Del Toro define A Forma da Água

por Marcelo Seabra

O Cinema já contou milhões de histórias de amor, e é preciso paciência para pular as mais óbvias e repetitivas. Mas eis que chega Guillermo del Toro, um senhor contador de histórias que já nos presentou com algumas pérolas, e mexe em todo esse esquema fazendo A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). Se o filme passa longe de algo, é de clichês. Pelo contrário, pode até causar bastante estranhamento pela natureza do relacionamento que ele nos apresenta.

Com histórias belas e sensíveis no currículo, como A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001) e O Labirinto do Fauno (Pan’s Labyrinth, 2006), o diretor e roteirista nos apresenta agora a Elisa (Sally Hawkins, de Paddington, 2014), uma moça humilde que passa seus dias limpando as instalações de um órgão militar de pesquisas. Muda, Elisa passa o turno todo ouvindo as histórias e lamentações da colega, Zelda (Octavia Spencer, de A Cabana, 2017), tendo também a companhia do amigo Giles (Richard Jenkins, de Kong, 2017) em casa.

A rotina tranquila é tumultuada com a chegada de uma nova cobaia para estudos, uma espécie de humanoide anfíbio descoberto nos mares da América do Sul. Sua fisiologia diferenciada poderia proporcionar ao homem a tão sonhada ida ao espaço, fazendo os americanos tomarem a dianteira do programa espacial. Por precisar normalmente de recursos e gestos para se comunicar, Elisa acaba se aproximando da criatura, e eles criam um laço forte.

É claro que nem tudo são flores e Michael Shannon (de Animais Noturnos, 2016 – abaixo) chega para estragar a festa, ou ao menos dificultar. Ele é o militar encarregado da segurança do lugar e deve entregar resultados, traduzidos em avanços nos estudos sobre o sistema respiratório do anfíbio. O chefe da equipe de pesquisas é vivido por Michael Stuhlbarg, que só nessa temporada de premiações aparece ainda em The Post (2017) e Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2017). E Doug Jones, mais conhecido como Fauno ou mesmo Abe Sapien (de Hellboy), marca presença novamente como um ser fantástico.

Todo o elenco está muito bem, o que reafirma o talento de del Toro para escolher e conduzir atores. A ambientação dos anos 60 é fantástica, com uma trilha sonora bem apropriada, que inclui clássicos de Benny Goodman à nossa Carmem Miranda. A fotografia vai de ótima a espetacular, merecendo o adjetivo poética por várias vezes. Mas, mesmo com elementos isolados que funcionam muito bem, o resultado final não justifica todo o barulho que vem se fazendo em torno da produção. É um filme muito bom, sim, mas não o melhor da temporada, muito menos o destaque na carreira de del Toro.

Um Oscar de Melhor Filme para A Forma da Água, ou mesmo para o diretor, seria um jeito de compensar um artista que merece esse tipo de reconhecimento já há algum tempo. Mas pode não ser justo com nomes como Christopher Nolan, no ano em que ele entregou o impecável Dunkirk. De qualquer forma, é um projeto de muitas qualidades. Independente de premiações ou hype, vale muito a conferida.

O elástico Doug Jones mais uma vez impressiona

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Programa do Pipoqueiro #15 – Anos 80 Pt. II

por Marcelo Seabra

A 15ª edição do Programa do Pipoqueiro traz a segunda parte do especial da década de 80, com vários sucessos das trilhas de filmes de 1984 e 1985. Clique no play abaixo e confira!

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Terceiro Maze Runner acaba com o nosso sofrimento

por Marcelo Seabra

Concluindo a trilogia iniciada em 2014, Maze Runner: A Cura Mortal (Maze Runner: The Death Cure, 2018) chega aos cinemas com o desafio de levantar a franquia, que teve um segundo episódio bem fraco. O resultado, no entanto, não fica muito longe, e dá um certo alívio saber que o fim é aqui. E a ideia de alguém correndo por um labirinto, como o título indica, só funciona no primeiro, deixando claro que não serve para o todo.

