Animação homenageia Batman dos anos 60

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Batman Return of the Caped Crusaders

Batman, série cômica produzida entre 1966 e 1968, foi um fenômeno cultural da época. Apesar de ser odiada por fãs mais modernos, a série foi uma das principais catapultas para a popularidade do futuro Cavaleiro das Trevas. Prova disso é que, nos últimos anos, a DC resolveu revisitar essa versão do personagem em uma série de minisséries em quadrinhos lançados inicialmente em formato digital e, posteriormente, em edições físicas encadernadas. A boa repercussão dessa iniciativa, somada ao fato de as disputas relativas aos direitos sobre a série terem sido resolvidas e permitido que ela fosse lançada em DVD e Blu-Ray, atiçou o interesse da nova geração por essa versão mais leve do herói. Isso fez com que a divisão de animação da Warner Bros. resolvesse lançar uma animação baseada nela e, no mesmo ano do sombrio (e decepcionante) Batman vs Superman, chegou às lojas tupiniquins Batman: O Retorno da Dupla Dinâmica (Batman: Return of the Caped Crusaders, 2016). De cara, fica o aviso: se o único Batman que você considera “o verdadeiro” é aquele estabelecido após a reformulação de Frank Miller ou o que estrelou a trilogia de Chris Nolan, passe longe desse longa.

Batman WestBatman: O Retorno da Dupla Dinâmica é praticamente uma continuação da série camp dos anos 1960, mas com possibilidades que uma série live-action, com um orçamento limitado, não poderia explorar. A animação começa como quase todos os Robin Wardepisódios da série. O milionário Bruce Wayne e seu protegido Dick Grayson (respectivamente dublados pelo Batman e Robin originais, Adam West e Burt Ward) estão na Mansão Wayne acompanhados de seu mordomo Alfred (Steven Weber, de séries como NCIS: New Orleans e Duas Garotas em Apuros) e da tia de Bruce, Harriet (Lynne Marie Stewart, também de Duas Garotas em Apuros), que desconfia da natureza da relação da dupla, quando o telefone vermelho toca. O comissário Gordon (Jim Ward, de Pets: A Vida Secreta dos Bichos, 2016) e o Chefe O’Hara (Thomas Lennon, de Transformers: A Era da Extinção, 2016) precisam da ajuda de Batman e Robin quando descobrem que o Coringa (Jeff Bergman, de Uma Família da Pesada), o Charada (Wally Wingert, também de Uma Família da Pesada), o Pinguim (William Salyers, ator especializado em dublagens de jogos) e a Mulher-Gato (Julie Newmar, reprisando seu papel na série dos anos 1960) se uniram para um plano diabólico que apenas a Dupla Dinâmica pode deter.

A animação segue uma fórmula conhecida dos fãs da série em seu primeiro ato, com Batman e Robin enfrentando os quatro em meio a angulações estranhas de câmera e onomatopéias que explodem na tela – “POU!” “SOC!” e etc -, Batman tentando dar lições de moral no meio das brigas e Robin soltando seus bordões (santo isso, santa aquilo) a todo o tempo. Ao fim dos primeiros vinte minutos, a exemplo do que acontecia na série, Batman e Robin estão presos em uma armadilha excêntrica enquanto o quarteto de vilões se afasta, deixando a Dupla Dinâmica a seu próprio destino. Desnecessário dizer que, a exemplo da série, Batman e Robin conseguem escapar e, daí em diante, a animação toma um rumo relativamente surpreendente, ainda que não se afaste muito da premissa da série original. Apesar do visual de Gotham lembrar muito o de diversas animações de Batman e os cenários não serem tão excêntricos e coloridos, isso não traz nenhum demérito à animação.

Batman: O Retorno da Dupla Dinâmica acaba sendo uma animação leve e divertida que deve despertar a nostalgia dos mais velhos e o interesse da nova geração em ver essa versão do herói. Lançada diretamente para o mercado de homevideo, ela já está disponível no Brasil. Vale a pena dar uma conferida.

Ward e West hoje

Ward e West hoje

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Rogue One é mais Star Wars nos cinemas

por Marcelo Seabra

Rogue One banner

Os melhores filmes entre os mais recentes da saga Star Wars seguem sendo aqueles sem a presença de George Lucas. Os diálogos horrendos ficaram para trás e Rogue One: Uma História Star Wars (2016) consegue a proeza de se sustentar sozinho, mesmo sem os personagens clássicos e tendo a tarefa de nos apresentar aos novatos desse rico universo. O longa tem outro compromisso complicado: chegar a um ponto que todos os fãs da série conhecem e, mesmo assim, trazer ar fresco, amarrando a brecha entre as duas trilogias.

Como sabem os iniciados, a trilogia clássica é a intermediária entre a outra já completa e a iniciada com O Despertar da Força (The Force Awakens, 2015). Ou seja: primeiro vieram os episódios IV a VI, depois os de I a III e, só no ano passado, o sétimo. A história de Rogue One corre por fora por não envolver os Skywalkers, Han Solo e companhia, mas não deixa de ter participações especiais – algumas recriadas por computação gráfica. Com argumento de dois conhecidos da franquia, Gary Whitta (roteirista da série Star Wars Rebels) e John Knoll (supervisor de efeitos visuais da trilogia I-III), mas roteiro dos não-iniciados Chris Weitz (de Cinderela, 2015) e Tony Gilroy (dos quatro Bourne), o longa ainda se beneficiou de ter outro olhar “de fora”: o do diretor, Gareth Edwards (de Godzilla, 2014).

