Netflix retrata a anorexia em O Mínimo para Viver

por Marcelo Seabra

Com uma frequência cada vez maior, a Netflix segue lançando obras interessantes e pautando a crítica. O Mínimo para Viver (To the Bone, 2017) é a novidade mais recente, mostrando com um olhar bem natural a vida de uma jovem com anorexia. Escrito e dirigido pela produtora veterana Marti Noxon, o filme parece ter na equipe alguém que realmente sofreu da doença, tamanha é a naturalidade com que trata o tema. E tem: a própria Noxon, além da protagonista. O problema é a falta de foco, é deixar o assunto de lado e se importar mais com uma historinha romântica meia boca.

Lily Collins, coadjuvante em Okja (2017), também da Netflix, ganha aqui o papel principal como Ellen, uma artista de 20 anos que arrisca seriamente a saúde em busca de uma magreza que nunca é suficiente. Ela parece muito doente, de tão magra, mas sua condição não permite que ela mesma veja isso. A anorexia é mostrada de uma forma bem real, e até leve, com as personagens fazendo piadas – seria Emma Stone gorda ou apenas teria os ossos largos? O tom é bem-vindo, já que um filme dessa natureza poderia ter sido algo triste e intragável, e Collins está muito bem no papel.

A família de Ellen tem suas complicações, com um pai ausente, uma mãe que mudou de estado para viver com a companheira e uma madrasta controladora. O roteiro parece querer explicar a origem da doença da garota, o que não era necessário. Do histórico dela, também sabemos pouco. O que importa, para Noxon, é este momento da jornada, é quando Ellen conhece o Dr. William Beckham, um médico muito disputado, cujos métodos parecem ser nada ortodoxos. No papel, Keanu Reeves (mais conhecido como John Wick) parece tão relaxado que é até difícil ver nele alguém que lida com a vida e possível morte de seus pacientes. Raramente o vemos trabalhando, o que complica entender também a fama de infalível do personagem.

Do meio em diante, Ellen conhece melhor os outros hóspedes da casa para onde o médico a envia, uma espécie de clínica para vítimas de distúrbios alimentares. Cada um se encaixa num estereótipo: tem uma grávida, uma que vomita tudo o que come, uma que vive num mundo de pôneis e por aí vai. As coisas se tornam enfadonhas quando ela se aproxima de um bailarino chato e insistente que se recupera de uma lesão. O ator, Alex Sharp, é um vencedor do prêmio Tony que faz sua estreia no Cinema. Ele mostra grande habilidade, mas o que lhe cabe não é uma tarefa agradável.

O Mínimo para Viver perde o foco e uma oportunidade de se aprofundar em sua protagonista, caindo na cilada dos filmes para a televisão – alcunha negativa de obras de antigamente, aquelas que normalmente vemos na TV aberta em tardes preguiçosas. Noxon e Collins reviveram alguns dos dramas de suas juventudes, mas os vários talentos empregados acabam se perdendo e o resultado não passa do mediano. Isso, sem antes 20poupar a ótima Lili Taylor (de Invocação do Mal, 2013), que passa por uma cena constrangedora de amamentação.

Noxon e Collins lançaram o longa em Sundance

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Michael Bay insiste em um quinto Transformers

por Marcelo Seabra

Chega aos cinemas essa semana a quinta aventura de uma franquia que está completando dez anos de existência. Como continua inexplicavelmente rendendo muito dinheiro, ela não dá sinais de acabar. Transformers: O Último Cavaleiro (Transformers: The Last Knight, 2017) leva a sério a ideia de ir mais longe a cada episódio, com explosões e conflitos de escalas astronômicas. E exagera também nos clichês característicos de Michael Bay e na ininteligibilidade do roteiro, que exige mais paciência que compreensão do espectador.

Lendo a crítica do quarto filme da franquia, quase desisto de assistir ao quinto. E podemos perceber que tudo de ruim que foi visto na aventura anterior se repete aqui: excessos de câmera lenta; um humor insistente e fora de lugar; imagens contraluz e trêmulas; trilha sonora extremamente invasiva; ação impossível de entender; cenas que duram segundos; desenho de som exagerado e altíssimo; combates e destruição que se repetem; e humanos nada críveis e insossos. Isso tudo distribuído em duas horas e meia que mais parecem cinco, de tão cansativas.

Mark Wahlberg volta ao papel do inventor e mecânico Cade Yeager, agora com um draminha de estar afastado da filha por ser um criminoso procurado. Ajudando os autobots, igualmente fora da lei, ele mantém um ferro velho como base de operações. Tanto o herói quanto os robôs  parecem circular tranquilamente, e os militares que os rastreiam não fazem nada a respeito. Quando uma menina totalmente descabida salva uns garotos enxeridos que invadem os destroços de um estádio, Yeager aparece magicamente e a trama tem início.