Sempre com o mesmo diretor (Wes Ball) e o mesmo roteirista (T.S. Nowlin), era de se esperar que a série mantivesse um padrão. Mas apenas o primeiro filme consegue despertar interesse, com a apresentação do conceito. A partir daí, tudo cai na mesmice de obras apocalípticas rasas, com alegorias canhestras e uma cansativa busca por uma cura.

A empresa que faz as vezes de governo e controla tudo e todos é chamada pela sigla CRUEL (ou WCKD), mas insiste-se no mistério quanto a suas reais intenções. Seus principais representantes são vividos por Patricia Clarkson (a médica – acima) e Aidan Gillen (o chefe de segurança), dois atores competentes que passam vergonha com diálogos ridículos e ações sem nexo. E o diretor faz questão de mantê-los em atitudes dúbias, o que irrita.

Conveniência é a palavra que melhor define o roteiro. As coisas acontecem quando precisam acontecer, com personagens aparecendo do nada. É possível adiantar passagens inteiras, já que o público conhece os elementos disponíveis. Mas, em nome de um suspense fajuto, fica tudo no aguardo de um momento apropriado para revelações. Thomas (Dylan O’Brien) novamente lidera os fugitivos e a missão é salvar Minho (Ki Hong Lee). Podemos esperar, e é algo que logo é escancarado, que Teresa (Kaya Scodelario) vai aparecer no meio do caminho, gerando mais um conflito besta.

Muito mais longo do que precisaria, com 142 minutos, este A Cura Mortal cansa logo de cara e a sessão vai se tornando uma tortura. A melhor das cadeiras de cinema vai ficar desconfortável. Ainda mais com tantos tiros à queima roupa sendo disparados e errados. Os efeitos especiais são corretos, mas a serviço de uma trama insossa. Não tem como torcer pela vitória do grupo, ninguém se importa. A não ser que essa vitória vá encurtar a aventura e liberar logo o público refém.

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Programa do Pipoqueiro #14 – Anos 80

por Marcelo Seabra

Depois de um breve período de férias, o Programa do Pipoqueiro volta com força total abordando as músicas dos filmes da década de 80. E temos tantos grandes temas que não vai dar pra ficar em apenas uma edição. Confira a primeira clicando no play abaixo!

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Netflix apresenta O Rei da Polca e Vende-se Esta Casa

por Marcelo Seabra

A qualidade dos filmes produzidos pela Netflix varia de uma forma assustadora. E isso é bom, já que eles têm feito apostas arriscadas que muitos estúdios veteranos não fariam. A questão é saber escolher, ou se preparar para enfrentar bombas ocasionais. Duas estreias recentes exemplificam perfeitamente esse caso.

Contando uma história real, Jack Black se sai muito bem como O Rei da Polca (The Polka King, 2017). O ator dá suas derrapadas, mas é capaz de escolher bem e nos oferecer pérolas como Bernie: Quase Um Anjo (2011). E esses dois filmes têm mais do que Black em comum: são ambos baseados em fatos, sobre pessoas admiradas pela sociedade que acabaram fazendo uma coisa muito errada e tiveram que pagar por isso.

No início, parecendo ter boas intenções, Jan Lewan pensa em formas de ganhar dinheiro. E é muito interessante acompanhar sua descida e seus malabarismos para tentar controlar a situação. Black se mostra bem à vontade no papel, e o outro destaque do elenco é a ótima Jacki Weaver (de Magia ao Luar, 2014 – ao lado), uma sogra desconfiada que está sempre de mau humor. Jenny Slate (de Parks and Recreation) e Jason Schwartzman (de Mozart in the Jungle) completam o grupo principal, todos bem equilibrados.

O clima de farsa faz parecer que foi tudo inventado, mas Lewan de fato era o Rei da Polca nos Estados Unidos da década de 80 em diante, como mostra o documentário The Man Who Would Be Polka King (2009), também disponível na Netflix. Para expandir seus negócios, além dos shows e da lojinha de presentes, Lewan começou a cuidar de um sistema de investimentos que rendia juros altos, caso clássico de um esquema Ponzi.

