Netflix levanta polêmica com 13 Reasons Why

por Marcelo Seabra

Ninguém é obrigado a gostar de determinada obra apenas devido à importância do assunto tratado. Pode-se ter essa percepção quando, ao criticar negativamente, você é apedrejado e demonizado por, teoricamente, estar diminuindo o assunto, quando é a obra o alvo das críticas. Esse fenômeno moderno pode ser observado atualmente quanto à série 13 Reasons Why, nova produção do Netflix, já disponível para apreciação. Após uma longa maratona, é possível reafirmar a impressão inicial: de que a série tem problemas em várias instâncias. Sem definir uma ordem de importância, vamos elencar quais seriam essas questões – sem entrar muito em detalhes para não estragar a experiência de quem ainda pretende se aventurar pelos episódios.

Para quem não sabe do que se trata, a série é baseada em um livro bem vendido, de Jay Asher, e nos apresenta a Hannah Baker (Katherine Langford – abaixo), uma estudante colegial que cometeu suicídio. De cara, sabemos que ela morreu, mas, antes, gravou fitas narrando os fatos que a teriam levado àquele ato extremo. Cada lado das sete fitas cassete se refere a uma pessoa que teria contribuído nos infortúnios de Hannah. Vamos ouvindo as gravações junto com Clay Jensen (Dylan Minnette) quando ele recebe a caixa com as fitas.

Há um clichê relacionado ao suicídio que o caracteriza como a solução definitiva para um problema passageiro. É batido, mas não deixa de ser verdadeiro. No caso de Hannah, ganha ainda a conotação de vingança, já que as fitas descrevem – sob o ponto de vista dela, claro – como cada uma das 13 pessoas seria um dos porquês dela ter se matado. Ou foram maus com ela, ou apenas não se importaram o tanto que ela julgava que deveriam. E eis o primeiro problema: glamourizar o suicídio. Ao mostrar Hannah como uma menina inteligente e bonita, mas ligeiramente impopular, a solução à qual ela chega passa automaticamente a ser algo normal, corriqueiro, que pode sim influenciar jovens por aí. E ela passa a reger os movimentos de todos, mesmo morta.

A adolescência é um período complicado para qualquer um e pelo qual todos passamos, ou estamos passando, ou passaremos. Para Hannah, no entanto, as coisas parecem ser um pouco mais difíceis, ou assim a série nos leva a crer. Mais complicado é aceitar que, passando por todos esses percalços, graves o suficiente para levarem a garota a tirar sua própria vida, ela calcularia todo o esquema de gravação e organização das fitas, com mapa e tudo, para só depois chegar às vias de fato. Com uma voz doce e até um senso de humor esporádico, ela vai narrando tudo, já sabendo qual será a conclusão daquele “projeto”.

No mundo todo, 800 mil pessoas morrem anualmente por suicídio, uma média de uma pessoa a cada 40 segundos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (no documento Prevenção do Suicídio – Um Recurso para Conselheiros), problemas domésticos e financeiros podem ser o estopim, mas quase 90% dos casos envolvem indivíduos com perturbações mentais. A impulsividade, que geralmente leva à tentativa, passou longe, o que torna a premissa da série bem difícil de comprar. Hannah não se encaixa em nenhum desses casos, sendo a exceção da exceção.

Em 1774, foi publicado o romance Os Sofrimentos do Jovem Werther (representado acima), de Goethe, no qual o protagonista envia cartas a um amigo narrando suas desventuras amorosas para, ao final, se suicidar com um tiro. A publicação do livro teria dado início a uma onda de suicídios na Europa usando o mesmo meio que Werther. O personagem deu nome ao Efeito Werther, fenômeno observado quando um indivíduo comete suicídio imitando outro, e essa situação já apareceu em outros casos posteriores. A preocupação com esse efeito é tão grave que a OMS produziu um documento específico de orientação chamado Prevenção do Suicídio: Um Manual para Profissionais da Mídia.

Observando-se o documento da OMS, outra constatação óbvia é que 13 Reasons não segue as orientações de especialistas ao tratar desse assunto tão delicado. Há uma observação especificamente sobre “Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso”. E também “Não informar detalhes específicos do método utilizado”. A série não mostra um beijo entre namorados homens, mas detalha com uma riqueza gráfica como Hannah conseguiu consumar o ato. Um mero aviso no início dos episódios finais não vai evitar que ninguém assista às cenas derradeiras, e não vai evitar um mal exemplo para um público teoricamente mais influenciável. E, infelizmente, já começaram a ser noticiados casos no Brasil de possíveis suicídios influenciados pela série.

Uma vez constatados os problemas éticos (digamos assim), podemos passar à questão da dramaturgia. Da mesma forma que acontece nas séries do Universo Marvel, 13 Reasons Why se desenrola por 13 episódios, sendo que o livro que serviu como base (no Brasil, Os 13 Porquês) tem menos de 300 páginas. Obviamente, isso resulta em muita enrolação e subtramas que não acrescentam nada à trama principal. E, por incrível que pareça, fica a sensação de que vários pontos são melhor desenvolvidos no livro, já que soam um tanto apressados na TV.