Em mãos competentes e “não viciadas”, digamos assim, o filme consegue honrar seus antecessores e caminhar com as próprias pernas. A ótima trilha sonora, do prolífico Michael Giacchino (de dois Star Trek), representa exatamente o que o todo é: inspirada no clássico, rumo ao novo. Os personagens são desenvolvidos o suficiente para entendermos suas motivações e nos importarmos com eles. E a diversidade é bem-vinda: temos uma mulher no posto principal e várias etnias compondo o grupo, com um latino, dois chineses, americanos e europeus, brancos e negros, todos bem misturados. Afinal, se eles têm facilidade para viagens interplanetárias, faz sentido ter esse tanto de gente diferente junto. Grupos de extrema direita norte-americanos não gostaram e propuseram boicote, e os mais de 150 milhões de dólares de arrecadação em três dias mostram que não deu certo.

Rogue One Jyn

Apresentada nos trailers, a protagonista é Jyn Erso (Felicity Jones, de Inferno, 2016 – acima), uma órfã criada pelo líder rebelde Saw Gerrera (Forest Whitaker, de A Chegada, 2016). De tão extrema é a sua posição, Gerrera se afastou da Aliança Rebelde e levou seus seguidores para um planeta afastado. Quando a Aliança descobre que Jyn é, na verdade, filha de um cientista que trabalha em uma grande arma para o Império, decide usá-la para chegar até ele. Diego Luna (de Herança de Sangue, 2016) vive o representante da Aliança que acompanha Jyn e eles lideram um grupo que acaba sendo a esperança de vencer o Imperador e seus asseclas. A palavra esperança, inclusive, é muito bem utilizada, o que dá total sentido ao título do Episódio IV – Uma Nova Esperança (A New Hope, 1977). E a Força aparece como uma religião, mostrando a necessidade do homem de acreditar no sobrenatural para seguir em frente.

Mesmo não seguindo os padrões estéticos da saga, como o letreiro inicial e a mudança de cena com quadros passando, Rogue One se encaixa bem. Cenários criativos não faltam, com diversos planetas e luas, todos devidamente povoados, com comércio e características bem específicas. A questão política aparece provavelmente da forma mais contundente em toda a série. Gerrera é um extremista não tolerado até pelos outros rebeldes, o que seria a representação da desunião das esquerdas de hoje – algo muito presente no Brasil. O Diretor Krennic, vivido pelo sempre excepcional Ben Mendelsohn (de Bloodline – abaixo), parece acreditar cegamente no Império e justifica o uso de violência como meio para a paz, algo que o Terceiro Reich assinaria embaixo. Krennic busca a aprovação do Imperador quase como numa relação pai e filho, tamanha é a sua admiração pela figura. Darth Vader (com a marcante voz de James Earl Jones) deixa de ser um capanga e assume o papel que ganhou nas produções mais recentes: o de braço direito do Imperador, o representante do lado negro da Força.

Rogue One Krennic

É interessante notar que não só o Império tem sua parcela de culpa. O personagem de Luna admite que fez coisas reprováveis em nome da revolução, da causa, o que dá ao filme uma profundidade rara nos blockbusters de hoje. Mads Mikkelsen, que finalmente deixa de lado o papel de vilão (depois de Cassino Royale, Hannibal e Doutor Estranho), vive um sujeito atormentado, o tal cientista cooptado pelo Império a construir uma arma de enormes proporções. A relação entre ele e Krennic também é bem interessante, deixando transparecer uma amizade há muito eclipsada por posições políticas. Só o que nunca poderia mudar é a mira terrível dos Stormtroopers, que não matam ninguém. E, enquanto rebeldes levam vários tiros e continuam na luta, os soldados morrem com uma lufada de vento.

Ainda que não seja perfeito, perdendo força no final, Rogue One consegue um resultado melhor até que O Despertar da Força. O fato de ser tudo novidade trabalha a favor, não entramos com preconceitos e expectativas – o que potencializa a surpresa de uma ótima aventura. Os efeitos especiais tornam tudo possível, até que consigamos distinguir entre os andróides do Império e um reprogramado pela Aliança – graças também à interpretação de Alan Tudyk (de Zootopia, 2016). Misture nesse caldo alguns afagos aos fãs, como a participação de Bail Organa (Jimmy Smits, de The Get Down), e a receita de sucesso estará completa.

Lord Vader continua uma figura indispensável

Lord Vader continua uma figura indispensável

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Eastwood e Hanks recontam o drama de Sully

por Marcelo Seabra

Sully banner

Enquanto aguardamos a partida do avião, nada pior do que ouvir que os assentos são flutuáveis, em caso de pouso na água. Logo penso: “Prefiro pousar no chão!”. Pois os passageiros do Capitão Chesley “Sully” Sullenberger não tiveram essa opção no voo 1549 da US Airways e foram parar no meio do rio Hudson. O fato, ocorrido em 2009, acaba de chegar aos cinemas em Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully, 2016), novo trabalho de Clint Eastwood.

Em 15 de janeiro de 2009, Sully e seu primeiro oficial, Jeffrey Skiles, levavam 155 passageiros, mais tripulação, de Nova York a Charlotte, na Carolina do Norte. Com apenas três minutos no ar, aves vieram na direção contrária e inutilizaram os dois motores, tornando impossível, aos olhos do capitão, se dirigir a qualquer um dos aeroportos mais próximos. A solução foi pousar no Hudson, e ninguém se feriu gravemente. Mesmo tido por todos como herói e saudado em qualquer lugar, Sully e Skiles passaram por uma espécie de julgamento por uma junta que examina se a manobra era realmente necessária.

