Pacote de repescagem 2018

por Marcelo Seabra

Dos filmes que chegaram ao país em 2018, cabe aqui comentar alguns que me passaram batido no lançamento. Confira o pacotão da repescagem 2018.

Marjorie Prime (2017): drama de ficção-científica discreto, sensível, que levanta questões de vida e morte. A adaptação da peça de Jordan Harrison nos apresenta a um conceito interessante: uma empresa fornece serviços de holograma para que pessoas aceitem melhor a partida de entes queridos. É como se o falecido ainda estivesse ali, e a idosa Marjorie (Lois Smith) continua em contato com o marido, Walter, mas em uma versão mais jovem dele (vivido por Jon Hamm). O recurso permite esmiuçar as relações familiares, trabalhar traumas passados e ainda dá oportunidade para ótimas interpretações de Geena Davis e Tim Robbins, além de Smith e Hamm.

Bird Box (2018): muito comentada produção da Netflix, traz um conceito quase original de terror que consegue sim criar uma boa atmosfera de tensão, mas não se desenvolve totalmente e leva a um final imprevisível de tão bobo. Duas boas atuações são garantidas, de Sandra Bullock e Trevante Rhodes, além de ótimas participações de Sarah Paulson e John Malkovich. O autor do livro adaptado, Josh Malerman, bebeu em várias fontes e teve certa dificuldade para amarrar, o que fica ainda pior ao ser transposto para as telas, virando uma mistura de Um Lugar Silencioso e Fim dos Tempos.

Você Nunca Esteve Realmente Aqui (You Were Never Really Here, 2017): longa pesado, enxuto e violento de Lynne Ramsay – que já havia nos dado Precisamos Falar Sobre Kevin, entre outros. Joaquin Phoenix está ótimo na pele de um veterano de guerra caladão e aparentemente traumatizado que pega trabalhos como mercenário. O conhecemos quando ele é incumbido de resgatar a filha de um político importante e as consequências dessa missão vão chacoalhar o sujeito. Você nunca vai olhar para um martelo da mesma forma novamente.

Springsteen on Broadway (2018): o premiado Bruce Springsteen nos leva a uma retrospectiva de sua carreira, passando por versões acústicas de suas músicas mais famosas enquanto conta histórias de sua vida e até da concepção das canções. Suas reflexões são sinceras e interessantes e nos dão uma amostra de como funciona seu processo criativo, com ideias pulando da relação com o pai e até com a sua cidade natal. Ele, inclusive, esclarece que não teve todas as experiências sobre as quais escreve, como trabalhar em fábricas, mas não é nada difícil de imaginar para quem tem um histórico como o dele. O show, filmado em um teatro na Broadway para menos de mil pessoas, é bem intimista, e o diretor Thom Zimny faz boas opções de cortes e enquadramentos, que nos levam praticamente para dentro do espetáculo.

Podres de Ricos (Crazy Rich Asians, 2018): comédia leve de costumes contrasta os estilos de vida nos Estados Unidos e de Singapura quando um casal viaja de um país para o outro para um casamento. Rachel (Constance Wu) descobre, ao chegar, que seu namorado (Henry Golding) é o solteiro mais cobiçado da região, herdeiro de uma das famílias mais ricas e tradicionais de lá. E, exatamente por isso, não vai ser fácil lidar com a sogra (Michelle Yeoh). Festas milionárias, em ilhas paradisíacas, onde só se chega de helicóptero, são comuns nesse meio, e é dessas situações que surge a graça do filme, além da boa química entre os protagonistas e uma trilha sonora descolada.

O público chegou pertinho de Springsteen

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O melhor e o pior do Cinema em 2018

por Marcelo Seabra

O ano de 2018 teve pouca coisa memorável no Cinema. Muitos filmes da lista de melhores só chegaram aqui esse ano, mas foram lançados no ano passado. E evitei as bombas claras, aqueles filmes que você nem precisa ver para saber que são ruins. Por isso, a lista de piores é pequena – ainda bem! Confira abaixo os dois grupos e clique no título para conferir a crítica completa (quando tiver).

Melhores de 2018

Três Anúncios para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)

The Post: A Guerra Secreta

Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name)

Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi

A Forma da Água (The Shape of Water)

Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman)

Nasce uma Estrela (A Star Is Born)

Viva – A Vida É uma Festa (Coco)

Hereditário (Hereditary)

The Ballad of Buster Scruggs

Um Lugar Silencioso (A Quiet Place)

Piores de 2018

Vende-se Esta Casa (The Open House)

The Titan

Rampage: Destruição Total

Arranha-Céu: Coragem Sem Limite (Skyscraper)

A Casa do Medo (Ghostland)

Dívida Perigosa (The Outsider)

Senhoras e senhores, temos um vencedor!

