Eu e o Cinema em Cena

por Marcelo Seabra

Essa semana, recebi um convite muito interessante: participar da gravação da 31ª edição do podcast do Cinema em Cena. Fiquei satisfeito não só pela possibilidade de colaborar com o maior site sobre cinema da América Latina, que goza de imensa popularidade, ou de poder conhecer o Pablo Villaça, crítico de renome no cenário nacional que já dá seus pulos fora também, interagindo com um dos maiores nomes da crítica estrangeira, Roger Ebert. Fiquei mais satisfeito por poder voltar a um universo que foi meu dia a dia por dois anos – entre 2003 e 2005, para ser mais específico (a imagem acima é dessa época).

Tomei conhecimento do site quando entrei na faculdade de jornalismo. Um colega, que logo se tornou um grande amigo, me indicou e logo me viciei. Acompanhava as notícias do cinema através daquela seção Cinenews, que trazia um grande volume de notas por dia. Até que chegou o memorável momento em que li, na capa do site, uma oferta muito tentadora: trabalhar com a equipe. Para mim, já eram velhos conhecidos, mas eu poderia me tornar um deles. Já pensou: ser pago para escrever, e ainda sobre cinema? Seria um sonho realizado, sem nenhum exagero. Como eu atendia os pré-requisitos, resolvi tentar.

A prova não era fácil, mas deu para corresponder. A primeira questão pedia um filme de cada ator indicado por uma fotinha. Dos seis, errei um: respondi Vanessa Redgrave no lugar da Katharine Hepburn. A foto não era das melhores, mas confesso que nem com cor e alta definição eu iria fazer melhor. Mas citei três filmes de cada, até da errada. A próxima questão me permitiu exibir um pouco: citar três filmes do diretor Robert Zemeckis. Citei a carreira inteira, com uma ou duas omissões, até O Expresso Polar, que estava em produção na época. A última pedia uma notícia, no formato do site, usando um release da Fox como base. O longa era A Liga Extraordinária (aquilo mesmo!), baseado na série em quadrinhos que eu tinha acabado de ler, e aproveitei para gastar todas as informações que tinha.

O grande problema é que havia uma quarta questão, que foi explicada, mas não estava escrita. Deveríamos escrever sobre um filme qualquer, sem limitações, sem nenhum modelo. Bastava escrever. E, ao final, esqueci completamente. Dentro do ônibus, voltando para a faculdade (onde eu trabalhava), lembrei da falha e me desesperei. A saída foi escrever a toque de caixa, no horário de trabalho, e enviar por e-mail. E rezar para ser aceito. O alívio só veio com a ligação do Renato (Silveira, hoje Editor-Chefe do site): o texto seria considerado.

Foram dois anos de muita ralação, muitos textos escritos na hora do almoço, sem almoço, já que minhas outras atividades me apertavam o dia. Foram curiosidades, erros de continuidade, obituários, muitas notícias e a coluna que inaugurei, a Sobre Trilhas. Era ótimo o desafio de descobrir qual música era aquela, naquele momento específico, respondendo aos leitores as dúvidas enviadas por e-mail.

Tanto tempo depois (de 2005 a 2012 vão-se sete anos), é fantástico me reunir com esse pessoal, rever o Renato (espero que me perdoe por desenterrar a foto ao lado) e conhecer os novos membros da equipe, todos muito simpáticos. E é reconfortante ver o cuidado que todos eles têm com o site: além de manter bem o funcionamento de tudo que o leitor já conhece e espera, estão sempre pensando em novidades. Afinal, há alguns meses não havia podcast, outra dessas bem vindas novidades.

PS: a edição da qual participei do Podcast Cinema em Cena está no ar! Clique aqui para acessá-la. Ficou bem legal! 🙂

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Cronenberg conta os primórdios da psicanálise

por Marcelo Seabra

Há alguns anos, assisti a um filme chamado Jornada da Alma (Prendimi l’anima, 2002) que, apesar de não causar nenhuma impressão suficientemente forte, trazia uma história interessante. O foco era no relacionamento do renomado psiquiatra Carl Gustav Jung com uma paciente que viria a se tornar também uma médica, a perturbada e inteligente Sabina Spielrein. Tudo o que houve entre eles ia sendo descoberto por dois estudiosos, no presente, através de uma profunda pesquisa em documentos e cartas.

Quase dez anos depois, o diretor David Cronenberg, famoso por estranhezas como A Mosca (The Fly, 1986), Videodrome (1983) e Gêmeos – Mórbida Semelhança (Dead Ringers, 1988), decidiu voltar seu olhar para essa trama, bem mais convencional que seus trabalhos anteriores. O livro A Most Dangerous Method, de John Kerr, já havia dado origem à peça teatral The Talking Cure, de Christopher Hampton (Oscar de Roteiro Adaptado por Ligações Perigosas). Cronenberg, então, se aliou a Hampton, com a intenção de chamar Christoph Waltz, Christian Bale e Julia Roberts para os papéis principais.