Com um quê de Prometheus e Covenant, é introduzida uma espécie de deusa que teria criado a raça dos Transformers, e Optimus Prime parte em busca dela. A partir daí, posições ideológicas são alteradas, novos personagens entram na história e a Terra chega perto da destruição. Entre as adições ao elenco, temos como destaque Sir Anthony Hopkins (de Westworld) passando vergonha, algo que se tornou uma constante na carreira do ator, e Tony Hale (de Arrested Development e Veep), um comediante ótimo que é desperdiçado numa conversa sem sentido sobre física e matemática. Stanley Tucci é reaproveitado em outro papel, na introdução do filme que acaba sendo a melhor sequência. Se o quarto voltava aos dinossauros, este vai à era do Rei Arthur.

A mocinha da vez, que não deixa nada a dever à beleza de suas antecessoras, é Laura Haddock (a mãe do Starlord – ao lado), uma acadêmica muito culta num vestido de stripper – como ela é descrita em determinado momento. Esse é outro defeito do roteiro: fazer graça com suas inconsistências e faltas de noção, como se isso as desculpassem. Hopkins, por exemplo, faz pose o tempo todo e acaba sendo descrito como cool. A tal garota do início, vivida por Isabela Moner, chega a responder um sonoro “Eu não sei” quando lhe perguntam o que ela está fazendo no meio da guerra. Ninguém sabe, Isabela.

A experiência de assistir a O Último Cavaleiro pode ser associada a ter uma dor de dente. Ou, mais precisamente, a um tratamento de canal, já que é interminável e doloroso. Por um lado, a boa notícia é que Michael Bay anunciou que este será o último Transformers com ele na direção. Por outro, a ruim é que a franquia deve seguir por mais muitos anos, além de ter derivados sendo escritos nesse momento.

O elenco principal se juntou a Bay no lançamento

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Castlevania vai do jogo para as telas

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Lançado no Japão pela Konami em 1986, Castlevania tornou-se um sucesso mundial e, desde então, gerou mais de 30 jogos com a mesma temática, contando aí continuações diretas ou derivados. Cultuado por pelo menos duas gerações de jogadores, o jogo foi adaptado pela Netflix em formato de animação e, desde 7 de julho, está disponível no serviço de streaming.

A história da franquia é bastante simples e acompanha, basicamente, os Belmont, uma família de caçadores de vampiros em sua luta contra seres das trevas, em especial seu patriarca, Drácula. A série animada não se afasta muito dessa premissa, ainda que comece em um momento equivalente ao terceiro jogo da série.

Usando um estilo de animação que mescla técnicas japonesas e ocidentais, Castlevania começa em 1450, na Wallachia, terra onde o Conde Vlad Dracul, ou simplesmente o Conde Drácula (Graham McTavish, de Creed: Nascido para Lutar, 2015), era uma figura temida por todos, especialmente pela forma como punia seus inimigos. Drácula vivia em isolamento e era deixado em paz por todos, até que uma mulher, Lisa (Emily Swallow, de séries como Supernatural), decide abordá-lo em busca de um conhecimento que apenas o Conde poderia lhe proporcionar. Em troca, ela lhe ensinaria tudo o que pudesse sobre a condição humana.

Vinte cinco anos se passam e Drácula se tornou um viajante, que percorre o mundo para conhecer mais o ser humano. Lisa, graças ao conhecimento obtido com seu agora marido, se tornou uma curandeira das mais competentes. Em uma Europa dominada pela Santa Inquisição, uma mulher dotada de conhecimentos não acessíveis aos homens da Igreja não poderia ser nada senão uma bruxa. Assim, enquanto Drácula está fora, Lisa é capturada, condenada e, sob as ordens do Bispo (Matt Frewer, de O Bom Gigante Amigo, 2016), queimada na fogueira como a bruxa que seria.

Ao voltar a Wallachia e tomar conhecimento do destino de sua esposa, Drácula sai de seu isolamento e dá um ano ao povo do país para fazer as pazes com seu deus antes de liberar o exército do inferno sobre aquela terra. Ao final do prazo, somos apresentados a Trevor Belmont (Richard Armitage, da trilogia O Hobbit), o último descendente de uma família caçadora de monstros que foi excomungada pela Igreja. Trevor, no entanto, é um caçador decadente e se preocupa menos com o flagelo que Drácula infligirá sobre Wallachia, e depois ao resto do mundo, e mais em viver sua vida. Suas preocupações se resumem, basicamente, a comer, dormir, ficar bêbado e começar tudo de novo na próxima cidade. Isso, no entanto, muda quando ele é arrastado para um cenário onde é praticamente forçado a desenferrujar suas habilidades e encarar o exército infernal.