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Surpresas e decepções de 2018

por Marcelo Seabra

Por mais que tentemos não criar expectativas sobre novos filmes, basta um trailer, ou uma campanha de marketing mais insistente, para surgir aquela ansiedade. Se o filme é bom, todos ficam satisfeitos e o problema está resolvido. Mas, se o filme não é bom, é aquela decepção – caso de A Freira, aguardado ansiosamente por fãs de terror! Não necessariamente o pior do ano, mas um golpe nos espectadores.

Outros projetos parecem ser desenvolvidos na surdina, sem elementos que chamem muito a atenção. Ou, às vezes, são baseados em material não muito querido, do qual se espera pouco. E eles chegam arrebentando, crescendo na propaganda boca a boca e viram inesperados sucessos na temporada.

Abaixo, como é tradição no Pipoqueiro desde 2013, seguem as cinco maiores surpresas e decepções de 2018, em ordem de lançamento e com uma rápida explicação do porquê de estarem na lista. Para a crítica completa, clique no título.

Surpresas de 2018

Mudbound – Drama pesado, sobre as relações entre duas famílias no sul racista dos Estados Unidos, tem um elenco afiado, uma ótima trilha sonora e uma fotografia excepcional. Dee Rees, que costurou todas essas qualidades, merecia maior reconhecimento, assim como o filme, que não foi tão comentado quanto deveria.

Pantera Negra – Unindo ótima bilheteria e elogios da crítica, um personagem de quinta classe do Universo Marvel conseguiu superar os colegas mais famosos e ainda levantar a bola da luta por diversidade no Cinema, com elenco predominantemente negro e muitas mulheres fortes. Já era esperado que Pantera Negra tivesse sucesso, mas o resultado superou expectativas.

Hereditário – Uma família nos é apresentada, nos afeiçoamos a eles e logo coisas estranhas começam a acontecer. Um dos destaques do ano, o longa tem um ótimo elenco e uma história que não se importa em chutar convenções e enlouquecer, montando na hora as regras daquele universo e evitando sustos gratuitos, com um clima de terror que poucos conseguiram atingir.

Buscando… – Mostrando o que pode vir de ruim das interações pela internet, Buscando… materializa os medos de um pai quando uma garota desaparece. Totalmente montado através de telas, seja de notebook ou celular, a edição é ágil e os recursos tecnológicos não distraem, mas ajudam na construção da obra.

Operação Overlord – Com um realismo muito interessante, simulando até a tensão dos soldados antes de um salto de um avião, o longa rapidamente monta o quadro que teremos entrar no mundo do terror e das supostas experiências que os nazistas faziam com prisioneiros. Com um pé na realidade e outro na loucura, Overlord diverte e assusta, com personagens carismáticos e igualmente importantes para a trama.

Decepções de 2018

Projeto Flórida – Uma crítica social interessante e importante se perde em um longa cansativo e sem propósito. Crianças de muito talento vivem uns pestinhas mal criados que passam seu tempo causando problemas para os adultos, levando a um final impactante, para quem insistiu e perseverou até chegar a ele.

Aniquilação – Um filme de Alex Garland, seguindo o lindo Ex-Machina (2014), com Natalie Portman, baseado num best-seller de ficção-científica, não precisou fazer esforço para criar expectativa no público. Se as coisas começam promissoras, criando uma ótima atmosfera de tensão, logo caem num lugar-comum de terror sem lógica, dando a impressão de que a pretensão de Garland o tirou dos trilhos.

Oito Mulheres e Um Segredo – Um elenco feminino inimaginável não consegue melhorar um roteiro medíocre, cheio de clichês e piadas fracas, além de referências cansativas à trilogia de Danny Ocean – como se isso apenas pudesse salvar o longa. A necessidade de ser cool soa forçada, o que torna uma opção bem mais interessante buscar os originais, seja com Clooney ou com Sinatra.

A Outra Mulher – Uma comédia com cara de teatro com três dos grandes nomes do Cinema francês, um deles também na direção, deveria ter dado um resultado bem superior. O roteiro se perde em devaneios longos e de tom equivocado, tornando uma sessão de 80 minutos algo próximo de tortura. Se os personagens fossem menos babacas, talvez a história ficasse mais digerível.