Ao mesmo tempo em que produz o divertido O Rei da Polca, a Netflix comete Vende-se Esta Casa (The Open House, 2018), filme que parece ser ruim do início. Nas primeiras cenas, é possível intuir que se trata de uma obra sem nexo, com várias situações enfileiradas apenas para dar andamento ao roteiro, cheio de buracos e que ainda tenta te enganar com pistas falsas.

Na tentativa de ser descolado, ou de deixar um mistério no ar, o longa acaba sendo incompleto e raso. Não dá para se importar com os personagens, que só conhecemos por cima. É como se uma tragédia nos fizesse simpatizar com eles automaticamente, e não funciona assim. Dylan Minnette, que chamou bastante atenção em 13 Reasons Why, estrela como um adolescente que perde o pai e se muda com a mãe para as montanhas.

Uma forma que pode ser boa para tapar buracos é chamar a atenção para ele. Logo no início, o protagonista pergunta para a mãe (Piercey Dalton – ao lado): “Como nunca viemos aqui antes?”, referindo-se à enorme casa da tia, um lugar ótimo para passar férias que, por algum motivo, eles nunca visitaram. Mas a tia insiste que se mudem para lá, o que mostra a proximidade entre as irmãs. Ao invés de uma solução, a saída é preguiçosa e não serve para nada. Afinal, qual seria o problema deles já conhecerem a região? Bastava não irem lá há algum tempo.

O comportamento suspeito de todos à volta só irrita e torna pior a sessão. Um degrau quebrado numa escada só aparece quando convém, passando despercebido no resto do tempo. Quando o final chega, você só quer mudar de programa ou desligar a televisão. Ao menos, Vende-se Esta Casa serviu para abrir uma lista de 2018: a de piores filmes do ano.

Essa senhora na janela é um dos problemas

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Me Chame Pelo Seu Nome é drama obrigatório

por Marcelo Seabra

Badalado na temporada de premiações, Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2017) não deposita seus méritos em apenas um ou dois elementos. É uma equilibrada costura de ótimos atores, um roteiro bem desenvolvido, paisagens lindas e um diretor talentoso, com um olhar nada modesto. Pelo contrário, ele sabe bem aonde quer chegar e nos leva numa emocionante jornada.

Um daqueles nomes que surgem de repente e parecem estar por aí há tempos, Timothée Chalamet tem nome e cara de europeu e não domina apenas o inglês, mas é de fato norte-americano. E chegou para ficar. Ele vive Elio, um adolescente em férias no norte da Itália em 1983. Ao ser indagado sobre o que faz lá, ele responde que apenas espera o verão passar. Nada, escreve, toca piano, bebe com amigos.

Em meio a essa pasmaceira, Elio recebe com a família um pesquisador americano que vai trabalhar com seu pai (vivido por Michael Stuhlbarg, de A Chegada, 2016). Oliver (Armie Hammer, de Animais Noturnos, 2016) é um bonitão extrovertido que chama a atenção de todos e desenvolve uma forte relação com Elio. O jovem, por sua vez, se vê deixando sua postura segura e galante junto às meninas locais e fica quase carente, na dependência da atenção de Oliver.

Filmes sobre amadurecimento, os chamados “coming of age”, não são raros. Temos, ainda nessa temporada, Lady Bird (2017), também com Chalamet no elenco. Mas é difícil encontrar uma obra tão sensível, com personagens que, embora inteligentes, se veem à mercê da vida e seus desígnios misteriosos. Quando tudo parecia claro, Elio começa a se conhecer melhor e a descobrir sentimentos que estavam enterrados. E a adolescência, que já é um período conturbado normalmente, fica ainda mais desafiadora.

