James Gunn entrega seu grande Superman

Quando ouvimos aquelas primeiras notas inconfundíveis de 1978, assinadas por ninguém menos que John Williams, um arrepio já percorre a espinha. Um tema tão acertado, tão ligado ao personagem, realmente não poderia ser deixado de lado. E não tem aquele recurso de “filmes de origem”, que demoram de 40 a 50 minutos para revelarem o herói. Esse novo Superman (2025) já o mostra de cara, com um letreiro inicial situando o público no tempo. A cidade de Metrópolis já conhece seu anjo da guarda. Mesmo que muitos cidadãos ainda tenham um certo pé atrás com ele. Incitados, claro, pelo gênio do mal Lex Luthor.

Com toda cara daquelas histórias em quadrinhos clássicas e divertidas, essa nova aventura do nosso popular Super-Homem prova uma coisa: o novo chefe dos estúdios DC, James Gunn, entende a essência do personagem bem mais que outros de seus colegas diretores. Começando, obviamente, por Zack Snyder, que passou longe do alvo. Gunn conseguiu um resultado próximo do sucesso de 1978: uma aventura gostosa de assistir, com personagens simpáticos, inteligentes, com quem passamos imediatamente a nos importar. Por mais que esse universo de figuras tão conhecidas tenha tido outras encarnações, tudo indica que essa versão tem tudo para se sobrepor às demais.

Como sempre acontece em situações muito visadas, a escolha de David Corenswet (de Pearl, 2022) foi envolvida em polêmica. Henry Cavill ainda estava muito fresco na cabeça de todos e foram rápidos em apontar defeitos. A verdade é que Corenswet, ao contrário do galã Cavill, funciona muito bem tanto como Clark Kent quanto como Superman. Ele se mistura e passa batido como o jornalista tímido, mas se impõe sem esforço como o último filho de Krypton. Algo próximo, ouso dizer, do que fez o saudoso Christopher Reeve. Sem necessidade de comparações, é justo dizer que Corenswet está excelente em sua caracterização.

A nova Lois Lane, mais lembrada como a Maravilhosa Sra. Maisel, põe a mão na massa em vários sentidos. Ela escreve, entrevista e ainda participa da ação, passando a léguas do bibelô a que Snyder relegou Amy Adams. Certamente a mais linda das Lois, Rachel Brosnahan é também a mais intrépida, corajosa e bem aproveitada. Em uma tomada específica, ela lembra muito sua veterana Margot Kidder, mas em momento algum fica à sombra da colega.

E, falando em figuras memoráveis, coube a Nicholas Hoult vestir os sapatos que foram do grande Gene Hackman. Hoult, em evidência desde que estrelou Um Grande Garoto (About a Boy, 2002), é um Lex Luthor bem mais ousado e sério que os anteriores. Para não dizer psicótico. É bom apontar que o roteiro ajuda, já que Luthor é bem mais ameaçador que aquele senhor que ficava fazendo especulação imobiliária. Como roteirista, Gunn soube dar luz aos vários personagens, algo que ele fez bem também na trilogia dos Guardiões da Galáxia (alguns dos atores aparecem aqui). Até o jovem Jimmy Olsen (Skyler Gisondo, de O Dilema das Redes, 2020) ganha mais relevância, deixando de ser apenas o alívio cômico de sempre.

Outro equilíbrio que Gunn soube manter foi no tom: há bastante ação, mas sem aquela destruição maçante (de Snyder). Temos momentos emocionantes, riscos reais em que tememos pelos personagens e humor. O roteiro respeita as regras que vai construindo, se safando de mostrar gente burra fazendo burrices. Superman nunca foi tão humano, tão caloroso. É cuidadoso até demais, salvando inclusive pequenos roedores. Enquanto os pais kryptonianos (vividos por Bradley Cooper e Angela Sarafyan) têm uma participação importante, porém curta, os pais terrestres (Pruitt Taylor Vince e Neva Howell) são mais emocionantes. E, por falar em lágrimas, temos bebê e cachorro, dois campeões em iniciar choros. Até relevamos algumas influências meio óbvias, como à série original iniciada em 1978 ou a The Boys.

A exemplo do que fez o recente longa do Adão Negro (Black Adam, 2022), além do protagonista, temos outros heróis, todos muito bem caracterizados. Mais uma prova da nerdice de Gunn, que soube observar os detalhes. O corte de cabelo ridículo do Lanterna Verde Guy Gardner, por exemplo, levantou fãs contra os primeiros trailers, mas Nathan Fillion ficou perfeito. Edi Gathegi, Isabela Merced e Anthony Carrigan completam um time bem azeitado. E há diversas participações especiais que só descobrimos ao ler as letrinhas do final, como Michael Rosebaum, o Luthor de Smallville, como um soldado de armadura. E, como um repórter, temos Will Reeve, o filho de Christopher.

Numa primeira análise, mais superficial, temos um filme bem amarrado, divertido, com personagens carismáticos que marcam magistralmente a primeira superprodução do novo universo cinematográfico da DC – que já conta oficialmente com as séries do Pacificador e do Comando das Criaturas, além de aproveitar alguma coisa do pacote anterior (como o Esquadrão Suicida de Gunn). Olhando mais a fundo, encontramos um bilionário megalomaníaco que se acha acima do bem e do mal e é obcecado por um imigrante ilegal, tentando acabar com ele de todas as formas ilegais que possa pensar. Quem não vê nisso uma alegoria a Trump ou mesmo a questão da Palestina está em outro planeta. Gardner chega a afirmar que não se deve mexer com política, para logo ver o quanto está errado.

Um personagem querido como o Homem de Aço sempre atrai boatos, rumores e mentiras descabidas. Não foi nem uma e nem duas vezes que apareceram no Instagram postagens de supostos infiltrados de Hollywood que diziam que o filme seria uma bomba e enterraria o universo recém criado por Gunn. Pois esse Superman satisfaz quem aguardava uma boa produção e só levanta a expectativa pelas próximas aventuras de outros medalhões da DC, como Batman, Mulher-Maravilha, Flash e, claro, Aquaman, tão marcante na pele de Jason Momoa. Vida longa ao DCU de James Gunn!

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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Uma resposta para James Gunn entrega seu grande Superman

  1. Letícia Alves disse:

    Adorei a crítica
    Quero assistir!

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