A Freira – Derivada de um universo interessante e bem estabelecido, a freira poderia ter sido um personagem bem mais assustador. Mas a necessidade de buscar clichês e sustos fáceis foi maior e o produtor James Wan não conseguiu manter o padrão – que já havia variado, mas não tanto quanto aqui. A total falta de tensão ou apreensão garante o fracasso do projeto.

Menção (des)honrosa:

Bohemian Rhapsody – por um lado, o longa é ótimo ao passar por vários episódios marcantes da história de uma das melhores bandas de todos os tempos. Interpretações, figurino e trilha sonora são alguns dos elementos que ganham o público de cara, mostrando que o jogo estava ganho de início.

Por outro lado, a bagunça cronológica desnecessária tira do filme o público que tem uma mínima noção da história do Queen. Vários momentos são forjados e o resultado é uma bagunça, soa forçado e apelativo – talvez devido à mão forte dos produtores Brian May e Roger Taylor, que contaram a história como quiseram, e não como aconteceu.

Resultado: entre pontos positivos e negativos, a produção é ruim e divertida ao mesmo tempo, uma surpresa e uma decepção.

Ótima interpretação, bagunça de filme

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Cuarón se supera com Roma

por Marcelo Seabra

Depois de uma vitoriosa passagem por festivais e tendo arrecadado alguns milhares de dólares nos cinemas americanos, o novo trabalho do diretor Alfonso Cuarón chega à Netflix. Arrancando elogios também nas redes sociais, Roma (2018) foca em uma família para falar da vida. Aparentemente trazendo a banalidade do dia a dia, o roteiro, também de Cuarón, tem espaço para desenvolver seus personagens e as sutilezas falam mais que qualquer efeito especial. De forma bem delicada, o mexicano nos entrega a provável melhor obra distribuída pela Netflix.

Distanciando-se do vencedor de dois Oscars Gravidade (Gravity, 2013), com sua ambição e computação gráfica, o diretor se aproxima de um de seus primeiros trabalhos, E Sua Mãe Também (Y Tu Mamá También, 2001), um projeto de menores proporções que se preocupou mais com as relações humanas. Este novo trabalho acompanha uma empregada (a ótima estreante Yalitza Aparicio) de uma família de classe média-alta residente na Colônia Roma, bairro a oeste do centro histórico da Cidade do México. Sua vida é cuidar da casa, quatro filhos e do casal de patrões, aproveitando as poucas folgas para ir ao cinema e namorar.

O roteiro bem poderia ser baseado na infância de Cuarón, tamanho é o frescor com que os fatos são tratados – e, em partes, é. A fotografia em preto em branco, também assinada por Cuarón, nos proporciona essa proximidade. Mesmo se passando em outro país, em outro idioma (ou outros, contando o dialeto), a história poderia ser ambientada aqui. Algo como vimos em Que Horas Ela Volta? (2015), apenas sem a ênfase na diferença das classes sociais. A separação também ocorre aqui, principalmente quando Cleo se sente mais à vontade entre os meninos e logo é lembrada de seu lugar, mas não tem tanto espaço.

Mais trabalhada aqui é a questão da mulher e suas lutas diárias. Cleo tem seus problemas a resolver, assim como a patroa (Marina de Tavira), que está claramente passando por uma crise em seu casamento. É interessante notar que Cleo parece nutrir amor e gratidão por aquela família, mesmo quando ouve as insatisfações do patrão, mal disfarçadas pela esposa, que logo fecha a porta do quarto. Para nós, os espectadores, a impressão que fica é a de humilhação e submissão. Ou ela é muito inocente, ou escolhe aceitar a situação para ter um emprego e um teto, o que seria perfeitamente normal.

A casa onde eles moram é praticamente um personagem, ocupando um papel de importância. Sua geografia é bem delimitada e é até importante para certos trechos. A longa e estreita entrada de garagem nos causa riso, tensão, comoção. Resumindo: nos traz mais emoção que alguns dos humanos. O Ford Galaxie, carro sedã que sempre passa apertos para entrar na garagem, é outro “personagem” interessante, com quem nos preocupamos tanto quanto com as crianças.

Ao receber o Leão de Ouro de Melhor Filme em Veneza, Cuarón agradeceu a Libo, a empregada que cuidou dele em sua infância. O nome Cleo foi inspirado em Cléo das 5 às 7, longa de 1962 de Agnès Varda. Qualquer que seja o nome, ela é aquela pessoa quase da família que fica num limbo perigoso, meio lá meio cá. Só é considerada da família quando conveniente. Mas é ela quem frequentemente cuida de crianças pelo mundo, por necessidade ou por luxo dos pais.