Baseado no livro de Sully e do jornalista Jeffrey Zaslow, o roteiro do longa foi escrito por Todd Komarnicki, profissional cujo último crédito era o terrível A Estranha Perfeita (Perfect Stranger, 2007). Por algum milagre, deu tudo certo: o roteiro é enxuto, objetivo e crescente em sua tensão. O pouso, como podemos adivinhar, foi rápido e não poderia durar o filme todo, mesmo tendo apenas seus 96 minutos. Por isso, fora um ou outro flashback, a maior parte do filme se concentra no pós. A condução das audiências parece a votação do impeachment que vimos recentemente: algo surreal!

Sully scene

Alguns problemas existem, claro. Aquelas coincidências do jornal sempre começar quando o personagem liga a televisão, por exemplo. O fato de todos serem tão amáveis, parece que Nova York é a cidade dos bonzinhos, é um pouco forçado. As visões e pesadelos tiram o público do filme, o que não é desejável. Mas as duas atuações principais são mais do que suficientes para nos fazer relevar essas coisas menores. Tom Hanks, com seus dois Oscars, quatro Globos de Ouro e trocentos outros prêmios, dispensa apresentações. Ele pilota um avião, responde às perguntas dos investigadores e se exercita pelas ruas com a mesma serenidade. Hanks tem a invejável capacidade de ser um cara comum, mesmo que já o tenhamos visto nos papéis mais variados. Outro que está muito bem é Aaron Eckhart (do Frankenstein de 2014). Nem sempre, suas escolhas são confiáveis (como o Frankenstein de 2014), mas seu trabalho é, e ele é uma ótima dupla para Sully no comando do voo 1549. Só sentimos por Laura Linney (de As Tartarugas Ninja 2, 2016), outra atriz fantástica que não é bem aproveitada.

Tecnicamente, Clint Eastwood continua afiado, e dois fiéis colaboradores têm responsabilidade nisso: o diretor de fotografia Tom Stern e a montadora Blu Murray. O som, principalmente nas sequências envolvendo aviões, também é bem marcante. E os efeitos especiais entram para somar, e não para roubar o show (como no bom Além da Vida, 2010). Eastwood se mostra um diretor muito competente e seguro, e aqui não comete o erro de deixar sua visão política conservadora e radical contaminar o longa (como em Sniper Americano, 2014). Pelo contrário: o bom desenvolvimento dos personagens, algo muito observado em sua obra, está presente – mesmo que, segundo depoimentos recentes de Hanks, o diretor trate seus atores como cavalos.

Eastwood orienta seu astro

Eastwood orienta seu astro

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Tom Ford volta aos cinemas com Animais Noturnos

por Marcelo Seabra

Nocturnal Animals banner

Sete anos depois de lançar seu primeiro trabalho no Cinema, o designer Tom Ford volta a atacar. Chega ao Brasil Animais Noturnos (Nocturnal Animals, 2016), longa que ele escreveu e dirigiu, mais uma vez mostrando sua atenção aos detalhes e seu apuro técnico. Intercalando duas histórias, ele consegue tratar de vários temas, mas basicamente das relações humanas. A crítica americana tem se dividido, mas a média final é boa, e muitos dos problemas apontados são infundados. E uma coisa é inegável: ele fica na cabeça até bem depois do fim da sessão.

É interessante perceber como um longa consegue furar suas expectativas e isso pode ser bom. Ele te entrega mais do que era esperado, ou de outra forma completamente diferente. Pelas poucas linhas sobre a trama lidas anteriormente, parecia ser outra coisa. É daqueles filmes que dão vontade de sentar com alguém que tenha assistido e discuti-lo, ver se o outro teve a mesma percepção que você. Entrar nos detalhes, nas sutilezas, ouvir um comentário sobre um ponto que você não percebeu, assim como acrescentar algo à percepção do outro. Isso, desde a perturbadora abertura. Mas pode ficar tranquilo: não há spoilers abaixo.

Nocturnal Animals scene

Susan (Amy Adams, de A Chegada, 2016) é uma dona de galeria que parece se sentir vazia com a vida de luxo que leva ao lado do marido rico e bonito (Armie Hammer, de O Agente da U.N.C.L.E., 2015). Quando recebe uma cópia por correios do primeiro livro de seu ex-marido (Jake Gyllenhaal, de Nocaute, 2015), ela começa a relembrar momentos com ele e como a relação chegou ao fim. E duas coisas a deixam perturbada: a dedicatória a ela na primeira página e o excesso de violência da história em suas mãos.

O elenco de Animais Noturnos já vale o ingresso. Adams, sempre muito competente, compõe uma personagem complexa, fazendo com que suas mudanças soem naturais. Gyllenhaal convence nos dois papéis: como o ex-marido, um sujeito sensível que aposta na carreira de escritor, e como seu próprio personagem, um pai de família que passa por uma situação aterrorizante na estrada. A Hammer cabe apenas ser charmoso e distante, algo que faz sem dificuldade. No rol de coadjuvantes, temos o ótimo Michael Shannon (de Batman vs Superman, 2016) como o detetive da ficção, e ainda Aaron Taylor-Johnson (o Mercúrio de Vingadores 2, 2015), Laura Linney (de As Tartarugas Ninja 2, 2016), Michael Sheen (de Masters of Sex), Isla Fisher (de A Última Premonição, 2015), Jena Malone (de Demônio de Neon, 2016) e Andrea Riseborough (de Birdman, 2014). É tanta gente boa de serviço que alguns fazem apenas uma ponta.