De forma bem autêntica, o diretor Luca Guadagnino (de Um Mergulho no Passado, 2015) retrata o crescimento de um rapaz que vive conforme as convenções até descobrir que ele talvez não seja assim tão convencional. E bate o medo que surge de ir contra o que está estabelecido usualmente. Ajuda ter uma família compreensiva e amorosa, com pais intelectuais, abertos às possibilidades, que só querem seu filho feliz. O ótimo roteiro, que adapta o livro de André Aciman, é de ninguém menos que James Ivory, veterano roteirista e diretor que assina obras como Retorno a Howards End (1992) e Vestígios do Dia (1993) e estava afastado do Cinema desde 2009.

Chalamet vestiu perfeitamente o papel de Elio, numa interpretação focada, indo de alegre a torturado em segundos. Hammer, como o expansivo Oliver, também mostra enorme desenvoltura num trabalho corajoso, sem problemas em se entregar. E, apesar do pouco tempo em cena, Stuhlbarg rouba os holofotes quando aparece, com alguns dos melhores diálogos do longa. Os três são o cerne de Me Chame Pelo Seu Nome. Não espere por nada glamouroso ou muito inventivo. É apenas um justo retrato da vida de Elio. E isso já é muito.

Chalamet e Hammer são destaques da temporada de premiações

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Jackie Chan só parece um Estrangeiro pacato

por Marcelo Seabra

Com a moral de quem ressuscitou James Bond duas vezes (em GoldenEye e Cassino Royale), Martin Campbell re-escalou o amigo Pierce Brosnan num veículo para Jackie Chan, o astro das artes marciais que andava meio esquecido. O Estrangeiro (The Foreigner, 2017) é um longa de ação que usa política apenas como desculpa para a pancadaria. E, dentro de sua proposta, funciona muito bem.

No início, conhecemos Chan como um pacato empresário chinês vivendo há anos em Londres. Após passar por uma tragédia, ele começa a cobrar respostas de um político irlandês (Brosnan) que a mídia aponta como referência no assunto e aí as coisas tomam o rumo esperado. Qualquer pessoa que tenha ouvido falar o nome de Chan na vida sabe o que esperar. E o que acontece não é nada muito fora da realidade, o que facilita ao público acreditar que tudo poderia estar acontecendo.

Baseado no livro The Chinaman, de Stephen Leather, o roteiro foi escrito por David Marconi, que tem ao menos uma experiência bem sucedida mesclando ação e política: O Inimigo do Estado (1998). Isso, porque a outra é Duro de Matar 4.0 (2007), o que mostra uma carreira meio irregular. E o texto é realmente bobinho, se apoiando no carisma dos atores, veteranos que sabem segurar um filme. É o que comumente chamamos de uma boa sessão da tarde.

O eterno James Bond Brosnan bate de frente com Chan

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Gary Oldman decide O Destino de Uma Nação

por Marcelo Seabra

Depois de vários atores terem cumprido bem a tarefa, coube agora a Gary Oldman viver o mais famoso primeiro-ministro inglês. Winston Churchill estava à frente da Inglaterra em um dos piores momentos da história do país, e do mundo, e é este recorte que visitamos em O Destino de Uma Nação (Darkest Hour, 2017).

No início da Segunda Guerra Mundial, o exército alemão parecia invencível, com alguns países já tendo caído frente a ele. O então primeiro-ministro inglês, Neville Chamberlain (Ronald Pickup, de The Crown), é considerado inapto para o período que viria e Churchill é escolhido para a posição. No longa, vemos que um bom relacionamento com todos, inclusive os adversários, é fundamental para a manutenção do cargo.

Num primeiro momento, causa certa estranheza ver Oldman com aquela maquiagem pesada, que lhe confere anos e quilos a mais. Com poucos minutos, esquecemos Oldman e focamos em Churchill, o que deve ser o maior elogio que se pode fazer a um ator. Seguindo nomes como os de Albert Finney, Brendan Gleeson e Brian Cox, além do mais recente e excelente John Lithgow (em The Crown), o eterno Drácula marca outro gol em uma bela carreira, com mais uma figura real – caso de Sid Vicious, Lee Harvey Oswald e Beethoven.

