling, de Bula, 2020) está desiludido com as parcas oportunidades de tocar suas músicas nos bares e restaurantes noite afora. Incentivado pela namorada (Colen), ele mete o rabo entre as pernas e pede seu velho emprego de volta. O patrão, um produtor musical badalado (Frank), faz questão de menosprezar Simão e acaba passando-lhe a perna. Indignado, o rapaz acaba encontrando um cenário propício para ele mesmo abrir uma gravadora. Começa aí o duelo entre Simão e Missiê Jack.

É muito comum ver séries americanas em que os capítulos não têm muita ligação entre eles, com apenas uma traminha fraca de fundo. Como naquelas criminais, com o vilão da semana, que é preso depois de 40 minutos e esquecido. Aqui, há um assunto principal a ser tratado também, mas ele leva o núcleo da série adiante, não sendo uma mera desculpa. E é curioso, sim, que num episódio conheçamos um cantor veterano que lança músicas temáticas, para no outro ver um sujeito qualquer personificando uma estrela internacional chutando um inglês constrangedor ou um personagem cigano sendo criado do zero.

Com ótimas anedotas, mas não só composta delas, Hit Parade é uma série produzida com baixo orçamento, mas só sabemos disso através de entrevistas dos envolvidos. Tudo é muito criativo, dos artistas inventados às músicas que eles cantam, e imediatamente vêm à cabeça algumas figuras reais do período. O “jornalista de celebridades” (vivido por Luciano Falcão) parece uma mistura de Walter Mercado e Fernando Collor. Algo como assistir a Bingo: O Rei das Manhãs (2016), com muitas referências. Não fica claro se será apenas essa temporada, mas já ficamos na expectativa por mais.

O programa do Lobinho é o Viva a Noite da ficção

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Mais que amigos: Friends!

Questões de gosto colocadas de lado, é inegável que Friends foi um marco na cultura pop mundial. Dezessete anos após o fim da série, ainda há demanda para reunir o elenco original e falar a respeito. E logo fica claro que o especial The Reunion (2021) será um deleite para os fãs. Só para eles, provavelmente, já que pegamos um fenômeno em andamento. Mas, ainda assim, é gente demais.

Um por um, os seis amigos vão chegando ao galpão devidamente montado que servia de cenário para as aventuras de Monica, Phoebe, Rachel, Chandler, Joey e Ross. Sem nenhuma rusga pública entre eles nesses anos todos, o clichê se mostra verdadeiro: a equipe realmente se tornou uma família. Alguns se emocionam só de ver o outro. Nas mensagens que ficaram na parede, lembram também do time de técnicos, o pessoal que dava suporte às gravações.

Claramente envelhecidos, uns mais castigados pelo tempo que outros, os atores relembram bons momentos das filmagens e evitam polêmicas ou atritos. Fica a impressão de que tudo sempre funcionou bem, incluindo aí os criadores e produtores da atração, David Crane e Marta Kauffman. O reencontro traz de volta histórias interessantes de bastidores, curiosidades e até a fofoca de quem era a fim de quem. O insosso James Corden até tenta tirar deles algo mais picante, mas são todos muito discretos.

As leituras de passagens icônicas da série também proporcionam risadas e suspiros, além de abrirem caminho para participações especiais de quem deu as caras na série. Janice (Maggie Wheeler) e Mr. Heckles (Larry Hankin) são alguns dos personagens marcantes que aparecem, além do (ainda) bonitão Tom Selleck, que fazia o namorado da Monica, Richard. Até figurinos engraçados são lembrados, como a fantasia de Ross do tatu do Hanukkah.

Numa provável tentativa de mostrar o peso dos amigos para os ídolos atuais da molecada, grandes nomes da atualidade são convidados a darem depoimentos, entre outros pitacos. Descobrimos, por exemplo, que o craque David Beckham sempre assiste a Friends quando está entre eventos, em hotéis. Outros, como Justin Bieber e Cara Delevigne, ficam felizes apenas fazendo parte, estando perto de seus ídolos. Lady Gaga, coitada, faz um cover, mas não chega aos pés da artista original e seu “gato fedido”. Com direito a referência a Nasce Uma Estrela (A Star Is Born, 2019).

Depois de dez anos acompanhando a série e quase duas décadas tendo que se contentar com reprises (e rindo como se fosse a primeira vez), a verdade é que todos que guardam certa afeição por Friends vão ficar com um sorriso bobo no rosto vendo esse encontro. É um apelo claro à nostalgia de quem hoje já passou dos vinte (ou mais) e viveu uma etapa da vida entre os dois apartamentos vizinhos e um café no Central Perk. É uma ótima oportunidade para rever Courteney Cox, Lisa Kudrow, Jennifer Aniston, Matthew Perry, Matt LeBlanc e David Schwimmer. E para lamentar que não há outra série como Friends.

Quando a série começou, em 1994

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Zack Snyder volta aos zumbis na Netflix

Dezessete anos depois de ensaiar uma crítica tímida ao capitalismo com o divertido Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, 2004), Zack Snyder volta ao tema usando a mesma metáfora. A diferença é que agora o cenário não é um shopping, mas a cidade do pecado. E há uma maior variedade de zumbis. Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (2021) acaba de chegar à Netflix com o título original, sem tradução, mas acompanhado de um subtítulo. É, é isso mesmo.

