por Marcelo Seabra
Mesmo lançando um filme por ano, ritmo que muitos realizadores mais jovens não conseguem acompanhar, o veterano Woody Allen mantém um nível de qualidade invejável. Seu novo trabalho, Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, 2014), está em cartaz no país e mostra um diretor que se diverte com seus personagens numa trama leve e agradável. Pela primeira vez, ele tem Colin Firth (de Sem Evidências, 2013) como protagonista e alter-ego e ainda arrumou uma nova musa: Emma Stone (a Gwen da nova franquia do Homem-Aranha), e ela já até tem outro projeto engatilhado com Allen.
Como de costume, o próprio diretor assina o roteiro, que traz um mote nada inédito: um especialista em expor falsos médiuns e afins é chamado por um amigo para desmascarar uma simpática vidente que está nas graças de uma família rica. Apesar de batido, o tema ganha um tratamento diferenciado, já que este tipo de história geralmente se envereda pelo suspense (caso de A Colheita do Mal, de 2007, e O Despertar, de 2011). A simpatia da provável vigarista (vivida por Stone) contrasta com a rabugice do mágico cético de Firth, que não se cansa de atacar a jovem com comentários maldosos e cínicos acerca do mundo sobrenatural. Os tais ricaços, os Catledges, são sempre mostrados como, apesar de ingênuos, pessoas reais, que buscam acreditar em mais do que os olhos são capazes de ver, como acontece com frequência do lado de cá da tela.
Apesar de à primeira vista formarem um casal improvável, separados por 28 anos, Firth e Stone têm uma química que é o ponto mais alto do filme. Não é a primeira vez que Allen retrata essa diferença de idade, e isso geralmente reflete numa diferença também na visão de mundo de cada um. Sophie não é burra como Stanley gosta de insinuar, e ele bem sabe disso, o que torna o duelo entre eles tão saboroso. As belas paisagens do sul da França, capturadas por Darius Khonji, o figurino e a rica trilha sonora apropriada para a época retratada, os anos 20, só contribuem. Cole Porter não poderia faltar, com You Do Something to Me. Como se pode perceber, várias características são recorrentes na obra de Allen, o que nos deixa com uma sensação de estarmos em terreno conhecido, quase revisitando, por exemplo, o universo nostálgico de Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011).
As perspectivas de acreditar na vida após a morte e de que não temos respostas para tudo trazem um novo fôlego a Stanley, que se torna uma pessoa mais alegre. Os caminhos pelos quais o roteiro passa revelam muito sobre seu autor, que certamente reluta em crer nesse tipo de coisa, como seu personagem. O desenrolar pode, sim, se mostrar previsível, o que não tira o charme da produção. É um prazer conhecer os coadjuvantes, muito bem escolhidos pelo diretor, como Jacki Weaver (de O Lado Bom da Vida, 2012), Marcia Gay Harden (de The Newsroom), Hamish Linklater (de 42: A História de uma Lenda, 2013) e Eileen Atkins (de Dezesseis Luas, 2013).
Não há muitas oportunidades para risadas desenfreadas, mas o público deve passar a projeção com um belo sorriso no rosto. Se o roteiro não é dos mais redondos que Allen já escreveu, também não chega a ser irregular, quebrando a suposta coincidência de Allen alternar trabalhos inferiores (como Para Roma, Com Amor, 2012) e brilhantes (como Blue Jasmine, 2013). Alguns diálogos são bastante inspirados, tornando o mágico de Firth um antipático bem afiado. Não seria má ideia assistir a mais histórias com estes personagens.