Desde sua primeira experiência no Cinema, Direito de Amar (A Single Man, 2009), Ford mostra que tem total noção do que está fazendo. Adaptando a história de Austin Wright, ele reúne grandes talentos e os costura da forma adequada. Além dos ótimos atores, ele conta com a fotografia de Seamus McGarvey (de O Contador, 2016), que funciona muito bem tanto na cidade, escura e fria, quanto no interior, quente e empoeirado; a montagem de Joan Sobel (também de Direito de Amar), que vai e volta entre as histórias sem confundir, mostrando apenas o necessário entre realidade, ficção e passado; a discreta trilha de Abel Korzeniowski (também de Direito de Amar), que evoca clássicos do suspense, como Bernard Herrmann; e todo o trabalho de cenografia e figurino, que dá vida aos lugares e pessoas. O resultado disso tudo certamente está em listas de melhores do ano.

Ford levou seu elenco principal para o Festival de Veneza

Ford levou seu elenco principal para o Festival de Veneza

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A Última Ressaca do Ano fica devendo humor

por Marcelo Seabra

OCP cartazO pecado de alguns filmes é quererem ser politicamente incorretos, daqueles que escandalizam o público, e conseguirem no máximo um sorriso amarelo. Esse é o caso de A Última Ressaca do Ano (Office Christmas Party, 2016), comédia que mira longe, mas não anda muito. O elenco, com várias caras conhecidas por todos, é desperdiçado em mais um longa sobre uma festa que sai do controle e acaba causando destruição e prejuízos. Até aí, não teria problema, se houvesse um mínimo de graça nas situações apresentadas.

A dupla que comandou o fraco Coincidências do Amor (The Switch, 2010), Josh Gordon e Will Speck, mais uma vez convocou Jason Bateman e Jennifer Aniston, com a diferença de não ter mais envolvimento amoroso. É bom lembrar que os dois também estrelaram os dois Quero Matar Meu Chefe (Horrible Bosses), com um bom resultado apenas no primeiro. Dá pra concluir que já deu colocar os dois juntos numa comédia. Bateman, simpático como aquele cara legal do escritório, parece sempre se repetir. Vários de seus personagens poderiam ter o mesmo nome, mudando apenas de cenário. Aniston, como coadjuvante, surpreende como uma mulher forte que acaba tendo uma faceta a mais, fugindo da figura da chefona sem coração que quer demitir um tanto de gente na véspera do Natal.

OCP dupla

Esse, aliás, é o pontapé inicial para o longa: por não ter atingido a meta altíssima estabelecida pela presidente interina da companhia (Aniston), a filial comandada pelo irmão dela (T.J. Miller, de Deadpool, 2016 – o Papai Noel acima) vai precisar cortar vários funcionários para equilibrar as contas. Para convencer um parceiro comercial (Courtney B. Vance, de American Crime Story) de suas boas intenções e conseguir fechar um acordo que seguraria as demissões, o tal irmão resolve montar, em poucas horas, uma festa de Natal de enormes proporções. O braço direito dele (Bateman – acima), paralelamente, desenvolve um software que poderia ser a salvação da lavoura, e tem um relacionamento complicado com a linda técnica de T.I. (Olívia Munn, de X-Men: Apocalipse, 2016) que comanda.

Não faltam, entre os colegas na empresa, os estereótipos de sempre: o mala que reclama de tudo, o supervisor inseguro que não é respeitado, a gerente do RH que controla todo mundo, a segurança psicótica, o contador tímido que esconde taras bem estranhas, a mãe solteira que só quer conhecer um cara legal… No início, quando os vemos trabalhando, o número de pessoas no lugar é razoável. À medida em que a festa esquenta, o número de funcionários cresce exponencialmente, e o desastre é iminente.

Cheio de boas intenções, falta a A Última Ressaca do Ano humor. Muitas vezes, parece que os três roteiristas o substituem por violência, como se fosse a mesma coisa. Se alguém se machuca, já seria suficiente para divertir o espectador. Sem muita possibilidade de inovar ou oferecer algum aspecto técnico relevante, como fotografia, montagem ou trilha, o longa fica no que se espera, seguindo um caminho previsível desde os primeiros minutos.

Pela cara deles, dá pra ver que algo deu errado

Pela cara deles, dá pra ver que algo deu errado

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Viggo Mortensen é o Capitão Fantástico

por Marcelo Seabra

Captain Fantastic banner

Depois de diversas indicações e alguns prêmios pelo mundo, chega aos cinemas brasileiros Capitão Fantástico (Captain Fantastic, 2016), longa que traz Viggo Mortensen à frente de seus seis filhos morando numa floresta. No ápice do estilo de vida bicho grilo, o personagem faz o que muitos sonham, mas só parece funcionar na ficção. Não faltam risos e lágrimas, o roteiro é bem equilibrado e vai de um lado a outro com muita facilidade.

Em uma de suas melhores atuações, Mortensen (de Na Estrada, 2012) vive Ben, um sujeito que decidiu se mudar com a família pra uma casinha no meio do mato e ele e a esposa seriam os professores dos filhos. Eles são quase auto-suficientes e o dinheiro que ainda sobrou na conta bancária ajuda. O problema é que a esposa tem uma doença e precisa deixá-los lá, indo para a cidade em busca de tratamento.

