Aquarius e o Pequeno Segredo do Oscar


por Marcelo Seabra

Aquarius Cannes

Tendo passado toda a polêmica em torno da escolha do pré-candidato brasileiro ao Oscar, depois de vários terem dado seus palpites, demonizando um dos lados, vamos às críticas. Isso, porque só agora um dos dois envolvidos na disputa foi divulgado de forma ampla para que de fato se pudesse formar uma opinião. Claro que muitos tiveram acesso a exibições em festivais e puderam fundamentar seus pontos de vista. Mas o que teve de desinformação ligada a política ou partidos, não é brincadeira.

Depois de uma passagem extremamente premiada e ovacionada por diversos festivais de Cinema, Aquarius (2016) parecia ser o candidato natural à pré-corrida do Oscar, de onde saem os cinco finalistas na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira. Devido a uma manifestação do elenco e equipe, durante o Festival de Cannes, contra o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, surgiu uma espécie de campanha contra o filme perpetrada até por quem não o havia assistido. E o pior: um desses ditos críticos foi convocado pelo Ministério da Cultura para compor a comissão que escolheria o candidato brasileiro ao prêmio da Academia americana.

Aquarius

Mesmo com outros fortes concorrentes saindo da disputa em solidariedade a Aquarius, que estaria sofrendo uma perseguição, o escolhido pela comissão acabou sendo Pequeno Segredo (2016). Foi o suficiente para polarizar a disputa, assim como já acontece com a política nacional: é como se a esquerda estivesse com Aquarius e a direita, com Pequeno Segredo. E, assim, muita gente perdeu (ou perderá) a oportunidade de conferir um dos dois. Aquarius já está em cartaz há semanas, sem perder força, e Pequeno Segredo chega em circuito comercial nesta quinta. E a questão que fica: o justo seria indicar qual dos dois?

Ambientado em Recife, mais especificamente na praia da Boa Viagem, Aquarius acompanha Clara (uma excelente atuação de Sônia Braga), uma viúva aposentada que resiste a se mudar do prédio onde vive há décadas e entra em embate com a construtora que pretende derrubar tudo e construir um complexo moderno. Representando o outro lado, o global Humberto Carrão também oferece um ótimo desempenho como o educado e cínico representante da construtora que deixou Clara sozinha no prédio ao comprar todos os outros apartamentos. Por isso, ela acaba sofrendo pressão até dos ex-moradores, que querem que ela se mude logo para receberem a quantia referente à concretização do projeto. Nas entrelinhas dessa sinopse, temos uma atenção do diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho ao tratar vários temas, como memória, idade, relações interpessoais, progresso, preconceito e hábitos.

Pequeno Segredo

Pequeno Segredo é um drama que revela uma luta particular travada pela família Schurmann, mais conhecida como navegadores e exploradores. A filha mais nova, Kat (Mariana Goulart), sofre de uma doença que a debilita, e vamos acompanhando os esforços de seus pais (vividos por Julia Lemmertz e Marcello Antony) para cuidar dela. David Schurmann, diretor e um dos roteiristas, era irmão de Kat, o que torna o projeto algo muito pessoal. Há uma outra história, paralela, que nos apresenta a um neozelandês, Robert (Erroll Shand), que vem ao Brasil e se apaixona pela amazonense Jeanne (Maria Flor). Ele deixa para trás sua mãe (Fionnula Flanagan), uma mulher preocupada e dominadora. A proximidade de David com os personagens acaba fazendo com que a sua mãe (e de Kat) se torne quase uma santa (tirando o fato de ler o diário da filha), fazendo da mãe de Robert uma vilã caricatural que mais parece uma madrasta da Disney. O roteiro não se importa muito com o lado masculino da família Schurmann, não sabemos por onde andam os filhos ou o que o marido está fazendo na maior parte do tempo. Por isso, é ótimo contar com duas grandes atrizes nos papéis maduros e uma promissora jovem como protagonista para segurar as pontas.

Pequeno Segredo elencoNas idas e vindas entre os dois núcleos está o principal problema do longa: o que segue Robert e Jeanne acaba sendo muito mais interessante que o da família Schurmann, que é bem previsível e adocicado. A montagem ágil ajuda e sempre conseguimos entender o rumo, que não é seguido cronologicamente. Mas não empolga, resultando num filme correto e bonitinho, tanto temática quanto visualmente. Mas nunca um grande filme.

O cuidado técnico de Mendonça Filho é sempre impecável (como visto em O Som ao Redor, 2012) e o elenco todo de Aquarius mostra uma sintonia fantástica. Com todas essas peças funcionando tão bem, não é de se admirar a trajetória bem sucedida do longa pelo mundo, além da expressiva bilheteria alcançada aqui. Se a preocupação da comissão do MinC era tentar prever quem seria o melhor candidato aos olhos da Academia, deveria ter pesado a apreciação de críticos e público de dentro e de fora do país. Se fosse apenas pesar prós e contras de cada candidato e escolher o melhor, independente de tentativas fúteis de prever resultados, a opção seria a mesma: Aquarius.

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Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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