Um rápido e promissor prólogo joga no ar uma ideia: alguma experiência teria dado errado e criado um morto-vivo sedento por sangue. Ou apenas teriam capturado a criatura. Um acidente exagerado a solta no mundo. Ela corre pra onde? Para a capital mundial das apostas, lugar que guarda muito dinheiro e acaba sendo evacuado às pressas. Logo, conseguimos deduzir que ficou uma grana louca lá e não vai demorar até que alguém queira recuperá-la.

É aí que entra o nosso protagonista, uma escolha no mínimo inusitada. Dave Bautista é um sujeito que nos acostumamos a ver como vilão (007 Contra Spectre, 2015) ou como coadjuvante (nos Guardiões da Galáxia, por exemplo), mas aqui ele toma a frente da equipe que ele reúne e que deve recuperar uma grande quantia para ganhar uma parte. Algo o impede de ficar com tudo para ele? Apenas um empregado do patrão que os acompanha na missão (vivido por Garret Dillahunt, de Sergio, 2020). Bautista, apesar de gigantesco, até parece uma pessoa comum. Talvez por causa do tédio que demonstra.

Os buracos na história de Snyder pulam aos montes. O roteiro, de Shay Hatten (de John Wick 3, 2019) e Joby Harold (de Rei Arthur, 2017), chega ao cúmulo de simplesmente esquecer personagens. Ele leva duas horas e meia para desenvolver a ação e o draminha familiar para de repente desconsiderar um tanto de coisa. Por exemplo, uma explosão nuclear. O acampamento onde alguns ficam isolados é uma piada. É buscado um contexto de perseguição política e segregação, mas o alvo acertado fica muito longe. E os policiais que guardam o local não servem pra nada, todo mundo entra e sai.

A equipe formada tem trânsito livre e inventam de colocar na mistura a figura da coiote (Nora Arnezeder, de Protegendo o Inimigo, 2012), que vive de passar pessoas pela fronteira. E o que ela estaria oficialmente fazendo ali? Não sabemos. Scott (Bautista) aceita a missão por dinheiro, mas logo descobrimos que ele não ficará com os milhões. Qual o sentido, então? Comprar a filha (Ella Purnell, de O Lar das Crianças Peculiares, 2016)? E ela é voluntária no que mesmo? Essas são algumas informações jogadas de qualquer jeito.

No que diz respeito aos zumbis, as estranhezas não param. Há um casal malvadão, com direito a ceninha romântica entre eles, que mandam nos demais. Os dois parecem saídos de Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016) e A Entidade (Sinister, 2012). A gangue deles lembra praticantes de parkour que cheiraram muita cocaína. E há um tigre zumbi muito estiloso que poderia ter sido abatido em segundos, mas aí ele não poderia ficar fazendo pose. Gente que nunca havia pegado numa arma acerta de cara na cabeça dos zumbis, o que não causa nenhuma surpresa, e volta e meia a munição acaba na hora H, bem convenientemente.

Cheio de regras novas para o universo zumbi, esse Army of the Dead é previsível e enfadonho, com poucos momentos relevantes. Snyder não se define entre drama, suspense e comédia, distribuindo risadas e vísceras a esmo. Na função também de diretor de fotografia, ao menos fez as pazes com o Sol, o que teria sido ótimo em O Homem de Aço (Man of Steel, 2013). A estética de videogame fica mais forte, parecendo muito que os personagens passam de fase (nem todos, claro). Não que alguém vá se importar com qualquer um deles. E fica a irritante sensação de que estamos vendo a criação de uma nova franquia.

Ao menos Snyder parece se divertir nas gravações

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Kate Winslet volta à TV com Mare of Easttown

A dois episódios de acabar, completando sete, a minissérie Mare of Easttown se firma como uma das melhores dos últimos anos. É certo apostar que Kate Winslet estará em todas as premiações da televisão, certamente a melhor coisa da atração. Mas é preciso ressaltar que todas as peças estão devidamente encaixadas, o que permite à protagonista alçar voos mais altos. O elenco de apoio é ótimo e ajuda muito ter um diretor e um roteirista apenas, contribuindo com a unidade do projeto.

Vindo do elogiado (e fraco) O Caminho de Volta (The Way Back, 2020), Brad Ingelsby usou muito de sua própria experiência crescendo em uma cidadezinha norte-americana para criar a fictícia Easttown Township, uma cidade que parece saída da imaginação de David Lynch, algo como vimos em Veludo Azul (Blue Velvet, 1986). Aparentemente, é tudo muito tranquilo, bucólico, até chato. Mas, olhando direito, todos têm suas manias, seus pecados, até seus crimes.