Em determinado momento, algo acontece e força a família a encarar a cidade. É quando vemos o deslocamento dos jovens junto a outras pessoas. Eles têm físico de atleta e todo o conhecimento que um livro pode trazer. Mas não têm vivência, maldade ou qualquer outra característica proporcionada pela vida em sociedade. O filho mais velho até parece ressentido com isso, já que não sabe se comportar frente a uma garota.

Captain Fantastic Children

Stéphane Fontaine, diretor de fotografia dos recentes e elogiados Elle e Jackie, nos proporciona uma experiência muito interessante. A floresta, com paisagens muito bonitas, parece familiar, corriqueira, enquanto ele nos mostra a cidade pelos olhos de uma criança, alguém que nunca tivesse visto um restaurante dessas grandes cadeias, ou mesmo um videogame. O choque entre as famílias é bem interessante e Ben tem argumentos fortes para provar quem tem razão.

Apesar de alguns personagens não serem bem desenvolvidos, de o roteiro não dar muita atenção a eles, outros têm uma personalidade bem formada. O diretor e roteirista Matt Ross (ator em Silicon Valley e American Horror Story) evita maniqueísmos, não temos heróis ou vilões. Ben é ao mesmo tempo um pai amoroso e um ditador durão. Ele é bem firme em suas colocações, mas estimula o debate e aceita ser contrariado. O avô das crianças, vivido por Frank Langella (de Frank e o Robô, 2012) é uma figura abominável à primeira vista. Mas ele logo se mostra uma pessoa carinhosa que cuida dos seus. E os filhos, apesar de viverem sob um esquema rígido de estudos e treinamentos físicos, são adoráveis e passíveis de erros.

Um dos filhos não foi a Cannes

Um dos filhos não foi a Cannes

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Crossover de séries da DC/Warner desperdiça potencial

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Invasion CW poster

Há algum tempo, o canal americano CW tem produzido praticamente todas as séries que adaptam personagens da DC para a telinha. A única que se mantinha fora da produção de Greg Berlanti era Supergirl, que teve sua primeira temporada na CBS. Com a não-renovação de seu contrato por lá, a série migrou para o CW e se juntou a Arrow, Flash e DC’s Legends of Tomorrow. Isso criou o ambiente perfeito para que a CW investisse em uma iniciativa que é muito cara – e comum – nos quadrinhos: criar uma história que envolvesse todas as séries, o chamado crossover. Eles têm, em geral, dois propósitos: apresentar personagens a uma nova audiência e, claro, contar uma história que envolve uma ameaça que nenhum daqueles personagens sozinho conseguiria enfrentar. A ideia é que a história contada seja tão boa e divertida que faça com que os fãs passem a acompanhar todos os personagens envolvidos no evento.

Logo que teve a ideia, Berlanti & cia anunciaram aos quatro ventos que o primeiro crossover dos personagens da DC sob a responsabilidade do CW seria Invasão, história baseada na minissérie de mesmo nome que foi publicada pela DC entre o fim de 1988 e começo de 1989 nos EUA e em 1990 no Brasil. Na trama, um conclave de nove raças alienígenas lideradas pelos Dominions decide que a aparição constante de meta-humanos na Terra pode representar uma ameaça ao universo e, como o nome da série deixa claro, invade o planeta visando exterminar cada super-herói e vilão que aqui residem. Nos quadrinhos, a história principal teve três edições, mas influenciou praticamente todos os títulos então publicados pela DC. É uma minissérie legal, mas nada tão impactante como Crise nas Infinitas Terras, por exemplo.

Essa foi a premissa por trás da versão televisiva de Invasão, que acontece de maneira bem mais contida e, sinto dizer, decepcionante, a começar pela escala da ameaça e até pela propaganda da emissora, que prometeu uma história em 4 partes e, na verdade, só tem 3. Na Invasão da CW/WB, a ameaça são os Dominators, uma raça alienígena baseada – apenas visualmente – nos Dominions dos quadrinhos. Inicialmente, os Dominators teriam vindo à Terra, ou melhor dizendo, aos EUA, nos anos 1950/1960 visando apenas aprender mais com os humanos, o que significava abduzir alguns de nós para testes. As besteiras que Barry Allen/Flash (Grant Gustin) aprontou no contínuo temporal recentemente, no entanto, chamam a atenção dos aliens, que voltam à Terra e dão um ultimato: ou Barry se entrega ou eles soltam no planeta uma arma que acabaria com a população meta-humana e ainda causaria milhões de casualidades humanas.

Invasion CW scene

Para combater a ameaça dos alienígenas, Barry precisa de reforços. Assim sendo, recruta a Supergirl (Melissa Benoist) em uma Terra paralela (nem pergunte!), o Arqueiro Verde (Stephen Amell) e Dig (David Ramsey) de Star City e o grupo conhecido como Legends of Tomorrow, composto por Átomo (Brandon Routh, que já foi o Super-Homem), Onda Térmica (Dominic Purcell), Canário Branco (Caity Lotz), Nuclear (Franz Drameh e Victor Garber), Vixen (Maisie Richardson-Sellers) e Steel (Nick Zano), além de suas equipes de apoio. Apesar de a CW/Warner anunciar um evento de quatro partes, ele acabou tendo três. Isso porque ele ocupa, literalmente, menos de dois minutos do episódio de Supergirl e essa sequência é reprisada inteirinha no episódio de Flash, que efetivamente abre a saga. Aí, sim, se ramifica em Arrow e termina em Legends of Tomorrow.

