Tivemos a 94ª edição dos Academy Awards, mais conhecidos como Oscars, e diversos filmes foram premiados. A Academia parece buscar pulverizar seus prêmios. Com exceção de Duna, que ficou com seis, as demais obras levaram menos estatuetas, permitindo premiar um maior número delas. Assim, todos ficam felizes e acrescentam em seus cartazes os dizeres “vencedor do Oscar”, o que sempre chama mais público.
Se muitos esperavam Ataque dos Cães como vencedor na categoria Melhor Filme, quebraram a cara. CODA – No Ritmo do Coração ficou com o prêmio, além de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante (para Troy Kotsur). Esta foi provavelmente a maior surpresa da noite, e Ataque levou Melhor Direção (para Jane Campion, única mulher a ser indicada duas vezes na categoria).
Drive My Car foi sagrado o Melhor Filme Internacional e as categorias de atuação premiaram mais longas. Jessica Chastain foi a Melhor Atriz, e Os Olhos de Tammy Faye ainda ficou com Melhor Maquiagem e Penteado. A Melhor Atriz Coadjuvante foi Ariana DeBose, ganhando pelo mesmo papel que premiou Rita Moreno em 1961: as duas roubaram a cena nas versões de Amor, Sublime Amor. Até Cruella, que estava meio esquecido por ter estreado há mais tempo, levou Melhor Figurino.
Além de CODA na categoria principal, outra surpresa foi James Bond levar outro Oscar de Melhor Canção. Billie Eillish e Phineas ganharam por No Time to Die, de 007 – Sem Tempo para Morrer. Mas a maior atração da noite, que chamou mais atenção, sem dúvida, foi o tapa que Will Smith, Melhor Ator por King Richard: Criando Campeãs, deu em Chris Rock. Encenação? Realidade? Na hora, só o que sabíamos é que ficou um clima ruim na cerimônia.
Rock subiu ao palco para apresentar a categoria Melhor Documentário, que ficou com o ótimo Summer of Soul. Antes disso, como era de se esperar, o comediante soltou algumas piadas e acabou direcionando seu veneno a Jada Pinkett Smith, esposa de Will Smith, que iria em minutos sagrar-se Melhor Ator do ano. Rock mencionou um filme em que a personagem, militar, precisava raspar a cabeça, e insinuou que Pinkett Smith faria a sequência – por ser careca.
A doença com a qual a atriz convive já lhe trouxe muito sofrimento e ela não achou graça nenhuma na piada. Vendo o desconforto da esposa, Smith subiu ao palco e soltou um tapa na cara do apresentador. Nesse momento, na internet, com todos atônitos, começaram as teorias de que aquilo seria encenação, para pouco depois confirmarem se tratar de uma briga de fato. Ao voltar para seu lugar, Smith ainda proferiu algumas palavras pesadas, algo como “não diga o nome da minha mulher”.
Um ponto importante a ser discutido ganha aqui mais um exemplo: a necessidade que usuários de redes sociais têm de se posicionar frente a todas as questões lançadas. Sem pensar muito, no calor do momento (e ainda agora), muitos justificaram a cena do tapa e se posicionaram ao lado de Smith, “um herói” por defender a esposa. Outros, mais comedidos, condenaram o ato de violência, mesmo entendendo a justificativa.
De imediato, a Academia divulgou um comunicado afirmando ser contra qualquer ato de violência, para horas depois citar o astro nominalmente e avisar que a situação seria analisada e que Smith poderia vir a sofrer alguma penalidade. Independente de qual será o resultado da investigação, a conclusão é que os dois lados de uma discussão podem estar errados. Não é necessário que o internauta logo tire suas conclusões e saia cancelando um ou outro. O mais importante é refletir sobre o acontecido.
Uma grande questão levantada pelo amigo Tullio Dias, no Cinema de Buteco, refere-se aos limites do humor. Muitos humoristas fazem carreira depreciando minorias e vítimas fáceis, aquelas preferidas pelos bullies, que sofrem em escolas, no trabalho ou em qualquer lugar onde pessoas se reúnam. Mesmo aquele que sabe fazer piadas inteligentes, sobre situações e não sobre características físicas, corre o risco de errar a mão. Não é a intenção aqui fazer uma análise da carreira de Chris Rock. É fato que o ator volta e meia pegue pesado em suas observações e, aqui, ele errou feio.
Se a Academia decidisse retirar Smith da festa, teria que ser rápido, porque ele logo foi chamado ao palco para receber seu prêmio. No discurso, ficou emocionado e explicou que o choro não era por ter ganhado, mas pela vergonha de seu ato. Não pediu desculpas a Rock, mas lamentou o ocorrido e se desculpou à Academia e aos colegas ali presentes. A explicação de que “fazemos loucuras por amor” foi aplicada e ele chegou a se comparar ao personagem que interpreta, Richard Williams, dizendo fazer de tudo pela família.
A explosão causada por um ato de amor é uma justificativa perigosa que já foi usada para desculpar muita violência. Se é possível entender a reação do ator, mais difícil é apoiá-lo. É um precedente perigoso de se abrir. Teria sido mais interessante criticar o humorista sem graça no discurso? Se ele não vencesse na categoria, não teria a oportunidade. Rock não prestará queixa contra Smith provavelmente por aceitar o risco da profissão, de que em algum momento isso iria acontecer. O que mostra que ele sabe que é desagradável.
A lição que fica, se é possível tirar alguma desse episódio, é de que o humor nunca deve ser arma contra quem está sofrendo por qualquer que seja a razão. E que não se deve usar a violência para corrigir uma injustiça. É a velha máxima de que “dois errados não fazem um certo”. Antes de tomarem partido, os internautas podem pensar um instante e concluírem que pode ser que ninguém esteja correto. E que o episódio será sempre lembrado junto à vitória de Smith. Impossível separar uma coisa da outra.