Cuarón levou o Leão de Ouro em Veneza, em setembro

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A Livraria e Mary Shelley já estão na Netflix

por Marcelo Seabra

Dois lançamentos na Netflix têm uma coisa em comum: são realizações de mulheres, sobre mulheres. Isso, além da qualidade. Já estão disponíveis A Livraria (The Bookshop, 2017) e Mary Shelley (2017), dramas de época com histórias bonitas sobre personagens fortes que fizeram seu próprio caminho, sem depender de maridos ou qualquer outro suporte masculino. Histórias bonitas, mas não necessariamente felizes, já que houve muita luta por parte delas.

Depois de uma rápida passagem pelos cinemas nacionais, trazido pela Cineart Filmes, A Livraria chega ao serviço de streaming e é uma ótima oportunidade para quem deixou passar da primeira vez. Escrito e dirigido por Isabel Coixet (do delicado Minha Vida Sem Mim, 2003), o longa é baseado num livro de Penelope Fitzgerald, escritora rapidamente homenageada nos segundos finais. No final dos anos 50, numa cidadezinha da costa inglesa, uma viúva (Emily Mortimer, de A Invenção de Hugo Cabret, 2011) se prepara para realizar um sonho: abrir uma livraria.

Em meio à abertura da loja e aos esforços de Florence para prestar o melhor serviço à comunidade, Fitzgerald e Coixet aproveitam para fazer críticas sociais e até políticas, além de contarem uma história interessante. Uma socialite desocupada (Patricia Clarkson, de Maze Runner: A Cura Mortal, 2018) inventa que um casarão antigo no meio da cidade deveria virar um centro cultural. É exatamente a casa que Florence comprou para morar e montar sua livraria. Casa que estava vaga há meses e não despertava interesse. Basta alguém tomar a frente para acender a intriga local.

Tanto Mortimer, como a educada e tolerante protagonista, como Clarkson, como sua antagonista arrogante, estão muito bem. Enquanto uma evita “coitadismos”, mantendo sempre uma postura digna e bondosa, a outra não cai no estereótipo fácil da megera, mantendo uma fachada de filantropa que pensa no bem-estar de todos. E, correndo por fora, chega o excepcional Bill Nighy (de Questão de Tempo, 2013), que vive um viúvo recluso que decide entrar na briga para reforçar o lado que julga correto. Um poço de ética, Mr. Brundish escancara a hipocrisia de seus pares, um bando de fofoqueiros que gostam de alimentar mentiras.

O usual diretor de fotografia de Coixet, Jean-Claude Larrieu, aproveita as paisagens do litoral inglês, contrastando a paz do mar sem ondas com a dureza das pedras da praia, a aparência de calmaria com a real aspereza que se revela aos poucos nos cidadãos. Com simplicidade, a diretora nos conduz pela intriga que cerca Florence, nos fazendo torcer por ela não por ser mulher, mas por seus valores e sua coragem. Só queremos entrar na cena e dizer algumas palavras de incentivo.

Outra mulher interessante, que defende com garra preceitos feministas, é Mary Shelley, interpretada com serenidade por Elle Fanning (de O Estranho Que Nós Amamos, 2017). A atriz, mesmo sem grandes arroubos, mostra que Mary não era uma mocinha convencional, daquelas que se resignam a seguir ordem dos homens. A falecida mãe era conhecida por ser uma feminista batalhadora e o pai (Stephen Dillane, de O Destino de Uma Nação, 2017) é um escritor e livreiro respeitado. Mary cresce num meio que favorece sua veia literária e desde sempre escreve aqui e ali.

Aos 16, a garota conhece o envolvente poeta Percy Shelley (Douglas Booth, de O Destino de Júpiter, 2015), e se apaixona, optando por um amor dentro dos padrões, acreditando que cada um possa fazer suas próprias escolhas. Com Shelley, Mary foge de casa e, juntos, eles desfrutam um estilo de vida luxuoso e sem preocupações. Isso, até que Shelley é deserdado pelo pai e passa aplicar golpes para manter as benesses. Fugir de credores passa a ser uma comum e, numa dessas escapadas, o casal vai parar na mansão de outro escritor bem de vida, Lorde Byron (Tom Sturridge, de Longe Deste Insensato Mundo, 2015).