Nesse esquema de rotina do interior, conhecemos a detetive Marianne Sheehan, Mare para os íntimos. Além de investigar há um ano o desaparecimento da filha de uma amiga, Mare lida com a bagunça de sua própria vida. Um filho morto, que deixou para trás uma criança pequena e uma nora viciada, e um divórcio não superado montam um quadro bem problemático. Para ajudar, a mãe ainda volta a morar com ela, sendo uma fonte frequente de brigas.

Com maquiagem e figurinos bem discretos, Kate Winslet convence como uma mulher pouco vaidosa, prática, sempre preocupada com os crimes que investiga. Tudo é construído nos diálogos, no sotaque bem específico do interior da Filadélfia e no trabalho físico, desleixado, típico de uma pessoa real, comum. Dez anos depois de sua Mildred Pierce (2011), Winslet voltar a deixar o telespectador embasbacado na tela pequena, além de seus vários trabalhos premiados na grande. Mesmo sendo uma mulher cheia de falhas, não pensamos duas vezes antes de torcer por ela.

Dando vida aos demais moradores de Easttown, temos intérpretes da melhor qualidade. Jean Smart, que esteve recentemente nas séries Watchmen, Legião e Dirty John, dá várias dimensões à mãe de Mare, sempre trocando de papéis com a filha, ora vilã, ora a voz da razão. A melhor amiga da detetive é vivida por Julianne Nicholson (de The Outsider), atriz discreta e não menos brilhante que as colegas. Do lado masculino, destaque para Guy Pearce (de Sem Remorso, 2021), David Denman (de Brightburn, 2019) e Evan Peters (o Mercúrio dos X-Men da Fox). Mas o show é mesmo das mulheres, com Winslet à frente.

O roteiro de Ingelsby quebra expectativas, fugindo do óbvio, e traz questões interessantes. Por exemplo, o fato de Mare ser tratada como a estrela da cidade por um jogo de basquete ganho na escola, mas ver a si mesma como uma farsa. E o escritor de Guy Pearce ser reverenciado por ter escrito apenas um livro e nada mais, o que também o faz se achar menos. A direção de Craig Zobel (de A Caçada, 2020) junta bem os elementos, como a trilha sonora discreta e a ótima fotografia, que explora bem tanto a cidade quanto cômodos menores. Em poucos dias, conheceremos os últimos episódios, mas Mare of Easttown ainda fará barulho por um bom tempo.

Com Pearce, num dos poucos momentos de paz da atribulada Mare

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A Mulher na Janela não funciona nem de longe

Uma pessoa vê um crime no imóvel em frente e, sem poder sair de casa, fica à mercê do possível assassino. Sim, você já viu esse filme, chama-se Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), clássico de Alfred Hitchcock que há mais de 60 anos contou uma história de maneira irretocável sem precisar chamar o espectador de burro. Quem o faz é o novo A Mulher na Janela (The Woman in the Window, 2021), que traz um elenco fantástico para disfarçar uma bagunça generalizada.

Amy Adams é a isca enviada para atrair o público. Seis vezes indicada ao Oscar (e certamente merecedora, como por A Chegada, 2016), ela lidera um grupo que ainda traz Julianne Moore (de Suburbicon, 2017), Gary Oldman (de Mank, 2020), Jennifer Jason Leigh (de Bom Comportamento, 2017), Wyatt Russell (de Operação Overlord, 2018), Anthony Mackie (de Falcão e o Soldado Invernal) e Brian Tyree Henry (de Godzilla vs. Kong, 2021). Vários nomes interessantes que não têm nem tempo suficiente para mostrarem serviço. As atuações vão de insignificantes a constrangidas.

A personagem de Adams é uma psicóloga que sofre de agorafobia: medo de sair de casa. O que não impede todo o elenco de entrar lá. Qualquer um que estiver passando na rua entra da casa de Anna e ela não tem restrições a confiar e se abrir com desconhecidos. O dramaturgo Tracy Letts (que vive o psiquiatra de Anna), que adaptou o livro de A.J. Finn (pseudônimo de Daniel Mallory), assinou os ótimos roteiros de Possuídos (2006) e Killer Joe (2011), mas também cometeu Álbum de Família (2013), o que prova que ele não é infalível.

Os diálogos truncados deixam propositalmente muita informação de fora, o que fica cada vez mais inverossímil. Um passado é construído para a personagem, o que deveria torná-la mais profunda, mas fica apenas mais esquemático. A atitude geral é muito suspeita, claro, para que desconfiemos de todos. Ao invés de apostar suas fichas e criar tensão jogando com a percepção de público, como Hitchcock fez, o diretor Joe Wright (de O Destino de Uma Nação, 2017) atira para todo lado e cria um mistério digno do jogo Detetive.

Quem não ficou feliz com Gary Oldman sendo indicado ao Oscar por Mank não vai gostar de vê-lo dando chiliques vazios – e os demais também. Ao ator não sobra muita coisa, como a Julianne Moore, os maiores e mais desperdiçados talentos do projeto. Há quem diga que o livro de Mallory seja bom, ao contrário do filme, fenômeno similar ao observado em A Garota no Trem (The Girl on the Train, 2016). Se os livros são bons, não importa, ambas as adaptações descarrilaram.

Na dúvida, fique com o clássico Janela Indiscreta

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