Possivelmente, tudo o que é preciso ser dito sobre Família Soprano (The Sopranos) já foi falado. A série, que foi ao ar entre 1999 e 2007, colocou um poderoso chefe da máfia de Nova Jersey no divã e moldou o que seria a TV dos Estados Unidos a partir dali: personagens dúbios, com fragilidades, mas extremamente ruins.
Depois de Tony Soprano (James Gandolfini), a cultura pop se inundou de outros protagonistas que despertam paixões, apesar da vilania de seus personagens. Um exemplo óbvio é Walter White, de Breaking Bad, que surgiu exatamente um ano depois do fim de The Sopranos, em 2008.
Além desses personagens, que não são apenas caricaturas de bons samaritanos vivendo um “sonho americano”, Sopranos apresentou histórias mais densas, carregadas de subtramas que exigem outros personagens tão complexos quanto seus protagonistas. Esses personagens, como Carmela Soprano (Edie Falco), os filhos Meadow (Jamie-Lynn Sigler) e Anthony Jr. (Robert Iler) e Christopher Montisanti (Michael Imperioli), por exemplo, preenchem outras camadas da série que dão continuidade para histórias mais complexas, que não fossem apenas esquetes, como nos “enlatados” que deram vida ao entretenimento no norte global até então.
Se Sopranos foi essa série que tanto se elogia e a colocam justamente como uma das maiores de todos os tempos, ela também é vítima de marcas temporais. Ainda que possam ser justificados como “contexto da realidade daqueles personagens”, machismo e racismo são naturalizados e pouco debatidos na série. Os Muitos Santos de Newark (The Many Saints of Newark, 2021 – acima), filme que é um spinoff da série, tenta justificar os atos racistas dos personagens originais. Ainda assim, isso é uma marca profunda da obra que ilustra os anos 90 não só nos EUA, como no resto do ocidente, principalmente.
Há também marcas desse tempo no roteiro. Sopranos entrega pequenas tramas por episódio e por temporada que se encerram ali. Algumas dessas tramas são soltas e pouco exploradas. Um ótimo exemplo disso é a entrada e a saída de personagens que, no momento que surgem, passam a ter um peso para a narrativa que, até então, não tinham.
Não te contam, por exemplo, que Tony Soprano tem um primo que é quase seu melhor amigo, até que Tony Blundetto (Steve Buscemi) surge na série, lá pela quinta temporada. Outro exemplo, que chega a ser irritante: em determinado momento, Tony se vê com problemas com vício em jogo. O caso é tão sério que seu comportamento fica ainda mais violento com a família e seus capos. Mas o caso dura um total de um único episódio. Em nenhum outro momento da série isso vem à tona ou influencia, mesmo que indiretamente, o fluxo dos acontecimentos.
É claro que, por ser uma precursora, é natural que a série possa ser superada por outras e que, quase anacronicamente, essas falhas possam ser apontadas anos depois. Porém, não há aqui a intenção de desmerecer a importância tão discutida e celebrada em torno de Família Soprano.
É uma série fundamental para quem gosta de TV e cultura pop, no geral. Ela moldou o modus operanti do mainstream dos EUA nas décadas seguintes. Se antes os mafiosos matavam e viviam exclusivamente suas vidas criminosas, como nos filmes de Scorsese – inclusive com discussões sobre eles na série – na obra de David Chase o chefão vai para o divã. Literalmente. Lida com as notas escolares dos filhos. Tem problemas com a mãe e a esposa. Enfrenta a subserviência hierárquica de seus “amigos” e precisa resolver questões que surgem por conta de patos em sua piscina. Sem falar que Sopranos tem, talvez, um dos finais mais icônicos da cultura pop.
Por tudo o que se escreve, fala e se repete sobre Família Soprano, é difícil não reproduzir o óbvio: inegavelmente, depois dessa série, a TV dos Estados Unidos nunca mais foi a mesma. E que bom!

Quando se vive no crime, não faltam velórios