É desse encontro que nasce um dos mais clássicos romances de terror: Frankenstein. É notória a aposta que é feita entre os presentes de que eles combateriam o tédio escrevendo, e ganharia a melhor história. O filme oferece uma visão do que teria acontecido, diferindo bem do que é mostrado em Gothic (1986), de Ken Russell, já que o foco é em Mary. A diretora Haifaa Al-Mansour, que escreveu o roteiro com Emma Jensen, é lembrada como a primeira cineasta da Arábia Saudita, tendo feito sua estreia com o elogiado O Sonho de Wadjda (2012).

Al-Mansour pela primeira vez conta essa história tirando o foco dos homens presentes (Shelley, Byron e o Dr. Polidori, vivido por Ben Hardy), valorizando Mary e sua irmã (Bel Powley, de Diário de Uma Adolescente, 2015). Dessa forma, entendemos melhor o que se passava na cabeça delas, que tinham qualidades, defeitos e paixões como qualquer um de nós. Mary, assim como a Florence de A Livraria, toma suas decisões e arca com as consequências. É ótimo ter a oportunidade tão cômoda, na Netflix, de conhecer essas duas obras feitas por mulheres num meio que não as valoriza como deveria.

Além de Fanning, Booth e Powley, o elenco traz Maisie Williams, de GoT

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Aquaman é quase um filme da Marvel com personagens da DC

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Apesar de gostar do trabalho de Zack Snyder em filmes como 300 e Watchmen (ainda que ambos não sejam boas adaptações), nunca gostei da forma como ele resolveu trabalhar o Universo DC quando recebeu da Warner essa difícil tarefa. Snyder e os executivos da Warner viram o que os estúdios Marvel estavam fazendo e resolveram que a melhor forma de obter o mesmo sucesso seria trabalhar de uma maneira bem diversa. Se os filmes da Marvel eram cheios de humor e esperança, os da DC deveriam ser sombrios, soturnos e até meio cínicos.

Com isso em mente, Zack trabalhou em Homem de Aço (2013) e Batman v Superman (2016), conseguindo boas bilheterias – ainda que abaixo do esperado pelo estúdio – mas uma enxurrada negativa de críticas. Esquadrão Suicida (2016), de David Ayer, seguiu a mesma toada: bons números de bilheteria e péssimas críticas. Isso fez com que a cúpula da Warner decidisse por uma mudança de direção, dando a Geoff Johns, uma das principais mentes criativas da DC, mais poder no que dizia respeito à forma como os personagens da empresa seriam adaptados para a telona. Mulher-Maravilha (2017), de Pat Jenkins, já trouxe um pouco dessa filosofia e Aquaman, de James Wan (2018), que chega às telas brasileiras hoje, leva esse direcionamento ao extremo. Ele é quase um filme da Marvel.

Um dos grandes méritos de Aquaman está em seu roteiro, escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick e Will Beall, com base na história de Geoff Johns, James Wan e do próprio Beall. A presença de Johns na equipe criativa foi fundamental aqui, já que foi ele o responsável por comandar a reformulação do personagem na iniciativa que a DC chamou de Os Novos 52 e partes de seu trabalho nos quadrinhos, especialmente nos arcos As Profundezas e A Morte de Um Rei, serviram de base (ou inspiração) para o que vemos nas telas.

Aquaman é um filme de origem que difere levemente de produções dessa seara, já que o personagem foi apresentado ao mundo em Liga da Justiça (2017). Aqui, no entanto, conhecemos mais detalhes de sua vida pregressa. Sabemos, por exemplo, que Arthur Curry (Jason Momoa) é filho do humano Tom Curry (Temuera Morrison, de Lanterna Verde, 2011) com Atlanna (Nicole Kidman, de Big Little Lies), soberana do lendário reino submerso da Atlântida. Atlanna some da vida de Arthur quando ele ainda é uma criança e ele passa a se culpar por isso. Em sua mente, a mãe sumiu porque ele nasceu em uma união não permitida entre humanos e atlantes.

A herança materna de Arthur faz com que ele tenha capacidades sobre-humanas. Além de super-força e semi-invulnerabilidade, ele consegue nadar a velocidades absurdas, respirar tanto dentro quanto fora da água e “conversar” com criaturas marinhas. Arthur passa boa parte de sua vida combatendo a pirataria nos sete mares, sempre de maneira razoavelmente anônima, ainda que isso acabe tornando-o uma espécie de celebridade em sua cidade natal.

