Paul Schrader leva seus personagens ao Coração da Escuridão

por Marcelo Seabra

Tendo crescido em uma igreja protestante reformada, o roteirista e diretor Paul Schrader sabe exatamente do que está falando em No Coração da Escuridão (2017), título que recebeu no Brasil First Reformed, seu trabalho mais recente. Temos aqui um conto de fé abalada com toques metafóricos e muita dor, de causas variadas. E Ethan Hawke mais uma vez prova que segura tranquilamente um filme nas costas, dizendo muito com o olhar.

Os diálogos de Schrader são cirúrgicos. Nada está ali gratuitamente, por acaso. Ao contrário de alguns de seus roteiros anteriores, como Taxi Driver (1976), este não segue num crescendo de desesperança. Temos momentos alternados, mais leves e mais densos, carregados de silêncios e ações que dizem mais que palavras. A fotografia, que valoriza construções sóbrias e paisagens geladas e sem cor, reforça a falta de perspectiva dos personagens.

Como o protagonista, Hawke (de Uma Noite de Crime, 2013) traz um peso contínuo nos ombros, o sofrimento de ter perdido um filho e ter visto seu casamento desmoronar. Sua segunda chance, ou castigo, dependendo do ponto de vista, é assumir a liderança de uma igreja protestante numa cidadezinha americana. Como reverendo, ele conduz os cultos diários para meia dúzia de devotos, leva os curiosos a conhecerem a estrutura de 250 anos e ainda tenta vender uns souvenirs na lojinha de presentes.

Em meio a essa rotina monótona, com dias que invariavelmente terminam numa garrafa de whisky, o reverendo Toller conhece um casal jovem, que espera o primeiro filho. Mary (Amanda Seyfried, de Anon, 2018) anda triste com o pessimismo do marido (Philip Ettinger, da série O Nevoeiro), um ativista do meio ambiente que não vê futuro para o planeta e, por isso, acha errado gerar outra vida. A relação de Toller com os dois o fará pensar sobre pontos antes ignorados. E não falta uma crítica ao capitalismo desenfreado, que destrói nossa natureza buscando lucro.

Os trabalhos mais recentes do diretor foram solenemente ignorados. The Canyons (também chamado de Vale do Pecado, de 2013) nem teve um lançamento apropriado por aqui, causando zero barulho – o longa traz Lindsay Lohan e James Deen em cenas de sexo que deveriam ser tórridas, mas ficam apenas em monótonas. Com First Reformed, Schrader restaura um resto da fé que ainda tínhamos nele, mostrando que ainda sabe escrever diálogos como poucos. E ele achou em Hawke um grande intérprete para as questões que levanta. O final pode desapontar alguns, mas não deixará ninguém impassível.

O Reverendo se junta a alguns dos personagens marcantes de Schrader.

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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