É curioso acompanhar o outro lado, digamos o mais burocrático e gerencial, do conflito em Dunkirk, mostrado há pouco no longa homônimo. Churchill deveria decidir se entrava em embate com os fascistas ou se buscava um acordo de paz, como sugeria a sua oposição. Mais imediato era decidir o destino de milhares de jovens oficiais, encurralados e sem perspectiva de sobrevivência. Não era fácil estar nos sapatos do sujeito, e vemos isso bem. O vício em charutos e álcool também aparece o tempo todo.

Além da presença magnética de Oldman, que ficou com o Globo de Ouro e provavelmente levará seu primeiro Oscar, o elenco conta com outros ótimos intérpretes ingleses. Quem dá vida a Lady Clemmie, a esposa e principal apoiadora de Churchill, é Kristin Scott Thomas (de Dentro da Casa, 2012), com a competência usual. Lily James (de Em Ritmo de Fuga, 2017) ajuda o público a se situar ao representar o cidadão comum, dando ao político a dimensão do povo.

Talvez algo que tenha causado mais espanto que a citada maquiagem do protagonista seja ter Ben Mendelsohn como alguém bondoso e ponderado, ao contrário de seus vilões usuais. Sempre o psicopata da vez (como em Reino Animal e Rogue One), aqui ele vive Bertie, como era chamado pelos amigos o Rei George VI – mesmo personagem de Colin Firth em O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010). Juntando vários filmes, é possível contar boa parte da história da Inglaterra, inclusive com algumas repetições.

Como tem acontecido com frequência, os longas que chamam a atenção por terem os melhores atores não são necessariamente os melhores filmes. A Teoria de Tudo (The Theory of Everything, 2014) é um outro exemplo, e não por acaso eles dividem o roteirista, Anthony McCarten. Há passagens extremamente expositivas e pesa um tanto a mão do diretor, Joe Wright, acostumado a dramas românticos e chorosos, como Anna Karenina (2012) e Desejo e Reparação (Atonement, 2007). O trunfo de O Destino de Uma Nação é mesmo Oldman, que atrai nossa atenção para que esqueçamos o resto.

Churchill: o de Oldman e o original

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Repescagem 2017: Roda Gigante

por Marcelo Seabra

Fazendo um filme por ano, não é possível manter a mesma qualidade sempre. Já entendemos isso quanto a Woody Allen pelos últimos filmes. Para cada Meia-Noite em Paris (2011) ou Blue Jasmine (2013), temos um Para Roma Com Amor (2012), O Homem Irracional (2015) e Café Society (2016), para ficar nos exemplos mais recentes.

Mesmo os trabalhos mais irregulares do diretor e roteirista costumam ficar acima da média, mantendo um mínimo de qualidade e interesse. Daí a surpresa com Roda Gigante (Wonder Wheel, 2017), longa que consegue errar de várias formas. O problema já começa com a narração de Justin Timberlake (de Inside Llewyn Davis, 2013), um recurso cansativo e altamente dispensável. E o personagem não é onisciente, não tem como ele saber tudo o que aconteceu.

Mickey, o salva-vidas de Timberlake, já começa avisando que é um aspirante a escritor e, por isso, é altamente dramático, como se isso fosse justificativa para desculparmos as falhas de roteiro e os diálogos capengas e expositivos. E não ajuda o cantor estar com um rosto estranho, não sei se por causa de botox ou apenas maquiagem. Precisaram fazer isso para que realmente parecesse que a diferença de idade entre ele e Kate Winslet (de Depois Daquela Montanha, 2017) fosse grande.

Winslet, a protagonista, é o alter-ego de Allen, a personagem neurótica, paranoica e ciumenta da vez. E parte disso descobrimos porque ela mesma afirma, como se o público não fosse capaz de entender. Ginny é infeliz com sua situação atual, longe do requinte que o passado prometia, e a chegada da enteada (Juno Temple, de Aliança do Crime, 2015) vai dar uma sacudida nas coisas. James Belushi (de Twin Peaks) completa o elenco principal como o marido de Ginny.