A sociedade submarina é dividida em sete reinos, quatro dos quais ainda têm alguma importância. Cansado de ver como os habitantes da superfície andam tratando os mares, o soberano da Atlântida, Orm (Patrick Wilson, da franquia Invocação do Mal), meio-irmão de Arthur, quer declarar guerra à humanidade. Para isso, ele precisa unir os quatro reinos e inicia seus planos recrutando a ajuda do Rei Nereus (Dolph Lundgren, um dos Mercenários).  A filha de Nereus, Mera (Amber Heard, de Magic Mike XXL, 2015), e o conselheiro real, Vulko (Willem Dafoe, de Assassinato no Expresso Oriente, 2017), querem impedir essa guerra. A solução: convencer Arthur de aceitar seu papel e conquistar o trono da Atlântida. Essa tarefa, claro, não será nada fácil, especialmente quando a dupla precisa também enfrentar um inimigo que Arthur arrumou em sua luta contra a pirataria.

Aquaman é um filme divertido e um verdadeiro festim para os olhos, especialmente nas sequências passadas debaixo da água. Impressiona a precisão técnica apresentada na tela, com um trabalho de computação gráfica quase perfeito. Há um erro aqui e ali, mas nada que traga demérito ao filme. Outra coisa que impressiona é como os cenários do filme são iluminados. Mesmo Atlântida, localizada bem abaixo da superfície, é um show de luzes e cores e as sequências de ação que se passam nesse cenário, ao contrário de muitos filmes do gênero, são bem definidas e poucas são as cenas onde a falta de iluminação é utilizada para esconder possíveis falhas nos efeitos visuais e especiais.

Apesar da história de Aquaman não ser nada de mais e de uma tentativa de encaixar piadas que, na maioria das vezes, não funciona, o elenco faz seu trabalho de maneira competente. Jason Momoa diminuiu bastante seu jeito de “mano da quebrada” apresentado em Liga da Justiça, enquanto que Mera teve um bom tempo de tela, emulando bastante a personalidade de sua contraparte quadrinhística. Da mesma forma, Patrick Wilson e Willem Dafoe (ao lado) foram fiéis a seus personagens, tornando-os críveis. O Orm de Wilson, inclusive, se não é um primor de tridimensionalidade, também não cedeu ao clichê do cara que faz tudo para obter o poder supremo. Há pelo menos uma passagem no filme em que Orm poderia muito bem cair nesse clichê, mas os roteiristas optaram por não fazê-lo.

Durante boa parte do terceiro ato, Aquaman traja o seu uniforme clássico dos quadrinhos, ou seja, calças verdes e armadura escamada amarela, deixando de lado o visual desleixado apresentado em Liga da Justiça. Já os visuais tanto de Orm quanto do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II, de The Get Down) também refletem aqueles aos quais os fãs dos quadrinhos estão acostumados.

É seguro dizer que Aquaman é uma bola dentro da DC. Não é um filme no nível de Mulher-Maravilha, nem tampouco pode ser comparado com Batman: O Cavaleiro das Trevas, como alguns críticos gringos fizeram. É, no entanto, uma bela produção que nos dá esperança de que o universo cinematográfico da DC finalmente entre nos trilhos. Mesmo que, para isso, tenha que seguir as pegadas de sua maior concorrente. E, como é costume, Aquaman tem uma cena após o final e ela se encontra no meio dos créditos. Portanto, assim que ela for exibida – e a Warner ainda precisa tornar essas cenas relevantes, porque todas até agora foram bastante dispensáveis – você pode sair da sala sem esperar o fim dos créditos.

Wan e o elenco principal de Aquaman

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Programa do Pipoqueiro #37 – Ray + Cash + Cox

por Marcelo Seabra

O Programa do Pipoqueiro traz três trilhas de cinebiografias bem diferentes entre si: Ray, Johnny e June e A Vida É Dura – A História de Dewey Cox. Conheça os filmes e suas músicas! Aperte o play abaixo e divirta-se!

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Spike Lee conta a inacreditável história do Infiltrado na Klan

por Marcelo Seabra

Uma história tão absurda só poderia ser verdadeira! Dizer que um policial negro conseguiu se passar por um supremascista branco que chegou ao líder da Ku Klux Kan seria algo muito louco, e é exatamente o que Ron Stallworth conta em sua autobiografia, que chega agora aos cinemas comandada por Spike Lee. Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018) é ambientado nos anos 70, mas está mais atual do que nunca, já que temos visto e ouvido discursos de ódio que pareciam superados e movimentos racistas crescendo em plena luz do dia.