A primeira temporada de Castlevania tem apenas quatro episódios, com cerca de 24 minutos cada. Em conjunto, formam um longa-metragem que serve como um grande prólogo ao universo onde se passam suas histórias. A série alterna bons e maus momentos, o desenvolvimento lento é repentinamente acelerado e há algumas boas sequências de ação, além de bastante violência e sangue. Cortesia de Warren Ellis, roteirista bastante conhecido dos fãs de quadrinhos e que teve uma de suas principais obras, Red – Aposentados e Perigosos, adaptada para a telona. É dele também a história que serviu de base para o roteiro de Homem de Ferro 3.

Apesar de um diálogo genérico aqui e ali e um belo vacilo dos tradutores da Netflix, que mantêm a ordem religiosa dos Speakers no inglês nos três primeiros episódios e passam a traduzir o termo como os Oradores no quarto, Castlevania é uma série divertida e deve agradar tanto aos fãs do jogo quanto aos de histórias de vampiros. Uma segunda temporada, com oito episódios, já foi encomendada e deve estrear em algum momento de 2018 na programação do serviço.

Era só colocar a ficha e jogar

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Filmes de Julho: Missão Netflix

por Marcelo Seabra

Shimmer Lake

Sabemos que houve um assalto. Algo deu errado. O xerife não está muito feliz, principalmente por saber que o irmão está envolvido. Este fiapo de trama resume uma nova produção distribuída pela Netflix: Shimmer Lake (2017). E há um diferencial muito bem utilizado: a história é contada de trás para frente, dia a dia. Pode parecer mais do mesmo, que outros fizeram isso antes, mas o recurso causa de fato um efeito interessante, trazendo mais suspense sem enganar o espectador.

Aparentemente uma trama policial, o filme surpreende com momentos de humor, resultando num bom equilíbrio. E, ao invés de um interiorano ser mostrado como imbecil, a tarefa cabe aos agentes do FBI. Benjamin Walker (mais conhecido como Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, de 2012) vive o xerife de uma cidadezinha que teve o banco assaltado. Aos poucos, tomamos conhecimento do que houve e as peças vão se encaixando. E Rainn Wilson (de Super, 2010), geralmente lembrado como comediante, está num meio termo que consegue ser incômodo e tenso.

Shimmer Lake traz ainda em seu carismático elenco Ron Livingston e Rob Corddry como os abobados agentes federais e John Michael Higgins, outro sujeito engraçado naturalmente, num papel delicado. Lembrando começos simples (mas nunca menos que brilhantes) como Cães de Aluguel (Tarantino) ou Following (Nolan), podemos encarar essa empreitada como o sinal de uma bela carreira pela frente para o diretor Oren Uziel, que também assina o roteiro.

Fica Comigo

Constrangedor de tão ruim, Fica Comigo (You Get Me, 2017) é daqueles filmes que te fazem pensar como tantas pessoas podem ter caído, juntas, numa furada tão grande. Seriam as contas a pagar no fim do mês? Pior é pensar que muitos, por não terem o costume de abandonar um filme no meio, chegarão ao final da sessão disso. E o suplício se torna maior graças ao elenco insosso, liderado por uma tal Bella Thorne, atriz acostumada com aventuras adolescentes que resolveu mostrar que cresceu.

Numa trama mais do que batida, de menina que fica obcecada por menino, Thorne é a misteriosa garota de fora que chega na cidade magicamente na festa em que Tyler (Taylor John Smith, de American Crime), o namorado perfeito e apaixonado, arruma motivo para brigar com a amada (Halston Sage, de Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi, 2015). Num misto de raiva e álcool, ele se entrega à desconhecida e vai se arrepender.

Todos os clichês esperados aparecem. A menina não poderia ser apenas desequilibrada, ela precisou perder o pai – como se isso tornasse as pessoas psicopatas. E a coisa só piora, Holly chega ao cúmulo de tentar matar uma colega por intoxicação apenas devido a um pé atrás. Ao invés de orgulhoso, Tom Ripley, o psicopata de Patricia Highsmith, ficaria com vergonha de tamanha apelação. O diretor, Brent Bonacorso, e o roteirista, Ben Epstein, fazem ambos suas estreias em um longa-metragem, e continuaremos a esperar por algo que preste.

Take Me

Depois de diversas participações em séries e filmes, com raros momentos de protagonismo, Pat Healy (de Pequenos Delitos, 2017) dirige e estrela uma produção dos irmãos Duplass. Take Me (2017), já disponível na Netflix, é uma comédia de humor negro que traz uma premissa esdrúxula: Ray tem uma empresa que simula o sequestro de seus clientes. Por incrível que pareça, os motivos que levam pessoas a contratá-lo são diversos.