Os diálogos são extremamente expositivos, e frequentemente algum personagem pergunta: “Sério?”. Nem eles acreditam na burocracia do roteiro. Outro erro grave é trazer luz a certas questões levantadas nas fitas apenas quando Clay as ouve, sendo que vários alunos já haviam escutado tudo quando as fitas chegam até ele. Se era para escandalizar os colegas, por que isso não aconteceu desde o início? E por que os primeiros alvos não deram um jeito de destruir o material? No penúltimo episódio, vemos que essa é uma preocupação de Clay, mas, a essa altura, por que se preocupar? Se não aconteceu até então…

Sem voltar nas questões éticas envolvidas, cada lado de cada fita narra o envolvimento de Hannah com uma pessoa e a relação desse contato com o suicídio. É óbvio que há, entre essas tais razões, acontecimentos mais sérios e outros quase irrelevantes. E a narrativa coloca todos no mesmo patamar de importância, o que é, no mínimo, cretino, e tira o peso dos piores. É como se cada envolvido tivesse 1/13 avos de culpa. Hannah, que tirou a própria vida, não tem responsabilidade nenhuma.

Outra coisa que dá raiva de pensar: ela traça um plano bem amarrado para culpar todos que considera responsáveis. Os pais dela, que aparentemente não dividem essa culpa, não ganham uma notinha de pé de página. A garota está tão ocupada com seu maligno plano de vingança que não se atenta para o sofrimento que causará nas pessoas que provavelmente são as mais importantes em sua vida. Os pais (abaixo) são mostrados como amorosos e atenciosos, e suas vidas compreensivelmente são muito abaladas pela tragédia.

E, falando em tragédia, há outras, apenas para darem mais motivo a Hannah. E a tentativa do roteiro de trazer algum suspense à trama é pífia e dispensável. Se a proposta era discutir o suicídio juvenil, não era necessário misturar tanta coisa ao caldo, perdendo o foco e causando um sensacionalismo apenas na vã tentativa de prender a atenção do público. E há situações impensáveis, como uma certa escalada, que entram apenas para gastar alguns minutos, o que enfraquece ainda mais o todo.

Alguns pontos poderiam ser positivos, como a hoje tão buscada diversidade cultural entre o elenco, por exemplo. Mas isso não faz diferença alguma para a trama, já que os atores poderiam ter seus personagens trocados sem afetar em nada o andamento da ação. A tentativa de desenvolver melhor alguns personagens acaba irritando, ao invés de ser um bônus, porque sabemos que eles não terão papel algum na resolução da história.

Clay, o protagonista, é amigo de Hannah, e logo entendemos que o sentimento não fica apenas na amizade. Por isso, é importante que acompanhemos as fitas por ele. O problema é ele ter que jogar os fones longe a cada poucos minutos, e dizer que não consegue ouvir, para logo depois continuar a escutar. E as providências que ele acredita serem responsabilidade dele tomar, ele toma antes de ouvir tudo. Ao invés de fazer o que qualquer pessoa provavelmente faria – ouvir tudo o mais rápido possível – ele vai pouquinho por pouquinho. Afinal, a série tem que durar. O jovem Minnette é competente, como vemos em O Homem nas Trevas (Don’t Breathe, 2016), mas a ruindade do roteiro é mais forte.

O elenco, inclusive, é um ponto positivo para a série. A estreante Katherine Langford consegue trazer simpatia para Hannah, mesmo quando suas ações são antipáticas. Os demais nomes entre os mais novos, ninguém muito conhecido, seguram as pontas com tranquilidade. Entre os mais velhos, destaque para Brian d’Arcy James (de Spotlight, cujo diretor, Tom McCarthy, comanda os primeiros episódios) e Kate Walsh (de Private Practice) como os sofridos Bakers, além de Steven Weber (de NCIS: New Orleans) e Derek Luke (de Empire), como o diretor e o conselheiro da escola, respectivamente.

Walsh, curiosamente, foi a mãe de um adolescente muito mais interessante no sensível As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012). Tratando assuntos parecidos, do mesmo universo, este longa consegue chegar muito mais longe e, o mais importante, sem desrespeitar seu público. Ele consegue provar que filmes sobre adolescentes não precisam se focar apenas no público adolescente – e poderiam ser citados aqui outros vários, como Conta Comigo (Stand By Me, 1986) e Goonies (1985). Mesmo porque quando se fala em fazer algo para adolescentes, já há o preconceito de que eles não teriam capacidade de entender ou apreciar uma obra bem feita. É mais uma justificativa porca para a falta de qualidade de 13 Reasons Why.

Nota: para duas análises interessantes sobre a série, confira a crítica do Pablo Villaça, do site Cinema em Cena; e a coluna do jornalista André Trigueiro no site Mundo Sustentável.

O Netflix promoveu uma discussão com a equipe da série

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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