por Marcelo Seabra
À medida em que os filmes vão estreando nos Estados Unidos, começa o barulhinho de Oscar, com previsões e suposições. Quando as indicações são reveladas, a carreira internacional dos que não estrearam ainda é diretamente afetada. Tivemos, esse ano, duas produções muito boas que passaram batido por terem sido esnobadas no prêmio. Ambas sobre famílias, focando no filho e suas questões. Enquanto Querido Menino (Beautiful Boy, 2018) mostra um rapaz se afundando em drogas, Boy Erased – Uma Verdade Anulada (2018) nos apresenta a um jovem que entra num programa de conversão de gays.
Com duas interpretações muito marcantes, Querido Menino traz a família Sheff, da qual o pai é um escritor que mora numa casinha afastada da cidade. O filho, em seus 17, 18 anos, começa a usar drogas e rapidamente perde o controle ilusório que viciados pensam ter. Steve Carell (de Vice, 2018) e Timothée Chalamet (de Me Chame Pelo Seu Nome, 2017) vivem os personagens principais e demonstram uma química enorme, funcionando muito bem como pai e filho.
O fato de o roteiro, escrito por Luke Davies e Felix van Groeningen (também diretor do longa), ser baseado nos livros dos verdadeiros David e Nic Sheff traz muito veracidade ao projeto. Nada é idealizado e acompanhamos de perto o buraco em que o menino se enfia, e acaba aprisionando toda a família. Groeningen vem do elogiado Alabama Monroe (2012), e seu co-roteirista, Davies, fez sua estreia também com um filme sobre drogas: Candy (2006).
Em Boy Erased, um pastor batista percebe que seu filho possa ser homossexual, o que ele considera ir contra suas crenças. Por isso, oferece uma escolha ao jovem: participar de um programa de conversão da igreja, para “resolver o problema”, ou se afastar da família e ser deixado de lado. Não é difícil imaginar o que ele escolhe. E é igualmente fácil se colocar no lugar dele e sentir toda a angústia que se instaura em sua cabeça. E o roteiro também é baseado no livro do personagem, Garrard Conley.
No papel principal, Lucas Hedges (ao lado) mais uma vez mostra que não brinca em serviço. Apesar da pouca idade (nascido em 1996), ele já coleciona ótimos trabalhos, como Manchester à Beira-Mar (2016). E ajuda, claro, ser filho (na ficção) de Russell Crowe (de A Múmia, 2017) e Nicole Kidman (de Aquaman, 2018), dois atores com um grande domínio de sua arte. O bom roteiro, somado ao talento deles, afasta qualquer possibilidade de clichê ou maniqueísmo, mostrando pessoas reais que, mesmo metendo os pés pelas mãos, estão tentando acertar.
A grande surpresa de Boy Erased é descobrir que, além de atuar nele, Joel Edgerton o escreveu e dirigiu. Ele fez sua estreia atrás das câmeras em O Presente (The Gift, 2015), um suspense surpreendente que mostrou que ele sabia bem o que estava fazendo. Aqui, Edgerton dissipa qualquer dúvida que possa ter ficado, se mostrando um diretor correto que entrega um filme bem amarrado, enxuto e poderoso. Ele fica na cabeça por um longo tempo e, assim como Querido Menino, rende boas discussões.