O grande problema de Invasão, da forma como Belanti & cia lidaram com o crossover, é que ele tende a querer se focar demais em histórias paralelas dentro de uma maior, quase que deixando o principal – a invasão alienígena – como plano de fundo. A forma como os alienígenas tentam derrotar os membros dessa Liga da Justiça televisiva é pouco inspirada e o desfecho da história é insatisfatório. Isso, sem mencionar os efeitos especiais, que deixam claro que foram feitos com um orçamento televisivo de forma que a movimentação dos Dominators na telinha parece falsa. A única coisa que se salva em todo o encontro é justamente a Supergirl de Melissa, que tem todo aquele carisma e positivismo que combinam muito com uma personagem que, em tese, deveria ser um símbolo de esperança. Não importa o que é jogado em cima dela, a Supergirl sempre mantém a atitude de “tudo vai dar certo”, que é a essência dela e de seu primo mais famoso (APRENDE, SNYDER!). Os demais atores mantém a consistência de seus personagens sem maiores problemas.

Seja por restrições orçamentárias, seja por más escolhas de seus realizadores, Invasão é uma história com bastante potencial que ficou abaixo do esperado – algo que, infelizmente, tem se tornado comum nas adaptações da DC. Nem mesmo o fanservice que falará à criança dentro de si compensa assistir aos 3 episódios (e 2 minutos) para a conclusão da história. Invasão terá um esquema diferente de exibição na Warner. De acordo com o site Boletim Nerd, que assegura ter conseguido essas informações diretamente com a assessoria do Warner Channel Brasil, o pontapé inicial do crossover acontece no episódio de Supergirl que vai ao ar no dia 14/12, às 22h30. Os três episódios restantes serão transmitidos em sequência no dia 15/12, a partir das 21h40.

Esse era um Dominion dos quadrinhos

Esses eram os Dominions dos quadrinhos

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Monjardim filma autoajuda de Cury

por Marcelo Seabra

Vendedor de Sonhos banner

Poucos filmes este ano serão tão irritantes quanto O Vendedor de Sonhos (2016), nova produção assinada pelo diretor de novelas Jayme Monjardim. Baseado em um bestseller de autoajuda, o roteiro é um amontoado de frases feitas e rasas proferidas por quem supostamente seria de alto desenvolvimento espiritual e intelectual e estaria pronto para guiar a humanidade, sem conseguir no entanto dar rumo à própria vida. Se não bastasse a chatice dos diálogos, há ainda um sem-número de situações totalmente implausíveis que podem tirar o público não só do filme, mas da sala de cinema.

Com vários livros publicados, Augusto Cury é possivelmente o autor brasileiro mais vendido no país. Psiquiatra, pesquisador e coach, Cury é especialista em inteligência emocional e no funcionamento da mente. Em meio ao tratamento de pacientes, palestras em conferências e diversas outras atividades ligadas à saúde, ele arruma tempo para escrever livros e só a série iniciada com O Vendedor de Sonhos já conta com quatro volumes: duas sequências e um derivado. Pelo trailer do filme, dá para ter uma ideia do tipo de pensamento que é difundido pelo doutor. “Quem é você? – Por que você não vem com a gente? A gente tenta descobrir isso juntos”. “O primeiro a ser beneficiado pelo “perdón” é aquele que perdoa, e não o perdoado”. Esses são alguns exemplos.

O trailer, aliás, falha miseravelmente na tentativa de chamar atenção para o longa, sendo apenas uma versão reduzida dele. Vendo o trailer, dá para saber tudo o que acontece no filme e ter uma amostra desse tipo de diálogo canhestro, economizando noventa minutos na vida do público. “O ser humano não morre quando o coração para de bater. Morre quando, de alguma forma, deixa de se sentir importante”. “O segredo do sucesso é conquistar aquilo que o dinheiro não pode comprar”. Se há dois pequenos mistérios – nada interessantes, diga-se de passagem – na trama, o trailer já entrega tudo de bandeja.

Vendedor de Sonhos dupla

Quando o suplício começa, conhecemos o Dr. Júlio César (Dan Stulbach, de Meu Amigo Hindu, 2015), um psiquiatra famoso e concorrido, professor da universidade, que se encontra em um momento difícil e, sem ver outra saída, vai para o parapeito de seu prédio pensando em pular. Magicamente, um mendigo (César Troncoso, o primo Pablo de Faroeste Caboclo, 2013) entra no prédio, passa por todos e vai também para o parapeito. Lá em cima, após uma rápida conversa, o tal psiquiatra fodão vê a bobagem que estava a ponto de fazer e desiste. Instigado por aquela figura desgrenhada, ele sai andando pela cidade recebendo mais pérolas de sabedoria. Junta-se à dupla um terceiro elemento, um mendigo ridículo (Thiago Mendonça, o Renato Russo de Somos Tão Jovens, 2013) que deveria ser o alívio cômico, mas fica apenas fazendo piadinhas imbecis e repetindo o que os outros dizem.

Stulbach, normalmente um bom ator, parece perdido tendo que seguir um texto tão ruim. Troncoso, com um sotaque intragável, emenda lição em lição e é outro que sai prejudicado. O resto do elenco, dentre os quais o experiente Leonardo Medeiros (de Getúlio, 2014), também não consegue fugir do inevitável. É o quarto roteiro no ano do prolífico L.G. Bayão, que tem O Último Virgem estreando também este mês. Com tantas atividades e uma base tão ruim, fica complicado entregar algo bom. E o diretor é o mesmo culpado por Olga (2004) e O Tempo e o Vento (2013), dois filmes terríveis com cara de novela em que pouca coisa funciona. Não há qualquer sutileza, até a trilha sonora marca os pontos ditos dramáticos e não sai do lugar comum.