Devido a conflitos de agenda, nenhum dos atores pôde se comprometer com Um Método Perigoso (A Dangerous Method, 2011), e acabaram escalados Viggo Mortensen (em sua terceira colaboração com o diretor), Michael Fassbender (em um de seus cinco filmes de 2011) e Keira Knightley (a mocinha da trilogia Piratas do Caribe). Por se tratar de um roteiro construído em cima de inúmeros diálogos (que parece manter a estrutura da peça), o trabalho dos três deveria ser impecável para não afundar a produção. Tirando os exageros de Keira, bem caricata na jornada inicial de sua personagem, a missão foi cumprida.

Sabina Spielrein (Keira) é uma russa de boa família que chega a um hospital psiquiátrico de Zurique para ser tratada por Carl Jung (Fassbender), o jovem médico que começava a se envolver com as teorias do admirado veterano Sigmund Freud (Mortensen). Usando a inovadora técnica da cura pela fala, Jung se propõe a ajudar Sabina e passa naturalmente a ser considerado por Freud seu sucessor. Da relação entre os três, a psicanálise se reforça, já que até então não era bem aceita no meio médico. As cartas entre os dois logo levam a encontros e Freud passa a exercer uma grande influência sobre Jung, como um pai e mentor. A leitura das cartas acaba se tornando um recurso constante, já que Zurique fica bem longe de Viena.

Com a melhora gradual de Sabina e sua dedicação à medicina, pretendendo ela própria se formar, uma aproximação não muito ética a Jung começa a acontecer. Há um outro personagem, Otto Gross (numa marcante participação de Vincent Cassel), que tem uma participação decisiva na história. Ideias cada vez mais conflitantes levam os doutores a se desentenderem, com Freud indicando o sexo como culpado pelos distúrbios da humanidade e Jung levantando hipóteses relacionadas a religião e a possíveis interferências de fenômenos paranormais. A jovem inadvertidamente acelera o fim da associação.

Quem se interessa pelo assunto vai gostar de ver os pontos levantados por cada um e até a impressão que um tinha do outro. Hampton acaba privilegiando os traços negativos da personalidade de cada um, já que Jung parece incorporar facilmente as influências de terceiros, enquanto Freud automaticamente transforma todos à sua volta em servos e seres intelectualmente inferiores. Apesar de não desenvolver seus personagens tanto quanto poderia, Um Método Perigoso permite ao público tomar partido de quem julgar mais correto, além de reforçar a importância de Sabina para os eventos que cercam o nascimento da psicanálise.

Os debates entre Freud e Jung são os pontos altos do filme

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Heleno é Santoro e mais nada

por Marcelo Seabra

Há quem pense que pessoas geniais podem se dar o direito de serem arrogantes. O jogador de futebol Heleno de Freitas era tido como um gênio da bola, e era difícil de lidar na mesma proporção. Como o personagem serve como exemplo claro para um caso de apogeu e queda, era questão de tempo até alguém levá-lo às telas. Depois de oito anos de pesquisas e desenvolvimento e um de geladeira, aguardando lançamento, finalmente podemos conferir Heleno (2011), o longa que conta essa interessante e triste trajetória. Ou, ao menos, parte dela.

É inegável que o principal chamariz dessa bem cuidada produção é o protagonista, ninguém menos que Rodrigo Santoro, Melhor Ator no Festival de Havana. Não precisando provar nada para ninguém há anos, o ator se joga no personagem e se despe de vaidade para viver o craque em todas as suas fases, inclusive na mais debilitada, quando sua caracterização se torna ainda mais fantástica (ao lado). A maquiagem ajuda a construir a figura histórica e Santoro chegou a perder 12 quilos durante as filmagens – “Sempre com acompanhamento médico”, ressalta. Este é realmente um grande momento em sua carreira e a impressão positiva que a obra causa na hora se deve a ele.

O problema de Heleno é similar ao de A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011): o roteiro não ajuda. Passagens importantes da história de seu biografado não são mencionadas, suas raízes e motivações permanecem uma incógnita, ele apenas é mostrado como um sujeito irascível, que se achava o único jogador digno de vestir a camisa do clube que defendia, e que era cercado por mulheres – mais de uma ao mesmo tempo, inclusive. Outra falha é ainda mais grave: não se pode confiar que determinado fato ou situação realmente ocorreu, já que os realizadores lançam mão de licenças poéticas, criando momentos e até personagens. Sílvia (vivida por Alinne Moraes), por exemplo, não existiu da forma como é mostrada. A esposa foi alterada para criar mais nuances dramáticas.

O fato de o filme ser em preto e branco deve-se ao baixo orçamento, algo na casa dos 8,5 milhões, e até ajuda a reforçar que se trata de uma história ocorrida há décadas. Dessa forma, era mais fácil economizar com cenários e adaptações físicas das locações. Mas a conversão foi feita após as filmagens, realizadas em cores, e o efeito que os tons de cinza poderiam causar não são aproveitados. Não há nada de noir na produção e uma ótima oportunidade foi perdida.

O diretor José Henrique Fonseca, também um dos roteiristas, vem do longa policial O Homem do Ano (2003) e da série da HBO Mandrake (2005-2007), esta baseada no detetive criado por seu pai, o escritor Rubem Fonseca. Enquanto lidava com ficção, tudo corria bem. Por não querer jogar o público contra Heleno, um sujeito fácil de se desprezar, Fonseca acaba menosprezando a riqueza de sua personalidade, focando em apenas alguns aspectos e caindo no erro que tentava evitar, ressaltando-os.