A disputa de quem está mais exagerado e fora do tom no triângulo inicial é acirrada, mas o teatral Belushi leva a melhor (ou pior). Temple é a mais discreta, mas a personagem cuja história convence menos. Se você é jurada de morte em Nova York, fugiria para a vizinha Coney Island, onde o seu pai mora? Esse é apenas um dos problemas de um filme desinteressante, irritante e preguiçoso em suas soluções.

Resta saber se Allen continuará no ritmo de lançar um filme todo ano. Se for com essa qualidade, não precisa. E ele ainda se encontra em meio a acusações de assédio sexual, algo que o ronda há anos e ganhou força nos últimos dias. Alguns profissionais certamente evitarão trabalhar com ele.

Allen comanda o casal

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Repescagem 2017: As séries de TV

por Marcelo Seabra

Em 2017, assisti a várias séries, a maioria até o final da temporada – algumas, até mais de uma. Abaixo, listo em ordem alfabética todas as que consegui lembrar, excluindo apenas as de duração mais longa a que já vinha acompanhando – como Modern Family.

Não é a intenção aqui dizer o que é bom ou ruim, apenas dar uma visão geral de algumas das atrações disponibilizadas no último ano (ou antes). Se você gostou de alguma e eu não, bom… Acontece.

Algumas das séries tiveram crítica publicada perto do lançamento, basta clicar no título para conferir. Para conversar sobre as demais, deixe um comentário.

O número em frente o título indica a temporada assistida. Se não houver, é porque vi apenas a primeira temporada (muitas, inclusive, só têm uma).

 

13 Reasons Why – uma bobagem adolescente que trata de um assunto sério de uma forma não necessariamente adequada.

American Vandal – um falso documentário bem interessante que nos apresenta a um personagem odiosamente carismático.

Aquarius – outro trabalho de David “Mulder” Duchovny, nos leva ao final da década de 60, em meio à “família Manson”. Funciona como ficção, cria muito em torno dos fatos.

Arrested Development (1-2) – a engraçada saga da família Bluth, com um elenco fantástico e tiradas melhores ainda.

Atlanta – o premiado Donald Glover mostra o caminho que um rapper simples, sem padrinhos importantes, deve traçar para chegar à fama. Interessante e realista.

Atypical – consegue ser engraçada sem fazer graça com seu protagonista, um adolescente no espectro do autismo que passa pelos mesmos dilemas que todos nós, mas de forma bem atípica.

Big Littles Lies – segredos e hipocrisia numa cidadezinha de ricos. Foi plataforma para grandes atuações femininas e tem recebido merecidos prêmios.

Big Mouth – animação que escancara alguns traumas adolescentes de forma bem engraçada.

Castlevania – a curta adaptação do cultuado videogame alterna bons e maus momentos, servindo de introdução para uma provável próxima boa temporada.

Dark – queridinha do momento, vai jogando alguns fatos para depois de alguns episódios começar a clarear as coisas. O resultado é bem satisfatório e muitos já estão ansiosos pela segunda temporada, já confirmada.

Dear White People – apesar das boas intenções, é bem chata, mas teve ótimas críticas e boa aceitação do público.

Death Note – tem muito estilo e uma legião de fãs, mas falta conteúdo. Ainda assim, é bem melhor que o filme da Netflix.

Defensores – mais curta que as séries solo, só engrena quando sai do Punho de Ferro e enfoca mais os outros, principalmente o Demolidor. E tem a grande Sigourney Weaver.

Designated Survivor – parte de uma premissa bem interessante, mas acaba virando mais do mesmo.

Desventuras em Série – um pouco irritante em suas idas e vindas e excesso de detalhes. As cores e aventuras podem atrair um público mais jovem, mas o tom sombrio pode afastá-los, deixando indefinido quem é o público-alvo.

Deuses Americanos – estilosa e confusa, promete esclarecer as coisas na próxima temporada, quando o pau deve quebrar entre os deuses.

Easy – histórias bobinhas sobre relações humanas que satisfazem quem procura algo leve, ou “fácil”.