Como obra de autoajuda, O Vendedor de Sonhos é difícil de engolir. Como Cinema, é muito pior, a pobreza de seus elementos é gritante. O final, sem adiantar nada, não faz o menor sentido, marcado por coincidências e explicações atropeladas. Achar que dá para reverter um quadro de depressão com meia dúzia de jargões vazios é abusar da boa vontade e inteligência do público. O único alívio que dá para sentir é o momento em que as luzes se acendem. “Não tenha medo do caminho. Tenha medo de não caminhar”. Se for pra longe disso, não caminhe. Corra.

"O homem é bom, é a sociedade que o corrompe"

“O homem é bom, é a sociedade que o corrompe”

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Expansão de público tira força de Black Mirror

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Black Mirror banner

Criada por Charlie Brooker, Black Mirror tinha o propósito de ser uma série tipicamente britânica. Diferentemente de séries de TV convencionais, seus episódios não se relacionam entre si, ainda que o tema que permeie a todos eles – ficção especulativa carregada do humor ácido/negro caracteristicamente britânico em histórias que examinam a influência da tecnologia e consequências não-previstas de seu progresso sobre a sociedade – sim. Assim como demais séries britânicas, como Sherlock e Wallander, cada temporada de Black Mirror era bem curta, tendo a primeira e segunda temporadas apenas três episódios cada. Apesar disso, a série, inicialmente produzida pelo Channel 4 em 2011, logo adquiriu o status de cult e, mesmo sendo totalmente direcionada para o público britânico, conseguiu uma certa repercussão fora do Reino Unido graças à internet e seus programas de compartilhamento de arquivos.

Mesmo com esse burburinho fora da Inglaterra, o futuro de Black Mirror após a segunda temporada era, no mínimo, incerto. A série sofria hiatos de produção tão grandes e irritantes quanto Sherlock. Tanto que sua primeira temporada foi ao ar em 2011, a segunda em 2013, com um episódio especial em dezembro de 2014 e depois disso houve um grande silêncio a respeito de sua manutenção na TV. Até que, graças à dita repercussão internacional, a Netflix decidiu adicionar a série às suas produções originais – um termo equivocado nesse caso, pois a série migrou de outro canal, mas esse é um detalhe mínimo – e anunciou uma terceira temporada com nada menos do que 12 episódios. Pouco tempo depois, no entanto, esse número foi dividido pela metade e foram esses 6 episódios que estrearam com grande alarde no site no último dia 21 de outubro. E a pergunta que fica, após assistirmos a toda a temporada é: a série vale todo esse barulho? Sim e não.

Black Mirror Howard

Migrar para o Netflix teve aspectos positivos e negativos para Black Mirror. Ao mesmo tempo em que o envolvimento do Netflix significa mais orçamento e a possibilidade de contar com atores mais famosos – o primeiro episódio dessa temporada foi protagonizado por Bryce Dallas Howard (de Jurassic World: o Mundo dos Dinossauros – acima) – o fato de ter que falar a uma audiência maior e ter que escrever o dobro de episódios ao qual está acostumado fez com que Charlie Brooker e sua equipe de roteiristas perdesse um pouco daquilo que fazia a série tão genial. Não me entendam mal, a terceira temporada de Black Mirror é muito boa e faz jus à série. Mas um pouco de sua essência tipicamente britânica foi perdida, ainda que o humor negro, a relevância e os finais depressivos estejam na grande maioria dos episódios.

Devido a ser uma série com episódios independentes entre si, podemos tranquilamente analisar rapidamente um por um, como se fossem uma série de curtas:

O Perdedor: o primeiro episódio da série mostra uma realidade onde o status social das pessoas é, basicamente, um reflexo do que hoje temos nas redes sociais. Cada interação é “curtida” instantaneamente e isso faz com que as pessoas tenham maior ou menor aceitação na sociedade, mas levada ao extremo. No episódio, vemos a protagonista Lacie (Bryce) tentando o possível e o impossível para aumentar sua média de curtidas para que possa se sentir mais à vontade no casamento de sua amiga de infância Naomie (Alice Eve, de Além da Escuridão: Star Trek). Obviamente, sendo o universo de Black Mirror, as coisas não dão exatamente certo para Lacie.

Versão de Testes: talvez o episódio mais fraco de toda a série, incluindo as temporadas anteriores, Versão de Testes mostra um mochileiro (Wyatt Russell, de Anjos da Lei 2) que acaba ficando sem dinheiro no meio de suas viagens pelo mundo e aceita ser cobaia de testes em um novo e revolucionário jogo de terror onde os limites da realidade virtual e a psique humana são testados sob esse ambiente de estresse. O fato de ter uma atmosfera mais fantasiosa e quase genérica tira toda a força desse episódio.

Black Mirror Shut Up

Cala Boca e Dança: o melhor episódio da temporada, talvez justamente por ser o mais britânico de toda a série, ainda que seu tema seja universal. Um adolescente (Alex Lawther, de O Jogo da Imitação – acima) tem sua webcam hackeada e é filmado fazendo algo que poucos teriam orgulho (sim, é exatamente isso que você está pensando). A partir daí, ele recebe mensagens que lhe dão duas escolhas: ou obedece cegamente os comandos dos hackers, ou terá o vídeo de suas peripécias divulgado para todos os seus contatos de e-mail, redes sociais e afins. Ao longo de suas tarefas, ele se envolve com outras vítimas dos hackers, com destaque para o executivo Hector, vivido por Jerome Flynn (o Bronn de Game of Thrones).