Quase sempre um cineasta relevante, Lee dá muita ênfase à luta do movimento negro, contando histórias importantes, que precisam ser conhecidas. De Faça a Coisa Certa (1989) a Verão em Red Hook (2012), passando por Malcolm X (1992) e A Hora do Show (2000), ele tem várias obras que vão nessa direção, e esta nova conta outro episódio importante. Para o papel principal, ele escalou o filho de seu colaborador frequente, Denzel Washington, e pode-se dizer que o talento corre nas veias da família. John David Washington (da série Ballers) passa a confiança e a audácia necessárias ao papel, e tem uma presença de cena forte.

Vendo um anúncio de recrutamento no jornal, Stallworth liga pro escritório da KKK e consegue marcar um encontro com o responsável local. Para ser a cara do personagem que criou, ele precisa contar com um colega por uma razão simples: ele é negro, o primeiro da força policial de Colorado Springs. Por isso, recorre a Flip Zimmerman (Adam Driver, de Star Wars: Os Últimos Jedi, 2017), policial de origem judaica que encarna a persona e destila discursos raivosos, na medida em que os outros querem ouvir. Dessa forma, em dupla, eles conseguem informações valiosas sobre possíveis atentados, salvando vidas e mostrando aos espectadores como é grotesco e raso o pensamento daquela gente.

Numa participação muito bem escolhida, Topher Grace (de Máquina de Guerra, 2017 – abaixo) vive David Duke, então Grande Mago do Cavaleiros da Ku Klux Klan – sim, esse cargo existe e é levado a sério por eles. Duke participou de diversas eleições e chegou até às primárias para ser candidato à presidência dos Estados Unidos, tentando por ambos os partidos principais: os democratas e os republicanos. Nunca passou de cargos locais e ainda arrumou confusão mundo afora, tendo sido expulso da Itália quando vivia no norte do país e preso na República Tcheca sob suspeita de “negar ou aprovar o genocídio nazista e outros crimes nazistas”, acusações depois retiradas.

Duke é a figura que liderava a “Organização”, como eles próprios se chamavam. Em seu discurso, ele alerta para o perigo de demagogos que usam a retórica para fazer a cabeça das pessoas, e sem perceber se descreve perfeitamente. O gestual calculado de Grace é muito acertado, sempre passando a impressão de uma pessoa fina, educada, gentil, incapaz de qualquer ato de violência e de quem seria impossível discordar. Ele só cresce quando é hora de sustentar seus preconceitos em frente a seus comandados, e tudo o que sai de sua boca é vazio. Ele chega a afirmar que poderia, por telefone, diferenciar um branco de um negro pela forma como eles falam. Algo que lembra a atroz eugenia nazista.

Expondo o ridículo das filosofias supremacistas brancas, Lee conta uma história interessante e divertida, com pontuais momentos de humor, e lança mão de suas marcas registradas, como a tomada em um corredor em que dois personagens avançam aparentemente sem se mexerem. Um elenco competente, com merecido destaque para Driver, além dos já citados Washington e Grace, completa um quadro firmemente pintado por Lee. Infiltrado na Klan tem sido apontado por críticos ianques como o primeiro filme de autor a se posicionar contra Trump, e o faz diretamente, sem subterfúgios. Para muitos, é para isso que o Cinema existe: divertir e fazer pensar.

Spike Lee levou seu elenco a vários festivais, como Cannes

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Steve McQueen reúne ótimo elenco para As Viúvas

por Marcelo Seabra

Viola Davis, sempre que tem oportunidade, mostra que é uma senhora atriz e que segura tranquilamente um filme nas costas. Mesmo que o resto do elenco seja bem interessante, ela sempre se sobressai. O veículo do momento para mostrar seu talento é As Viúvas (Widows, 2018), novo trabalho do elogiado diretor Steve McQueen. Com uma dupla dessas, não tinha como dar errado, e o resultado prende e diverte o público.

De cara, vemos o grupo encabeçado por Liam Neeson (de Noite Sem Fim, 2015) realizando um assalto que não dá muito certo. A personagem de Davis (de Um Limite Entre Nós, 2016), a viúva do sujeito, é procurada pelos donos originais do dinheiro roubado e recebe um ultimato para devolver tudo. É daí que parte uma trama que envolve vários tipos, e McQueen (de 12 Anos de Escravidão, 2013) escolhe a dedo que interpreta cada um. Temos, por exemplo, Robert Duvall (de O Juiz, 2014), um veterano que sempre faz bonito frente às câmeras, assim como Jacki Weaver (de O Rei da Polca, 2017), num papel menor.