Heleno é mais um filme que não faz justiça a seu personagem e nem a seu ator. Santoro merece ser visto e a história de Heleno merece maior destaque, mostrando porque suas habilidades como jogador eram tão elogiadas. Ele foi o atleta da época que movimentou mais dinheiro ao ser negociado, na transação entre Botafogo e Boca Juniors, quando foi vendido para o time da Argentina. A maior das ironias: ele, que defendeu com tanto afinco as cores do Botafogo, foi campeão carioca pelo Vasco. E nem isso o longa deixa claro.

Opção de título seria Jogando na Chuva - parece chover em todos os poucos jogos

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Diversas referências compõem os Jogos Vorazes

por Marcelo Seabra

Lavoisier nunca esteve tão atual, veja o que acontece no cinema. É cada vez mais comum assistir a um filme e começar um processo de identificação de referências. Não que isso seja algo ruim: Tarantino já provou que estas colagens podem dar certo. Com Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012), isso acontece a todo momento. Com elementos de várias outras obras, a escritora Suzanne Collins criou sua trilogia e, com o sucesso atingido entre o público adolescente, a adaptação à tela grande da primeira parte era questão de meses.

O diretor Gary Ross, dos elogiados Pleasantville – A Vida em Preto e Branco (1998) e Seabiscuit – Alma de Herói (2003), foi incumbido de escrever e comandar a produção. Com a ajuda da própria Suzanne e de Billy Ray (que escreveu Intrigas de Estado, de 2009), Ross conseguiu aproveitar a maior parte daquele mundo futurista apocalíptico, fidelidade bem recebida pelos fãs do livro. E eles são muitos, já que milhões de cópias foram vendidas, tanto impressas quanto no formato digital Kindle, no qual Suzanne é recordista absoluta de vendas.

Na história, o que era a América do Norte virou Panem após algum evento destrutivo de grandes proporções. Os doze distritos que cercam a Capital são obrigados, como punição por uma insurgência, a cederem anualmente 2 jovens entre 12 e 18 anos. Os 24 indicados são chamados Tributos e participam de um reality show de onde apenas um sairá com vida. Com uma mistura do mito grego de Teseu, visto em Imortais (2011), e os espetáculos sangrentos nas arenas romanas à Spartacus, mais uma pitada de Big Brother, temos os Jogos Vorazes.

A protagonista, Katniss Everdeen, é uma habilidosa caçadora e arqueira de 16 anos que vive com a irmã menor e a mãe, que ficou abalada psicologicamente após a morte do marido. Katniss se vê obrigada a se oferecer como Tributo quando a irmã é sorteada, e é levada à Capital para participar do jogo. Com ela, vai o insípido Peeta Mellark, o filho do padeiro que conhece Katniss do tempo da escola. Eles são os indicados do Distrito 12, o mais pobre e distante de todos.

A atriz escolhida para dar vida à heroína, Jennifer Lawrence, vem recebendo bastante atenção – e merecida! Indicada ao Oscar no ano passado por Inverno da Alma, ela bem poderia estar recriando aqui sua sofrida Ree, já que há características similares nas regiões onde ambas vivem, e em suas famílias. Com o blockbuster X-Men: Primeira Classe (2011), no papel da jovem Raven, ela ganhou ainda mais evidência. Jennifer consegue demonstrar a emoção correta para cada momento, soando naturalmente adaptada àquela realidade. Josh Hutcherson (dos dois Viagem ao Centro da Terra), que vive Peeta, é discreto na medida certa, formando um par interessante com Jennifer.

Os bons atores de Jogos Vorazes não são apenas os mais importantes: os coadjuvantes, quando podem, roubam a cena. A começar por Stanley Tucci (de O Diabo Veste Prada, de 2006 – ao lado), como o extravagante apresentador e comentarista do programa, que entrevista os participantes e acompanha suas aventuras. O presidente de Panem é ninguém menos que Donald Sutherland (de Quero Matar Meu Chefe, de 2011), que tem pouco tempo em cena, mas nunca passa despercebido. Como a equipe que prepara os participantes do Distrito 12, vemos os bem integrados Woody Harrelson (de Amizade Colorida, 2011), Elizabeth Banks (de 72 Horas, 2010) e Lenny Kravitz (é, o cantor!). Temos ainda Wes Bentley, como o produtor do programa, Toby Jones, como outro comentarista, e Liam Hemsworth, o interesse romântico de Katniss em seu distrito.

Segundo Suzanne Collins, a ideia para Jogos Vorazes surgiu quando se misturaram em sua cabeça duas coisas que havia assistido na televisão: em um dia, viu pessoas disputando em um reality show; no outro, imagens da invasão do Iraque. Além das inspirações gregas e romanas, ela pode ter assistido (ou lido) a O Sobrevivente (The Running Man, 1987), história que Stephen King lançou em 1982 sob o pseudônimo de Richard Bachman. As relações que se desenvolvem entre os jovens e as reações podem ter saído de O Senhor das Moscas (livro de 1954, filmes de 1963 e 1990). O design da Capital é claramente calcado nas cidades nazistas, como visto em Triunfo da Vontade (1935) – o que é bem apropriado, por se tratar de um regime ditatorial. Batalha Real (ou Battle Royale) é um longa japonês de 2000, baseado num livro lançado no ano anterior, que foi distribuído recentemente e até ganharia uma refilmagem americana, cancelada exatamente pela similaridade com Jogos Vorazes.