Esse não será um bom fim de semana para Ray. Com um novo serviço que vai extrapolar suas habituais oito horas de contrato, ele captura a consultora financeira Anna St. Blair (Taylor Schilling, de Orange Is the New Black). Começa um duelo entre os dois que marca uma das relações mais interessantes entre captor e capturada. Em muitos momentos, ela se mostra mais forte e inteligente que ele, o “profissional”, e a situação atinge níveis surreais.

O também estreante roteirista Mike Makowsky demonstra talento para fazer o público rir de nervoso, além da química entre Healy e Schilling funcionar bem. Em um filme curto, eles conseguem entreter, divertir e levantar algumas questões. O que leva uma pessoa a querer ser sequestrada de mentira? E o que tem na cabeça o sujeito que oferece esse serviço? Dá pra pensar.

Um Contratempo

Passeando perigosamente pelo terreno das facetas escondidas dos personagens, Um Contratempo (Contratiempo, 2016) consegue sair ileso. O espanhol Oriol Paulo (de El Cuerpo, 2012) vira o jogo sem chamar ninguém de idiota, o que é fundamental para o sucesso da empreitada. É óbvio que a trama esconde mais do conhecemos nos primeiros minutos, e o diretor e roteirista é hábil ao conduzir o desenrolar, segurando a tensão até o final.

De cara, conhecemos o bem sucedido e jovem empresário Adrián Doria (Mario Casas, de Os 33, 2015), que precisa lidar com uma possível acusação de assassinato logo quando fecha um contrato milionário que vai lhe garantir tranquilidade financeira. A vítima foi morta em um quarto de hotel do qual aparentemente ninguém saiu ou entrou, e apenas ele estava lá. Cabe a uma advogada veterana (Ana Wagener, de Vulcania, 2015) entender o que houve e provar a inocência de seu cliente.

As peças são colocadas engenhosamente e Um Contratempo se mostra bem mais intricado do que parecia. É outra obra recente disponível na Netflix que vai agradar a fãs de séries como C.S.I. E o elenco principal, completado por Bárbara Lennie (de A Pele que Habito, 2011) e José Coronado (também de El Cuerpo), é bem forte, oferecendo uma ótima variação a quem está acostumado com produções faladas em inglês. E, até onde se sabe, o Doria da trama não tem parentesco com um certo prefeito teatral da vida real.

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Pacote de filmes – julho

por Marcelo Seabra

O Círculo

Adaptando um livro de Dave Eggers, com roteiro do próprio e do diretor, James Ponsoldt, O Círculo (The Circle, 2017) parece querer apontar dedos e mostrar para onde estamos indo com o uso de tanta tecnologia e com cada vez menos privacidade. Mas a crítica é tão datada e superficial que lembra um longa de 1999, Ed TV, que fazia uma versão rudimentar do que O Círculo faz.

O público do Big Brother tem um novo alvo: a jovem Mae (Emma Watson), que se oferece à companhia onde trabalha, O Círculo, para ter sua vida filmada o dia todo, com pequenos intervalos para banheiro e dormir. É claro que vai dar problema, e situações exageradas são enfileiradas apenas para conduzir a história. A personalidade de Mae é ditada pelos fatos que a cercam, assim como suas ações, e ela parece levada, sem vontade própria.

Tom Hanks e Patton Oswalt são os empresários por trás das inovações tecnológicas do Círculo e fica claro o tempo todo que eles têm interesses escusos por trás. Se o público não entendeu isso, não tem problema: o personagem de John Boyega (dos novos Star Wars) está lá para avisar. A ironia é ter Ellar Coltrane no elenco, o rapaz que cresceu fazendo Boyhood (2014), praticamente uma versão ficcional e a longo prazo de um reality show.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar

A crítica completa, do Rodrigo Monteiro, está publicada aqui, então farei apenas alguns comentários.

A melhor forma de definir esse De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017) é dizer que trata-se de uma volta às origens. Apesar de atualizar alguns elementos, como o uniforme dele, é o filme que melhor utiliza o humor despretensioso do herói dos quadrinhos, um garoto imaturo e bem intencionado que dispara piadas e teias com a mesma velocidade. Peter é um colegial que vive todos os dramas da idade, de bullying até ter uma queda por uma menina aparentemente intocável. E evitar uma nova história de origem foi uma ótima decisão.

Em meio aos deveres de casa, Peter tenta fazer a sua parte mantendo segura a vizinhança. Uma grata surpresa é o vilão principal, vivido pelo ótimo Michael Keaton. Ele tem os pés no chão e suas motivações trazem uma simpatia e uma dimensão a ele que outros não tiveram. Esse mundinho é bem inserido no universo Marvel, com participações saudáveis de Jon Favreau e Robert Downey Jr., que repetem seus personagens (Happy Hogan e Tony Stark) numa dose suficiente para serem importantes sem roubarem a cena.