San Junipero: San Junipero é o episódio com o final mais feliz de toda a antologia até o momento. Basicamente, o episódio gira em torno do que as personagens Kelly (Gugu Mbatha-Raw, de Um Homem Entre Gigantes) e Yorkie (Mackenzie Davis, de Perdido em Marte) podem esperar do futuro. Algumas perguntas importantes são feitas durante o episódio, mas contar mais do que isso poderia estragar as surpresas.

Engenharia Reversa: estrelado por Malachi Kirby, esse talvez seja o episódio mais genérico da série, ainda que seu tema seja relevante. O que temos é um cenário de guerra e a pergunta a ser respondida é: o que é necessário para que um soldado cumpra seu dever de matar o inimigo sem que sinta o já conhecido estresse pós-traumático? Até onde se pode ir para que o inimigo seja desumanizado de forma que os soldados se tornem mais eficientes? As soluções encontradas são boas, ainda que muitas sejam relativamente previsíveis.

Black Mirror Hated in the Nation

Odiados pela Nação: o episódio mais longo da série até o momento, com quase 90 minutos, Odiados pela Nação explora um cenário futurista onde robôs criados para trazer equilíbrio ao meio-ambiente nas ilhas britânicas são utilizados em uma série de assassinatos relacionados à mídia social. Assim como Versão de Testes, esse é o episódio que tem menos conexão com a realidade – ou uma possível realidade futura – ainda que analise a questão do ódio virtual, algo bem contemporâneo.

Fazendo um balanço final, podemos dizer que Black Mirror continua relevante e vale a pena ser assistida. Essa primeira temporada do Netflix tem seus altos e baixos, mas nada que comprometa a qualidade geral da série. Esperamos que Charlie Brooker & cia tenham aprendido com os erros e acertos e se reajustem para que os textos direcionados para um público mais amplo tenham a mesma qualidade daqueles escritos apenas para uma audiência britânica. Isso poderá ser visto quando a já confirmada quarta temporada for disponibilizada no Netflix em algum momento de 2017.

Black Mirror

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Elis Regina ganha cinebio

por Marcelo Seabra

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Já começar um longa sobre um cantor com uma de suas músicas mais famosas, totalmente fora de contexto, para depois retomar o rumo certo é como afirmar que, se tudo der errado, ao menos começamos bem. Assim é Elis (2016), mais um oferecimento Globo Filmes que, como é costume na produtora, tem cara de novela. Hugo Prata, advindo da TV, faz sua estreia no Cinema, dirigindo e escrevendo o longa que mais parece um um road movie sem estrada. No lugar dela, os fatos da vida da cantora.

Indiscutivelmente uma das maiores artistas da música brasileira, de todos os gêneros, Elis Regina era chamada de Pimentinha por ter um gênio forte, combativo, além de um vozeirão que se contrapunha aos miados da bossa nova. Ela mesma criticava o estilo de cantar de gente como Nara Leão, que promovia shows mais intimistas, e partia para as grandes platéias em estádios, ginásios e onde fosse. Esse traço contestador da personalidade de Elis aparece no filme, mas não o impede de ser convencional como dúzias que surgem todos os dias.

Co-escrito pelos experientes Luiz Bolognesi (de Bicho de Sete Cabeças, 2000) e Vera Egito (de Amores Urbanos, 2016), o roteiro se limita a passar pelos acontecimentos mais importantes, pulando de um para o outro como quem se dá logo por satisfeito e alguém, com a lista nas mãos, dissesse “próximo”. Nada é aprofundado e o conhecimento prévio que temos vai preenchendo as lacunas, se tivermos. Acompanhamos o início da carreira, quando o pai (Zécarlos Machado, de Sessão de Terapia) rapidamente é descartado, o estouro em São Paulo, casamento etc. Tudo pontual, superficial, como quando mostram um copo de Whisky para indicar alcoolismo.

Elis Gustavo Machado

É comum, em filmes sobre cantores, que o intérprete se destaque mais que a obra como um todo. Mas, mesmo que Andréia Horta tenha se destacado em séries como Alice (2008) e A Cura (2010), entre outros, como Elis ela não tem seu melhor momento. Mineira, ela não consegue disfarçar seu sotaque e acaba misturando algumas expressões gaúchas e outras da época, compondo um samba do crioulo doido. Isso, além de abusar de caretas e sorrisos forçados. Quem se sai muito bem em sua composição é Gustavo Machado (de Disparos, 2012 – acima), que faz um Ronaldo Bôscoli cafajeste e carismático ao mesmo tempo. É difícil entender, na correria do filme, como uma mulher forte e decidida como Elis se tornaria uma menina boba frente ao conquistador Bôscoli, o Velho. Outro que se sai bem é Caco Ciocler (de Um Namorado Para Minha Mulher, 2016), que faz um César Mariano tranqüilo, simpático e compreensivo. Lúcio Mauro Filho e Júlio Andrade são outros destaques, todos muito bem em suas tarefas.

A reconstituição de época é correta, assim como a fotografia. Mas não deixa de ser clichê passar pelos pontos mais do que conhecidos. Para mostrar que eles chegaram ao Rio, por exemplo, nada mais fácil que mostrar o mar de cara. É interessante conhecer algumas anedotas da vida da Pimentinha, mas ela merecia um filme mais corajoso, menos quadrado.

A Elis do filme e seus dois maridos

A Elis do filme e seus dois maridos

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