Todas essas referências (e muitas outras) se encaixam com fluidez, e a fórmula vai divertir o público mais jovem. Stephen King, com frequência, elogia obras de outros artistas e ajudou a chamar atenção para a trilogia de Suzanne, assim como fez Stephenie Meyer, a culpada pelo novelão Crepúsculo. As histórias criadas por Suzanne e Stephenie, inclusive, têm muitos pontos em comum, o que levantou comparações e a ideia de uma sucessão natural nas sagas teens, para manter alto o faturamento de editoras e estúdios. No entanto, pais que se dispuserem a acompanhar os filhos ao cinema vão sofrer menos desta vez. Bem menos!

Os principais Tributos, clicados para a revista Vanity Fair

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Você não conhece Anvil, mas deveria!

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Dois filmes muito similares em suas propostas foram lançados em 2008, ainda que suas abordagens sejam completamente diferentes entre si. Um deles, O Lutador, trouxe Mickey Rourke de volta às luzes da ribalta ao retratar a história do profissional de luta livre que, um dia ídolo de multidões, tenta recuperar sua antiga glória vinte anos após seu melhor momento ter passado. O outro, Anvil: The Story of Anvil é um documentário sobre 2 roqueiros canadenses que tentam, a todo custo, recuperar a glória da qual desfrutaram por um breve período nos anos de 1980. Um pouco de contexto é necessário para situar o leitor.

A história do Anvil começa em 1973, quando os colegas de escola Steve “Lips” Kudlow (vocal e guitarra) e Robb Reiner (baterista) se juntam a um guitarrista local para montar uma banda. Cinco anos depois, com a adição de Dave “Squirrely” Allison (vocais e guitarra) e Ian “Dix” Dickson (baixo), a banda Lips começaria a seguir a mesma trajetória de qualquer banda iniciante atrás de gravadoras. Três anos depois, já renomeada Anvil, Lips, Kudlow & cia debutariam com Hard ‘N’ Heavy.

Em termos musicais, o início dos anos 1980 foi marcado por um grande movimento chamado NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal – “A Nova Onda do Heavy Metal Britânico”) cujo maior representante ainda ativo é o Iron Maiden. A influência do movimento não se restringiu à terra da Rainha e diversas bandas do outro lado do Atlântico se beneficiaram dele. O Anvil foi um deles. A banda obteve um certo sucesso naqueles anos, sendo seu ápice um festival no Japão ao lado de gigantes da época, como o Scorpions e Bon Jovi, em 1984. Citado como influência por grandes nomes do metal como Kerry King (Slayer), Slash (ex-Guns ‘N’ Roses) e Scott Ian (Anthrax), tudo levava a crer que o Anvil marcaria a história da dita música pesada. E realmente, isso aconteceu. Mas não da forma que todos poderiam esperar.

Do Japão de 1984, pulemos para Toronto, Canadá, em 2006. É lá que o diretor Sasha Gervais (mais conhecido por ter escrito o roteiro de O Terminal, de Steven Spielberg) encontra Steve Kudlow e Robb Reiner. Duas estrelas consagradas de rock com 30 anos de estrada, fama e sucesso? Não mesmo. Mais de vinte anos após seu grande momento, as duas mentes por trás do Anvil levam vidas quase patéticas, ainda que bastante honestas: Lips sustenta sua família trabalhando como entregador de merendas escolares, enquanto Reiner trabalha na construção civil. E, sim, os dois continuam perseguindo aquela chance que tem certeza merecer.

Lançado no fim de 2011 por aqui para o mercado de homevideo, Anvil: The Story Of Anvil é um dos mais interessantes e honestos documentários sobre música já feitos. Sasha Gervais, um grande fã do Anvil, decidiu ficar ao lado da banda por praticamente dois anos, registrando seus (raríssimos) altos e seus (constantes) baixos. Da arena no Japão, o Anvil reduziu-se a uma banda que toca em casas minúsculas no Canadá, para uma base fiel de fãs. Quando conseguem a chance de uma excursão de um mês pela Europa, o cenário muda, mas a rotina não. Liderados por uma empresária tão bem intencionada quanto incompetente, o Anvil toca em bares para platéias de, muitas vezes, meia dúzia de pessoas. Literalmente. E praticamente não recebem nada pelos serviços prestados, chegando ao cúmulo de serem pagos com comida.

Tudo isso parece roteiro de uma comédia, mas não é bem isso. Anvil: The Story of Anvil é uma história tocante sobre dois homens que, mesmo na casa dos 50 e com todos os prognósticos negativos, perseguem seu sonho de infância. Filmado e editado de maneira brutalmente honesta por Gervais, o documentário foi muito bem recebido por crítica e público em geral, incluindo, obviamente, pessoas que nunca haviam ouvido falar da banda. O filme teve sua estréia no Festival de Sundance em 2008, e naquele ano foi premiado com o Audience Awards no Sydney Film Festival, no Los Angeles Film Festival e no Galway International Film Festival. Em 2009, foi premiado como Melhor Documentário no Evening Standard British Film Awards e, no ano seguinte, levou o mesmo prêmio do 2010 Independent Spirit Awards de Los Angeles.