Entre tantos acertos, o grande trunfo do diretor Jon Watts é seu protagonista. Mais uma vez comprovando o talento dos produtores na escolha do elenco, Tom Holland é um Peter Parker perfeito. Ao contrário de Tobey Maguire e Andrew Garfield, ele não parece um trintão vivendo um adolescente. Holland tem os traços que esperamos: otimismo, bom humor, insegurança e até medo. E, como ele tem apenas 15 anos, é normal que coadjuvantes esperados não apareçam, o que pode acontecer no futuro.

A Autópsia

O longa de terror (The Autopsy of Jane Doe, 2016) exibido há algumas semanas é bem sucedido em sua proposta: não preocupado em explicar muito, ele parte para a criação de um clima de suspense. Seria fácil cair nos clichês do gênero, já que a história se passa toda numa funerária, mas as situações são bem aceitáveis e os personagens, inteligentes.

Como pai e filho, Brian Cox e Emile Hirsch funcionam bem, o que seria imprescindível para um filme focado nos dois. Com diálogos discretos, os conhecemos melhor, enquanto coisas estranhas vão acontecendo após o corpo de uma desconhecida chegar para autópsia. Os outros coadjuvantes importantes, o policial (Michael McElhatton) e a namorada (Ophelia Lovibond), também casam bem com a trama. Ah, e tem a menina (Olwen Kelly) que fica nua, pálida e imóvel o filme todo, numa atuação fantástica de morta.

A casa é bem explorada, os cantos escuros se tornam ameaçadores até para os Tilden, que moram lá e estão habituados com os cadáveres. Ponto para o diretor norueguês André Øvredal, que viu o seu O Caçador de Trolls (Trolljegeren, 2010) virar cult e fez a ponte aérea para os Estados Unidos. Com roteiro da dupla de Dead of Summer (Ian Goldberg e Richard Naing), série de terror, Øvredal sedimenta uma boa carreira, que merece ser acompanhada.

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Marvel e Sony fazem o melhor Aranha em mais de uma década

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Rodeado de expectativas desde que foi anunciado, Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017) é o primeiro longa-metragem do herói aracnídeo desde o acordo celebrado entre Sony (detentora dos direitos do herói no cinema) e o Marvel Studios, e chega aos cinemas hoje. Sem medo de errar, mesmo com uma aresta aqui e outra ali, esse é de longe o melhor filme estrelado pelo personagem desde Homem-Aranha 2, de 2004.

Um dos acertos do diretor Jon Watts e de sua grande equipe de roteiristas (oito no total) foi tratar Homem-Aranha: De Volta ao Lar não como um filme de origem e, sim, como uma apresentação de como Peter Parker (Tom Holland) se encaixa no Universo Cinematográfico Marvel após os eventos de Capitão América: Guerra Civil (2016). Até porque o personagem teve um reboot recentemente (O Espetacular Homem-Aranha, de 2012) e não seria necessário mostrar novamente a história de como Peter foi picado por uma aranha modificada geneticamente, adquiriu capacidades fantásticas e pagou o preço por não utilizá-las para o bem. Isso praticamente todo mundo que vai ao cinema assistir a essa nova empreitada do aracnídeo nos cinemas já sabe.

Quando o longa começa, vemos Peter frustrado. Apesar de ter tido uma boa participação ao lado de metade dos Vingadores em Guerra Civil, Tony Stark acha – e com razão – que ele ainda está muito verde para combater grandes criminosos. Assim sendo, ele coloca Happy Hogan (Jon Favreau de Chef, 2014) como uma espécie de babá, recebendo relatórios diários das atividades de Peter, que, muitas vezes, se revelam bastante mundanas. Peter quer fazer mais, mas tem que equilibrar sua vida heroica com a de um adolescente órfão de 15 anos, o que significa ir à escola e dar satisfações à sua tia May (Marisa Tomei, de O Amor É Estranho, 2015). Boa parte do longa, inclusive, se passa na escola ou em eventos relativos a ela. Vemos que Peter tem praticamente apenas um amigo, na figura de Ned (Jacob Batalon), e mal consegue disfarçar a paixão que nutre por Liz (Laura Harrier, de Os Últimos Cinco Anos, 2014). Michelle (Zendaya, de O Agente K.C.) e Flash (Tony Revolori, de A 5ª Onda, 2016) completam o grupo dos principais colegas de Peter na escola.