Escrito por Lynda La Plante, o livro Widows já ganhou duas adaptações para a TV. Dessa vez, temos várias alterações na fonte. Além da pura diversão de acompanhar os desdobramentos do crime mal-sucedido, McQueen e sua co-roteirista, ninguém menos que a escritora Gillian Flynn (que escreveu o livro e o roteiro de Garota Exemplar, 2014), aproveitam para meter o dedo em algumas feridas. A política é alvo de várias críticas, são escancaradas algumas jogadas desse universo que envolvem não só conchavos e ameaças, mas crimes mais óbvios, como assassinatos. As relações familiares também são examinadas e temos como conhecer um pouco melhor cada um dos envolvidos.

O elenco mais do que competente traz Michelle Rodriguez (de Velozes e Furiosos), Elizabeth Debicki (de Guardiões da Galáxia 2, 2017) e Carrie Coon (de Vingadores: Guerra Infinita, 2018) como as outras viúvas do título, fechando um quarteto diversificado e forte. Na disputa política, temos o embate de Colin Farrell (de Animais Fantásticos, 2016) e Brian Tyree Henry (de Hotel Artemis, 2018), este último auxiliado pelo irmão gângster vivido por Daniel Kaluuya (de Corra!, 2017 – ao lado). Farrell faz o filho de Duvall e os diálogos entre os dois são dos mais marcantes e cortantes, tamanha a brutalidade com que se tratam. Entre os nomes mais famosos, temos ainda Jon Bernthal (o Justiceiro), Lukas Haas (de O Primeiro Homem, 2018) e Manuel Garcia-Rulfo (de Assassinato no Expresso Oriente, 2017).

É impressionante a habilidade que McQueen tem de passar informações e situar o público sem precisar de diálogos expositivos. Ele, inclusive, volta no tempo sem sobreaviso, e não causa qualquer tipo de confusão. Alguns enquadramentos nos permitem melhor compreensão do espaço físico, e nem precisamos ver os personagens para acompanharmos uma conversa. Todos esses elementos costurados por uma montagem ágil fazem duas horas passarem em um minuto. E, logo, estamos novamente torcendo por um novo filme do diretor.

Elas vão ter que se virar

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Garoto autista é o foco de Po

por Marcelo Seabra

Um filme que toca uma música da dupla Burt Bacharach e Hal David nos primeiros minutos já começa ganhando a simpatia de seu público. Logo descobrimos tratar-se de um ponto de partida triste, com a morte de uma mulher que deixa para trás o marido e o filho pequeno. E a criança é autista, assim como os filhos do diretor e do roteirista do longa. Po (A Boy Called Po, 2016), que chega agora aos cinemas brasileiros pela Cineart, se propõe a mostrar um retrato mais real do autismo.

A ideia de John Asher ao comandar o filme era mostrar para quem não está próximo como se comporta alguém que está no espectro do autismo, como seu Evan, hoje com 14 anos. O próprio Bacharach, que assina a trilha sonora, tinha sua Nikki, que acabou tirando a própria vida aos 40. É comum vermos no Cinema crianças autistas decifrarem códigos e montarem bombas e afins. Não é usual vermos como se organiza uma família, ou o impacto nos pais, quando chega um filho com essas características.

Ao escrever o roteiro, Colin Goldman também pôde colocar algumas experiências familiares, o que torna bem reais as atitudes e reações do personagem-título. Após a perda da mãe, Patrick (Julian Feder, de Community) se fecha cada vez mais e o pai (Christopher Gorham, de 2 Broke Girls) se desdobra para vencer o luto, criar Po (como ele prefere ser chamado) e finalizar o projeto no qual trabalha. Reconhecer que pode não dar conta de tanto não é uma opção para David, que se esforça e vê sua vida sair dos trilhos.

Se o tom é sensível, a ideia é promissora e a intenção, nobre, Po peca nos desdobramentos. O roteiro só vai soar original para quem nunca vê filmes. A sequência de obstáculos, o fundo do poço e a redenção seguem um caminho bem tradicional, para não dizer clichê, e as soluções são muito convenientes. É comum filmes deixarem a impressão de que os realizadores sabiam aonde queriam chegar, mas não como, e é esse o caso.

Produção independente bancada pela Commonwealth Film Manufacturing e pela New Coast Productions, Po não deve ter tido um orçamento muito polpudo, isso fica claro. Os cenários são muito simples, não há nada visualmente elaborado – com exceção talvez dos devaneios do garoto, que se imagina em lugares diferentes. Esse talvez seja o maior mérito de Po (o filme): tentar desvendar o que se passa na cabeça de uma criança autista usando como base a experiência de adultos neurotípicos que conhecem o assunto de perto.

A imaginação do garoto vai longe

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