Spartacus chega ao Brasil mutilada

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Spartacus, ou Espártaco, como queiram, é, sem sombra de dúvidas, o mais famoso escravo e gladiador da história e também um dos mais famosos líderes rebeldes de todos os tempos. Sua vida e seus feitos deram origem a um sem número de produtos culturais, especialmente desde o século 19, quando intelectuais como Karl Marx o elegeram um de seus heróis.

Ao longo dos anos seguintes, a figura do ex-escravo e ex-gladiador que desafiou o Império Romano por dois anos acabou se tornando ainda mais lendária e atraiu, obviamente, a atenção do Hollywood, que recontou sua história, de uma maneira bastante romanceada e dramática, através das lentes de Stanley Kubrik no clássico de 1960, com Kirk Douglas (ao lado) no papel principal. Em janeiro de 2010, o canal norte-americano Starz trouxe às telinhas uma nova versão do mito, que chegou recentemente no Brasil – de forma “oficial”, e não através de torrents e sites de compartilhamento de arquivos – via o canal a cabo FX. Spartacus: Blood and Sand tem tudo para fazer a alegria tanto daqueles fãs de séries como Roma (HBO) quanto dos apreciadores de filmes como 300 (2006).

A série começa quando os Trácios, um povo de onde hoje seria o sul da Bulgária, se une à tropas romanas em luta contra os invasores Getae, que querem, obviamente, conquistar suas terras. Roma usa os trácios como tropa reserva, buchas de canhão mesmo. Convencido pela esposa, Claudius Glaber (Craig Parker, de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, 2002) decide reunir sua tropa, abandonar a luta contra os Getae e marchar contra o rei Mithridates. Os Trácios, no entanto, batem de frente com as ordens do Legado e, liderados por um dos homens da reserva, se rebelam e retornam para casa, para defender seus lares.

Desnecessário dizer que, mesmo conseguindo salvar sua esposa dos invasores, o líder daquela rebelião, Spartacus (Andy Whitfield, de A Clínica, de 2010), é capturado pelas tropas romanas e levado à Cápua (cidade ao sul da Itália), para ser executado na arena, em um espetáculo de sangue e morte bastante comum na Itália da época. Execuções em arenas ficaram famosas especialmente por relatos bíblicos, onde judeus e cristãos eram mortos por gladiadores e animais selvagens no Coliseu. Para o desgosto de Claudius, no entanto, o guerreiro trácio se mostra uma presa difícil. Motivado pelo desejo de rever sua esposa, Sura (Erin Cummings, da série Mad Men), o trácio, depois de apanhar bastante, mata os quatro gladiadores que seriam seus executores. Pior: ele ganha a admiração instantânea da platéia e os responsáveis pelo espetáculo não vêem outra solução além de serem misericordiosos com ele.

Dentre os convidados de honra da recepção está o lanista – designação dada a donos de escolas de gladiadores – Lentulus Batiatus (John Hanna, da trilogia A Múmia) e sua esposa, Lucretia (Lucy Lawless, a eterna Xena). Batiatus também tem ambições ao senado e acredita que fazendo um favor a Claudius, poderia suavizar a estrada para tal. Seu objetivo é simples: comprar o escravo, batizado por ele próprio como Spartacus, em referência à um antigo rei da Trácia, e oferecê-lo como “boi de piranha” nos próximos jogos de gladiadores da arena de Cápua.

Spartacus é quase que uma típica série ambientada em períodos romanos. Toda a pirotecnia que rodeia as lutas nas arenas é temperada pelas conspirações típicas que, segundo muitos, se espalhavam por todo o Império. Aqui, temos várias delas acontecendo ao mesmo tempo: Batiatus e o afetado Solonius (Craig Walsh Wrightson) disputam entre si o trono de dono do melhor Ludus; Batiatus quer um cargo no senado e não hesita em matar e enganar para conseguir seus objetivos; essa é a mesma ambição que move Lucretia a cometer atos, no mínimo, reprováveis em busca do prêmio final; há, ainda, claro, a ambição de Spartacus de ser livre e como ele consegue, aos poucos, arregimentar outros para a sua causa.

Há outros atrativos na série, já que ela brinca com personagens que, segundo as parcas fontes romanas, realmente existiram, como os gladiadores Crixus (Manu Bennett, de 30 Dias de Noite) e o “Doctore” Oenomaus (Peter Mensah, de 300). Na série, Oenomaus é um ex-gladiador que, depois de mortalmente ferido na arena, se torna o treinador de Batiatus; já Crixus é o campeão de Cápua e principal estrela do Ludus até ser substituído por Spartacus. Fontes históricas dizem que ambos se tornaram os principais comandantes do exército rebelde, ao lado do proprio Espártaco.

Além das cenas na arena, que são um espetáculo à parte, com coreografias elaboradas e toda aquela sangueira e violência gráfica que os fãs do gênero adoram, os produtores de Spartacus não têm quaisquer escrúpulos ao mostrar cenas de sexo quase explícitas. Há diversas sequências de orgias e bacanais ao longo da série. Cenas de lesbianismo e homosexualismo são comuns e há, mesmo, uma sequencia que sugere pedofilia, quando Iliythia seduz um garoto de 15 anos – segundo a série, idade na qual os romanos atingiriam a maturidade – para facilitar seus planos de vingança. Cenas de nudez frontal masculina e feminina, então, são comuns na série.

Infelizmente, para o espectador brasileiro, esse atrativo a mais foi deixado de lado. Mesmo com a série sendo transmitida às 22:00 horas de domingo, e tendo a classificação “adulto”, o FX optou por editar as cenas em que o sexo e a violência são mais gráficas, algo que, honestamente, não faz muito sentido. Deixando isso de lado, Spartacus: Blood and Sand, se tornou a série mais bem sucedida do canal Starz. Infelizmente, ao final da primeira temporada, o protagonista, Andy Whitfield, descobriu-se com câncer e o canal teve que adiar o começo das filmagens da segunda temporada. Foi feita uma série de inter-temporada com seis episódios (Spartacus: Gods of the Arena), mostrando o início do ludus de Batiatus e o campeão de Cápua que antecedera Crixus, enquanto o ator se recuperava.

Ao fim dela, no entanto, Whitfield acabou optando por não voltar à série que o deixou famoso já que o câncer, inicialmente sob controle, voltou de forma a tornar impossível a ele continuar em um papel que o exigia tanto fisicamente. Spartacus, no entanto, continua. Depois de muito procurar, os produtores contrataram o australiano Liam McIntyre (da série The Pacific) para substituir Whitfield e a segunda temporada, intitulada Spartacus: Vengeance, deve estrear nos Estados Unidos em janeiro de 2012.

Andy Whitfield, caracterizado, e Liam McIntyre

 PS ATUALIZADO: Andy Whitfield faleceu ontem, no domingo, 11/09, aos 39 anos. O ator lutava contra um linfoma de não-Hodgkin, mesmo tipo de câncer que atacou o brasileiro Reynaldo Gianecchini. O galês Whitfield morreu em Sidney, onde vivia desde 1999, e deixou esposa e dois filhos.

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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