As coisas começam a se complicar quando o Homem-Aranha impede um assalto a banco e, aos poucos, descobre que as armas utilizadas pelos criminosos naquele ato contém tecnologia alienígena, fornecida por Adrian Toomes (Michael Keaton, de Spotlight: Segredos Revelados, 2015), um empresário que era o responsável por limpar a bagunça feita pelos heróis em suas brigas até que Tony Stark entrou no negócio e o tirou da jogada. Peter acha que deter Adrian é seu passe para entrar nos Vingadores e deixar de ser tratado como uma criança por Stark. Obviamente, as coisas não serão assim tão fáceis.

Uma das coisas que Homem-Aranha: De Volta ao Lar faz é estabelecer de maneira muito clara que, por mais engenhoso que Peter seja, ele ainda é um adolescente querendo brincar com adultos. Isso, somado ao ambiente escolar, traz um clima cômico salutar ao filme. Alguns críticos chegaram a comparar o filme às comédias de John Hughes (diretor de Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado, entre outros) e isso tem razão de ser. Uma sequência em particular lembra muito uma história do Aranha intitulada The Commuter Cometh (ou Uma Aranha Suburbana), publicada aqui pela Editora Abril em O Homem-Aranha 82, de 1990 – clique aqui para essa história (em inglês), para aqueles que ficaram curiosos a respeito. Claro, esse é um filme de super-herói e as sequências de ação estão presentes, mas há um equilíbrio muito bom entre comédia, drama e a pancadaria esperada.

Há também alguns problemas e o principal deles está no fato do uniforme do Homem-Aranha ter um papel importante no filme, tanto metafórica quanto praticamente. O papel metafórico faz muito sentido e é vital para a construção do caráter de Peter. Já o papel prático ficou exagerado, na medida em que o uniforme do Homem-Aranha é quase uma versão em nylon da armadura do Homem de Ferro. Algumas sequências de ação também ficaram muito escuras e um pouco confusas, mas nada que comprometa o resultado.

Com relação ao elenco, uma das críticas antes mesmo do filme ser lançado estava principalmente no tamanho da participação de Downey Jr. no longa e na preocupação de ele querer os holofotes para si. Apesar de ter bons minutos de tela, Downey não ofusca Holland em nenhum momento. Já os demais fazem seu papel com competência, com destaque para Michael Keaton. Uma das principais reclamações de todos com relação aos filmes da Marvel é que, no geral, seus vilões são bastante insípidos e unidimensionais. Eles querem coisas grandiosas como conquistar o mundo (Loki), destruir o mundo (Ultron), vingança (Zemo) ou remodelar o universo à sua imagem (Ego). O Abutre de Keaton tem motivações bem mais terrenas e isso faz com que o espectador consiga, em determinada medida, se identificar e mesmo criar uma certa empatia com ele. Novamente, ponto para todos os envolvidos.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar não é o melhor filme do Cabeça de Teia no cinema, título que pertence a Homem-Aranha 2 (2004). Mas é muito superior aos dois longas protagonizados por Andrew Garfield e, esperamos, fará com que essa parceria Sony/Marvel gere bons frutos. E, ainda que não fosse tão necessário, é bom avisar que De Volta ao Lar tem duas cenas após o encerramento da trama principal, uma logo depois dos créditos principais e outra no final. E essa segunda cena é uma das poucas que faz valer a espera por ela.

Depois de Batman e Birdman, Keaton é o Abutre

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O esperado Okja chega à Netflix

por Marcelo Seabra

Um subgênero que faz sucesso até hoje na sessão da tarde é o de filmes de animais de estimação. É muito comum encontrar na programação da TV um drama sobre um garoto e seu cachorro, ou sobre a menina que vai viver numa fazenda e se afeiçoa a seu cavalo. Fazendo uma releitura nessa linha, a Netflix lança esse mês sua nova produção original, Okja (2017), longa que causou certa polêmica no Festival de Cannes por disputar prêmios e não ter tido um lançamento nos cinemas.

Bong Joon Ho novamente demonstra preocupação com questões ambientais. Em O Hospedeiro (The Host, 2006), ele criou um monstro a partir de um rio poluído, e em Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013), as pessoas foram obrigadas a viverem em um trem, já que o planeta não oferecia mais condições. Agora, o diretor e roteirista sul-coreano fez uma ponte entre seu país e os Estados Unidos para falar sobre manipulação genética e maus tratos a animais num tom que muda radicalmente do idílico para o violento, sempre com um quê de farsa.

Depois de ser recusado em vários estúdios pelo rumo que toma, o roteiro de Okja (co-escrito por Jon Ronson, de Frank, 2014) encontrou casa na Netflix, que parece permitir maior liberdade aos realizadores que patrocina – e Joon Ho vinha de uma experiência muito negativa nesse sentido com Expresso do Amanhã, que produtores tentaram cortar e modificar. Em entrevistas, ele disse que pretendia fazer um filme bonito, sem se aprofundar nos problemas que pontua. Talvez essa decisão seja o problema: não se aprofundar em nada, não definir um tom e apenas focar na manjada amizade entre uma garota e seu bicho de estimação. Saem cachorros e cavalos, entra uma porca gigante.