Feud: Bette and Joan – duas atuações excepcionais numa história real muito interessante, e vários coadjuvantes tentando roubar a cena.

Five Came Back: documentário esclarecedor sobre a participação de diretores de Cinema na “cobertura” da Segunda Guerra, rico em fatos e depoimentos.

Friends From College – impossível de se chegar ao final, de tão chata e sem graça. Reúne um elenco aparentemente interessante, mas que não funciona junto.

Glow – bom elenco contando uma história inusitada, sobre mulheres lutadoras de telecatch, e equilibra bem drama e humor.

Justiceiro – uma das melhores séries do Universo Marvel da TV, traz a presença forte de Jon Bernthal numa trama interessante, apesar de alongada.

Legion – dentre as séries de super-heróis, a mais louca, que leva o público a entrar na cabeça de seu protagonista. Merece a conferida.

Life’s Too Short – engraçadinha, acompanha a vida do anão Warwick Davis, que interpreta a si mesmo num falso documentário. A piada recorrente é o fracasso da vida dele, que vive da fama de Star Wars e Willow.

Marte: imaginação bem pé no chão sobre como seria uma missão tripulada ao planeta vermelho. Conceitual e visualmente bem interessante.

Master of None: mais observações espirituosas que engraçadas. Aziz Ansari tem um olho aguçado para as coisas aparentemente normais do cotidiano, ressaltando as inconsistências e torcendo lugares-comuns.

Mindhunter: recriação fantástica do processo de entrevistas e catalogação dos depoimentos de psicopatas condenados, o que ajudaria a formar a divisão de psicologia criminal do FBI. Imperdível!

Narcos (3a): manteve-se forte mesmo sem a presença de Pablo Escobar, o que acabou permitindo desenvolver melhor outros personagens interessantes.

O Nevoeiro: tentativa safada de tirar mais lucro de um conto de Stephen King que já havia virado um ótimo filme. Fique com o filme e evite isso.

Ozark: muito bacana ver Jason Bateman fora de seu ambiente, numa trama tensa e bem amarrada. E tem a Laura Linney!

Peaky Blinders: a primeira temporada é extremamente bem construída, com personagens densos e situações críveis. O embate entre Cillian Murphy e Sam Neill é bonito de se acompanhar! Figurino, cenografia, fotografia e trilha sonora ímpares!

Punho de Ferro: o mais chato dos heróis da Marvel na TV, fica de mimimi por 13 episódios e custa a engrenar. Só para os fãs mais ardorosos da editora.

Santa Clarita Diet: uma virada bonitinha nas histórias de zumbis, com uma dona de casa se alimentando de carne humana. O casal principal é carismático, não passa muito disso.

Stranger Things (2): mais do mesmo, o que não significa ser ruim. A série continua usando a nostalgia do público e as muitas referências pop para construir sua história, que dessa vez vai um pouco mais longe.

Sun Records: série com ar de novelinha que conta uma história extremamente interessante, mas de forma engessada e quadrada. Vale pelo assunto, a gravadora que dá título à atração.

The Fall (3): muito arrastada, a terceira temporada poderia ter se encerrado com três ou quatro episódios. Final bem chato para uma série excelente.

The Good Place: bem humorada, a série conta com um elenco competente e alguns conceitos curiosos, que obedecem a lógica desse universo. Das comédias, é a mais interessante.

The Ranch: besteira sem graça alguma tentando levantar a carreira de Ashton Kutcher. Não deveria ter passado do primeiro episódio.

Twin Peaks: não teve jeito, apesar do mundo inteiro adorar a série. Dormi em todos os episódios e não vi o menor sentido. Eu sei, o errado sou eu. Não precisa me xingar nos comentários.

White Gold: humor cínico, com um protagonista detestável, e bem amarrada. Curta e interessante.

Wormwood: seria muito viajada, se não fosse verdade. Muito interessante, vai atrair principalmente os fãs de teorias de conspirações. Novamente: essa foi real.

Wormwood é uma das mais recentes atrações da Netflix

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