Mais importante que qualquer prêmio é que, ao abrir as portas de seu cotidiano e mostrar sua rotina diária sem pudores, Lips e Reiner atraíram também a atenção das pessoas certas. Desde 2008, o Anvil encontrou uma sobrevida e conseguiu o sucesso perseguido durante três décadas: hoje, finalmente, os dois cinquentões podem viver exclusivamente de sua música., tendo, inclusive, passado por terras tupiniquins em 2011 e já com a segunda vinda confirmada como uma das atrações do Metal Open Air, festival que acontece em abril no Maranhão.

Robb e Lips seguem firmes na luta pela carreira

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O sexo chama a atenção, mas é a tristeza que se sobressai

por Marcelo Seabra

Três anos depois do lançamento do drama Hunger, o artista plástico, diretor e roteirista Steve McQueen (nenhum parentesco com o intérprete de Bullitt) reconvocou Michael Fassbender (hoje mais conhecido como o Magneto mais jovem de X-Men: Primeira Classe) para uma nova empreitada: Shame (2012), que curiosamente (como Drive) chega ao Brasil mantendo seu título original. O longa causou muito barulho pelo grande volume de nudez e sexo que apresenta. Mas não se trata apenas disso – apesar de serem muitas cenas mesmo. As ações de seus personagens chocam ainda mais, deixando o público preocupado com o futuro da humanidade.

Assim como acontecia em O Psicopata Americano (livro e filme), a cidade onde a história se passa parece ser fria, impessoal, superficial. Nova York, sempre ela, é populosa, mas seus habitantes não se sentem menos solitários por isso. E, assim como Patrick Bateman, Brandon Sullivan tenta arrumar uma forma de preencher um certo vazio existencial que o deixa sempre com um ar melancólico. Para o público feminino, isso é ótimo, já que a tristeza é vista como uma aura de mistério, o que torna Brandon mais atraente. O problema é que ele não consegue se relacionar emocionalmente e acaba compensando isso com uma compulsão por sexo. O humor e o exagero de Psicopata não estão presentes aqui.

Toda e qualquer desconhecida, para Brandon, serve para a mesma coisa: saciar sua necessidade. O problema chega a tomar tal proporção que não sobra tempo ou interesse para mais nada em sua vida, ele passa os dias entre pornografia e a consumação do ato propriamente dito. Seja com estranhas encontradas no metrô, seja com prostitutas. Brandon olha para uma mulher como um viciado olha para a seringa: é algo que lhe trará aquele prazer momentâneo, que é tudo o que ele deseja agora. Seu trabalho nunca é especificado, seu apartamento não tem muitos objetos que indiquem traços de sua personalidade e seus amigos são o chefe e os colegas de trabalho, com quem ele ocasionalmente sai para uns drinks.

Quando o filme começa, descobrimos a existência de uma irmã que Brandon tenta ignorar, evitando seus telefonemas e não dando retorno. Até que um dia ela resolve chegar de surpresa e estraga a vida milimetricamente planejada e vazia dele. Carey Mulligan, com seu tipo físico mirrado, novamente vive uma adolescente, como em Educação (2009) e Não Me Abandone Jamais (2010). Sissy Sullivan se diz uma cantora de bar, mas não costuma ter muitas oportunidades e resolve fazer uma visita ao irmão, aproveitando para economizar uns trocados vivendo com ele. Logo, começam os conflitos entre os irmãos: ela quer se aproximar, enquanto ele não quer ter laços que possam alterar sua rotina de sexo desenfreado. O passado dos dois pode esconder experiências traumáticas, mas isso não passa de pequenos sinais aqui e ali e nada fica claro.

O sentimento de tristeza acaba passando ao espectador, que é exposto àquela cidade que parece esmagar seus habitantes. É impossível vencer nessa Nova York, o que torna a letra da famosa canção tema de New York, New York uma mentira dolorosa, uma afirmação irônica – e, na voz de Mulligan, é ao mesmo tempo arrastada e de partir o coração. Assim como o filme, a música é triste. Vergonha, a tradução do título, é uma definição bem apropriada para o protagonista, que se esconde atrás de um estilo de vida aparentemente igual ao de todos os jovens e bem sucedidos executivos da região. Qualquer alteração nessa imagem cuidadosamente construída pode chamar atenção indesejada, e é o que a chegada da irmã representa.

Michael Fassbender passa por uma fase de onipresença, com nada menos que cinco longas e um curta lançados em 2011. Para 2012, chega a ficção-científica Prometheus e um novo trabalho com McQueen também está nos planos, estabelecendo mais uma parceria de sucesso no cinema. Depois de Hunger e Shame, podemos esperar que Twelve Years a Slave seja, no mínimo, algo marcante, que não deixará o público impassível.

Fassbender e McQueen rumam a uma sólida parceria

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O Guarda é mais uma pérola inglesa

por Marcelo Seabra

Comédias inglesas têm algo que me atraem. Pode ser o tipo de humor, discreto, baseado nas situações estranhas em que seus personagens se metem. Agora, se elas contam com Brendan Gleeson em papel de destaque, não dá para perder. Os irmãos McDonagh perceberam isso logo e fizeram de Gleeson seu ator-fetiche. Martin, o mais novo, havia dirigido o ótimo Na Mira do Chefe (In Bruges, 2008). John Michael decidiu estrear na direção e não teve dúvida de quem chamar para O Guarda (The Guard, 2011). Mais um ponto para a família.