Apesar de ser uma porca, Okja mais parece um hipopótamo. Dócil e amável, ela vive com Mija (An Seo Hyun) e o avô (Byun Hee-bong) como parte do projeto de uma empresa americana. A empresária Lucy Mirando (Tilda Swinton, de Doutor Estranho, 2016, e de Expresso) anuncia ao mundo a descoberta de uma nova espécie de porcos, escondendo o óbvio: eles são geneticamente modificados. Produzindo mais carne e causando um impacto ambiental menor, esses porcos são a solução de Mirando para a fome mundial. A empresa envia vários porcos para diferentes regiões do globo e acompanha o desenvolvimento deles por dez anos.

Já sabemos de antemão que, ao final do projeto, a menina e a porca serão separadas e o conflito é que moverá o filme. Um grupo de defesa dos direitos dos animais – liderado por um Paul Dano (de The Beach Boys, 2014) quase apático – se envolve e o drama se torna uma ação desenfreada. A menina, antes ingênua e humilde, vira algo perto de uma ninja mutante, já que tem fator de cura. As traduções, feitas por personagens bilíngues para que os demais se entendam, magicamente deixam de ser necessárias, dando a entender que só serviam para informar o espectador. O avô, um velhinho inofensivo e carinhoso, vira um insensível que manda a neta arrumar um marido. Há ainda um apresentador vivido por Jake Gyllenhaal (de Vida, 2017) que não passa de uma caricatura de mau gosto e um motorista de caminhão clichê que não fala simplesmente porque não está afim. E não nos esqueçamos do executivo à Renan Calheiros (Giancarlo Esposito, de The Get Down – acima), aquele que consegue prever sucessos e insucessos e sempre sobrevive às mudanças.

Swinton, que rouba a cena até quando é mencionada, é de longe a melhor coisa de Okja – mesmo lembrando a Cruela Cruel. Apesar de ela começar muito bem, demonstrando acreditar realmente nas loucuras que faz, sua empresa é pintada como maligna, onde até a recepcionista é tinhosa. Trazendo um ar moderno a esta fábula, o diretor usa e abusa de redes sociais e selfies, o que não deixa de ser outra crítica à sociedade rasa de hoje. Mas, no meio do caminho, fazem uma piadinha com fezes, mais uma vez mostrando que o filme não define para onde vai, e nem como.

Swinton é sempre a melhor coisa em cena

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Embate de culturas marca A Garota Ocidental

por Marcelo Seabra

Para seu terceiro filme, o belga Stephan Streker se inspirou em um fato ocorrido na Bélgica, em 2007, sempre mantendo seu interesse nos personagens e na cultura deles. O resultado, A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição (Noces, 2016), chega aos cinemas essa semana e oferece uma visão de dentro de uma família paquistanesa que segue suas tradições mesmo sem estar em seu país. É preciso deixar de lado qualquer percepção etnocentrista para entender como aquelas pessoas vivem.

Diretor e roteirista, Streker tem um ponto de vista interessante. Ele parece conseguir mostrar as emoções e os pensamentos de seus personagens acompanhando-os em tomadas longas e, muitas vezes, silenciosas. Nesse filme, ele nos apresenta a Zahira (Lina El Arabi – ao lado) uma garota que chega aos 18 anos e precisa enfrentar um dilema. Como seus pais e sua irmã mais velha, ela precisa se casar com alguém que não conhece, o que é corriqueiro no Paquistão.

Morando na Bélgica, em contato com ocidentais na escola, nas ruas, em todo lugar, Zahira não manteve a forma de pensar de seus compatriotas. Tanto que ela já tem seus romances com garotos locais, algo que os pais não podem nem sonhar. Tudo é escondido, já que as meninas muçulmanas devem ficar em casa, recatadas. Boates e bares só são permitidos aos rapazes. Pela internet, Zahira precisa conhecer seus três pretendentes e escolher um, que ela só conhecerá próximo ao casamento.

Nas mãos de alguém menos habilidoso, o material se tornaria um dramalhão arrastado e cartunesco. Mas não é o caso, já que Streker sabe lidar com esse conflito como alguém com conhecimento de causa. Seria muito fácil demonizar os pais e colocar a garota como vítima do destino. Ele opta por uma protagonista forte, decidida, vista em casa como rebelde. E nem por isso menos amorosa, tanto com os pais quanto com os irmãos. A estreante Lina El Arabi carrega o filme com tranquilidade de fazer inveja a muito veterano.