Indicado a um Globo de Ouro pelo papel, Gleeson vive o sargento Gerry Boyle, um sujeito que não conseguimos definir se é muito esperto ou muito burro. Sua inocência pode ser confundida com sarcasmo, ou vice-versa. Ele parece ser uma metralhadora quando se trata de cometer gafes ou ser deliberadamente rude. Mas ele o faz de uma forma tão natural, com uma cara tão boa, que é difícil para os demais personagens ficarem chateados com ele. E, apesar de seus métodos pouco ortodoxos, não se pode dizer que é um incompetente. Galway, na costa oeste da Irlanda, é uma cidade de sorte por tê-lo em sua força policial.

As várias contradições de Boyle, aliadas à atuação de Gleeson, o tornam tão carismático e crível. Até a preferência por companhias femininas pagas dizem muito a respeito de sua personalidade, já que é um sujeito sozinho, que divide seu tempo entre a delegacia e cuidar da mãe idosa. Sua rotina sofre um baque quando encontra um cadáver recém assassinado ao mesmo tempo em que um agente do FBI chega na cidade para tentar prender uma ambiciosa gangue de traficantes de drogas.

Don Cheadle, o Coronel Rhodes do segundo Homem de Ferro (Iron Man 2, 2010), vive o agente americano como um contraponto perfeito para Boyle. Para começo de conversa, ele é negro, e o festival de insultos começa. O roteiro, também de John Michael McDonagh, parte de bases bem comuns ao gênero policial – o contraste entre personalidades, os extremos que precisam se unir e acabam se afeiçoando um ao outro. Mas isso é só o começo, as situações que surgem são bem interessantes. Boyle chega a dizer que preconceito é algo inerente ao irlandês.

Além de Gleeson e Cheadle, o elenco de O Guarda traz também três criminosos inspirados. Liam Cunningham (de Cavalo de Guerra, 2011), Mark Strong (o Sinestro de Lanterna Verde, 2010) e David Wilmot (de The Tudors) formam a gangue de traficantes, cada um com suas características marcantes. A veterana Fionnula Flanagan (de Quatro Irmãos, 2005) deixa sua marca como a mãe de Boyle, sempre muito correta em seu trabalho.

É uma pena que longas como In Bruges e O Guarda acabem indo direto para as prateleiras das locadoras. No Brasil, sem um nome de peso ou um “motivo” que justifique o investimento, o filme passa batido. Preste bastante atenção, não se acha pérolas como essa todos os dias no mercado de homevideo. Gleeson pode não ter sido premiado com um Oscar ou Globo de Ouro, mas ele sozinho vale o aluguel.

O guarda sabe se divertir - mesmo que tenha que pagar

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Washington e Reynolds mantêm thriller satisfatório

por Marcelo Seabra

Uma dupla carismática pode ajudar a salvar um thriller não muito original. Estamos falando de Denzel Washington (Oscars por Tempo de Glória e Dia de Treinamento) e Ryan Reynolds (o Lanterna Verde), que se reuniram para fazer Protegendo o Inimigo (Safe House, 2012), um policial tenso e rápido o suficiente para manter o interesse do espectador. Minutos depois, pensando a respeito, você pode até achar falhas aqui e ali, mas na hora tudo funcionou bem.

Washington aparece disfarçado (leia-se com cabelão e cavanhaque) vivendo Tobin Frost, um ex-agente da CIA que caiu na vida vendendo segredos da agência e de quem mais aparecer pela frente. Ele passou dez anos se virando, empregando tudo o que aprendeu em seus anos de trabalho, e de repente se entrega na embaixada americana da Cidade do Cabo, África do Sul. Depois do rebuliço inicial, já que Frost é top of mind quando se fala de espião traidor, os cabeças da CIA ordenam que se leve o prisioneiro para um abrigo seguro, uma casa secreta mantida para receber este tipo de gente.

Parecia ser mais um dia entediante na carreira do novato Matt Weston (Reynolds), que passa seus dias atendendo o telefone sem grandes novidades como “caseiro” do abrigo. Weston deve receber Frost e a equipe enviada para interrogá-lo, mas as coisas não serão tão simples. O vira-casaca tem um arquivo que supostamente causará muito estrago se for divulgado, e muita gente vai correr atrás dele. Weston, então, se vê na missão que custará a sua vida ou trará a tão almejada promoção que lhe permitirá viver tranqüilo com a namorada.

O jogo de gato e rato entre os espiões de gerações diferentes prometia mais. Afinal, Frost é tido como um grande manipulador de mentes, era um negociador habilidoso em seus dias como funcionário público. E Weston é o sujeito que acabou indo para uma cidade onde nada acontece, para uma função em que ninguém nunca dependerá dele. Fica claro que não deve ter sido dos recrutas mais brilhantes. Logo, os diálogos entre eles deveriam ser mais afiados, não se limitando a falar da namorada e da dificuldade de se manter uma vida a dois quando se é um profissional do perigo. Supostamente, um levaria o outro facilmente na conversa, o que deixaria as coisas mais divertidas.

Os maiores atrativos de Protegendo o Inimigo são a agilidade da ação e seus protagonistas. Praticamente em tempo real, o filme ganha um ritmo ágil acompanhando a fuga do relutante Weston, que deve proteger seu prisioneiro e, ao mesmo tempo, impedir que ele escape. Os atores cumprem bem seus papéis – já vimos várias vezes que ambos são capazes de boas cenas de ação. O reforço no elenco responde pelos nomes de Brendan Gleeson (do recente O Guarda), Vera Farmiga (de Contra o Tempo), Sam Shepard (o pai de Entre Irmãos), Joel Kinnaman (da série The Killing) e Robert Patrick, o eterno T1000.

Apesar do nome (devido ao pai chileno), o diretor Daniel Espinosa é sueco e reforça a onda nórdica que vem tomando a televisão e o cinema. Fortes no gênero policial, os artistas daquela região – sejam escritores, cineastas ou atores – vêm ganhando destaque, tendo como nome mais famoso o falecido Stieg Larsson, autor da trilogia Millennium. Espinosa filma o roteiro do estreante David Guggenheim, que ganhou respeito o suficiente para ter a publicação de seu primeiro livro garantida e já está escalado para trabalhar com o frenético Tony Scott, diretor que parece ter sido a inspiração de Espinosa nesse Protegendo o Inimigo (pelo estilo e pelo ator-amuleto, Washington).

Espinosa e o cabeludo Denzel

Espinosa e o cabeludo Denzel

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O ator é outro, mas a fórmula de Spartacus permanece a mesma

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Sucesso no canal Starz em 2010, a série Spartacus, agora com o subtítulo de Vengeance (Vingança), estreou  no último sábado, dia 10 de março, no canal a cabo Globosat HD, pouco menos de dois meses após o  primeiro episódio ter ido ao ar nos Estados Unidos.  A série traz uma nova abordagem à história do escravo que se torna gladiador e, rebelando-se contra seus mestres, foge, organiza uma espécie de exército e ameaça a hegemonia romana por quase dois anos.

Vengeance é sua segunda temporada oficialmente, e chega cercada de expectativas, principalmente depois das turbulências que enfrentou no ano passado. Após sete episódios exibidos nos Estados Unidos, podemos perceber que algumas das mudanças – sendo a principal delas a substituição do protagonista, Andy Whitfield, morto ano passado devido a um câncer, por Liam McIntyre – não alteraram as características mais marcantes da série. A mudança de foco nessa temporada, no entanto, pode pegar alguns dos fãs de surpresa.

NOTA: A partir daqui, há spoilers para aqueles que não assistiram à temporada anterior, Blood and Sand, ou à minissérie Gods of the Arena.

Se a primeira temporada da série, Blood and Sand, teve seu foco principalmente nas lutas nas arenas, enquanto também abordava as incessantes tentativas de Quintus Batiatus (John Hanna – ao lado) e sua esposa Lucrecia (Lucy Lawless) de deixarem seu papel de coadjuvantes na sociedade romana e ocuparem um lugar de destaque no Senado Romano, Vengeance é uma história de fuga e captura. Guardadas todas as devidas proporções, há, aqui, uma certa semelhança com a segunda temporada de Prison Break.

Ao final de Blood and Sand, Spartacus e seu séquito estão livres. Pelo menos, livres do ludus de Batiatus, deixando uma trilha de sangue e corpos atrás de si. Os escravos estão escondidos nos esgotos de Cápua, realizando ataques aqui e ali para obter comida e novos recrutas, enquanto rechaçam repetidamente as tentativas de captura pelos romanos.

Logo de cara, vê-se que o grupo de Spartacus tem uma cisão. Uma parte do exército é liderada pelo trácio e seu braço direito, Agro (Daniel Feuerriegel), além da amante de Spartacus, Mira (Katrina Law). A outra, composta majoritariamente por gauleses, se agrupa ao redor Crixus (Manu Bennet – ao lado). Os grupos têm objetivos, inicialmente, diferentes: Spartacus quer levar os escravos fugitivos para as montanhas do leste, encontrar navios e se livrar dos domínios romanos, onde, aí sim, poderiam conquistar sua liberdade; já Crixus quer ir para o sul, em busca de Naevia (Cynthia Addai-Robinson, de Flash-Forward, substituindo Lesley-Ann Brandt, que viveu a personagem nas duas temporadas anteriores), escrava pela qual se apaixonara e da qual foi afastado quando Lucrecia descobriu o romance, quando ela costumava usar o gladiador como seu brinquedo sexual.

Paralelamente, vemos a disputa entre aqueles que querem a glória da captura de Spartacus para si. O agora Pretor Claudius Glaber (Craig Parker), responsável pela captura do futuro Spartacus em Blood and Sand, quer o direito da captura para si, visando subir no Senado de Roma. No entanto, ele enfrentará a concorrência de Varinius (Brett Tucker) e, principalmente, do jovem Seppius (Tom Hobbs), ambos com mais recursos e homens do que Claudius. O pretor, no entanto, terá ajuda para compensar essa desvantagem, como Ashur (Nick Tarabay), antigo intendente de Batiatus, um ex-gladiador que culpa Crixus por sua falta de glórias na arena.

Todos os elementos que tornaram Spartacus uma série de relativo sucesso estão lá: as conspirações, a nudez, o sexo, o sangue. Aqueles que já acompanhavam a série verão poucas novidades. Causa estranheza ver McIntyre em cena, no lugar de Withfield, mas até o momento ele vem dando conta do recado. Até porque seu papel exige mais esforço físico do que mental, por assim dizer. Nos primeiros episódios há uma certa falta de cenas nas arenas, se compararmos com as temporadas anteriores. A ação e as conspirações, no entanto, continuam lá e espera-se que façam com que a série renda mais algumas temporadas, ainda que não haja a possibilidade de um final feliz para Spartacus e seus companheiros, caso os produtores decidam se ater ao destino final que foi reservado à figura história real que lhes serviu de inspiração.

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O poço de Nicolas Cage é bem fundo

por Marcelo Seabra

Imagine misturar o clássico Pacto Sinistro (Strangers on a Train, 1951) com o dramalhão A Corrente do Bem (Pay It Forward, 2000). Daria um longa onde um personagem mata quem causa problema para outro e a dívida passa adiante, com todos ao mesmo tempo sendo beneficiados e tendo um dever a cumprir, dificultando o trabalho da polícia por não terem ligação alguma entre si. Eu assistiria a este filme. E é o que parecia ser O Pacto (Seeking Justice, 2012). Mas, ultimamente, um filme com Nicolas Cage nunca é o que parece – é sempre pior.

Alguns atores podem ser acompanhados de perto por seus fãs, já que dificilmente fazem um trabalho muito ruim. Há poucos dias, um amigo observou esse fato a respeito de Denzel Washington, cuja presença sempre o motiva a conferir uma obra. Nicolas Cage já foi um destes profissionais inspiradores de tal confiança. Já foi. Há muito tempo. Depois de assistir, em um curto período de tempo, a O Pacto, O Motoqueiro Fantasma 2, Reféns, Fúria Sobre Rodas, Caça às Bruxas e Aprendiz de Feiticeiro, não há quem resista.

Demonstrando claramente, mais do que nunca, que tem muitas contas a pagar, Cage encarna um pacato professor de literatura de uma escola pública – nada mais longe do que esperamos dele. Até aí, uma escolha corajosa. Não é todo mundo que toparia declamar Shakespeare em frente a uma turma de jovens que, parece, não querem nada com nada. Para que isso fique ainda mais claro, em um roteiro óbvio, mal escrito e inconsistente, esses jovens são vistos brigando constantemente. E o professor é o cara centrado que busca trazer a eles a salvação através do estudo.

Há apenas uma pequena demonstração do maníaco que Cage guarda em si. O único indicador dos famosos chiliques do ator acontece na boate, rapidamente. Tudo corre bem até que a esposa é atacada. Depois do estupro e agressão, na sala de espera do hospital, o professor é abordado por um sujeito misterioso que se mostra solidário à dor de ter um parente agredido dessa forma e faz uma oferta tentadora. Bastaria um sim para que ele mobilizasse sua organização para fazer o que as autoridades dificilmente fariam: punir o agressor. Cage ficaria apenas devendo um favor, que viria no momento necessário. Nada que a máfia já não faça há décadas.

Após uma premissa interessante, começa o festival de estranhezas e percebemos ser este um filme comum na carreira de Cage, mesmo que ele esteja mais contido. É algo que outros atores devem ter dispensado e que acabou chegando em suas mãos. Nem Liam Neeson, que anda provando ser capaz de fazer ações medianas, não aceitaria isso. E a companheira de Neeson em Desconhecido (Unknown, 2011), January Jones (acima), prova novamente que é apenas um rostinho bonito, o que já dava para concluir assistindo à série Mad Men ou a X-Men: Primeira Classe. Ela vive a esposa rasa e estereotipada, indo do modelo de perfeição à vítima que terá mania de perseguição até o fim de seus dias. Algumas das piores falas saem de sua boca.

O vilão de O Pacto, Simon, é claramente um psicopata disfarçado de benfeitor. Sabemos de cara que sua oferta não sairá de graça, pelo contrário, e a transformação do personagem é tão esperada quanto exagerada. Guy Pearce (ao lado), que se mostrou um fantástico intérprete em diversos trabalhos, como Los Angeles – Cidade Proibida (L.A. Confidential, 1997) e Amnésia (Memento, 2000), não tem o que fazer como o tal misterioso líder da organização que pretende limpar a Louisiana. Outro desperdício é Jennifer Carpenter, lembrada como a Tenente Debra Morgan ou a exorcizada Emily Rose, que apenas mostra a cara e não diz a que veio.

O diretor Roger Donaldson conduziu filmes famosos dos anos 80, como Sem Saída (No Way Out, 1987) e Cocktail (1988). Apesar dos pesares, teve altos nas décadas seguintes, como A Experiência (Species, 1995) e Treze Dias que Abalaram o Mundo (13 Days, 2000). E assinou em 2008 o interessante Efeito Dominó (The Bank Job). Mas Donaldson não anda em boa forma, entregando uma obra enfadonha e previsível onde nada funciona. Não chega a ser o pior trabalho de Nicolas Cage – o que não significa muito. Para Donaldson, no entanto, este é um sério candidato.

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