Babak Karimi (de O Apartamento, 2016) e Nina Kulkarni (de O Exótico Hotel Marigold, 2011) vivem os pais de Zahira com muita competência, se alternando entre o amor pela filha e a dependência da religião. A honra familiar é mostrada como ela é de fato: uma hipocrisia entre várias pessoas com problemas particulares que mostram total felicidade e perfeição para os demais. Pode ser percebida aí uma crítica às redes sociais, que se igualam à religião ao sustentarem esse tipo de ilusão.

Um outro grande destaque de A Garota Ocidental é o francês Sébastien Houbani (de Geronimo, 2014 – acima), que lembra muito um jovem Al Pacino. Amir está dividido entre o amor à irmã e a obediência à família, e o ator mostra esse turbilhão pelo olhar. Confidente de Zahira, ele entende os anseios dela, mas vê a tradição como algo maior. Ele não quer os pais mal falados na comunidade. Todos da família Kazim são críveis e têm laços fortes entre eles, o que torna o desenrolar da história pungente. E marca mais um acerto da Cineart Filmes, que distribui o longa no Brasil.

Streker demonstra muita sensibilidade na condução

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Ao Cair da Noite mantém alta a tensão

por Marcelo Seabra

Alguma coisa aconteceu, não sabemos o que é. Uma família se refugiou numa casa numa floresta, não sabemos onde fica. O que sabemos é que, o que quer que esteja acontecendo, é mortal. E não será fácil sobreviver. Se a premissa não é das mais originais, a condução e o resultado são e garantem a satisfação do público. Ao Cair da Noite (It Comes at Night, 2017) é uma ótima surpresa num gênero que passa longe do gol com tanta frequência que cria certa desconfiança.

Todos os anos, temos observado alguns destaques isolados entre filmes de terror, aqueles que fazem com que conservemos a nossa fé nesse filão. Depois de The Babadook (2014), Corrente do Mal (It Follows, 2014) e A Bruxa (The Witch, 2015), parecia que o destaque seguinte seria o pouco criativo Corra (Get Out, 2016), sucesso absoluto de bilheteria e crítica que faz uma grande mistura de referências e não atinge uma identidade própria. Mas eis que o diretor e roteirista Trey Edward Shults, seguindo seu elogiado Krisha (2015), emenda outro grato petardo.

Quem tem um animal de estimação e já o viu fitando a escuridão compenetradamente sabe o pânico que isso pode causar. E é exatamente essa sensação que o cartaz do filme traz. Não sabemos o que ele está vendo, mas é melhor que fique longe. E essa tensão permanece por toda a sessão, com a opressão dos quartos sendo tão explorada pela fotografia quanto a vastidão da mata. Não importa onde você estiver, o perigo está próximo, esperando apenas uma derrapada. E é por isso que a família toma muito cuidado com qualquer movimento, sempre de luvas e máscaras.

Com poucos minutos de projeção, percebemos que esse não será um terror habitual. A dedicação aos personagens é algo que não se vê sempre. Não conhecemos bem o histórico deles, mas logo entendemos as relações e o carinho entre eles. O pai, a mãe e o filho vivem em uma rotina bem controlada, a melhor forma de evitar problemas. Todos imaginam o que pode vir a acontecer, mas é melhor se concentrar nas pequenas coisas do dia a dia do que pensar no pior. As interpretações seguras de Joel Edgerton (de O Presente, 2015), Carmen Ejogo (de Alien: Covenant, 2017) e Kevin Harrison Jr. (de O Nascimento de Uma Nação, 2016) se encaixam perfeitamente, dando muita vida a seus personagens.

Em pouco menos de uma hora e meia, Shults constrói uma atmosfera que poucos diretores conseguem e deixa uma impressão forte e duradoura. De forma enxuta e direta, ele segue uma das mais antigas recomendações quando o assunto é o Cinema de terror: menos é mais. Quanto menos o público vê, mais aterrorizado fica. Com a ajuda de uma trilha sonora comedida e pontual, melhor ainda. Não surpreenderia que o universo de Ao Cair da Noite desse origem a uma série interminável de filmes para a televisão. Afinal, ele deixa esse gosto por mais.

Todo cuidado é pouco

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Tudo e Todas as Coisas é mais um romance adolescente

por Marcelo Seabra

À primeira vista, Tudo e Todas as Coisas (Everything, Everything, 2017) parece ser um romance adolescente corriqueiro. E ele até começa assim, conquistando pela riqueza dos recursos que utiliza para contar a história. Mas, à medida em que as coisas caminham, ele deixa de ser plausível e suas inconsistências vão aparecendo. Ao final, temos a prova de que apenas o carisma dos atores não segura um filme com tantos buracos.

Na trama, conhecemos uma garota que comemora seus 18 anos tendo vivido sempre dentro de uma casa esterilizada, sob os cuidados da mãe e de uma enfermeira. Ela sofre de uma doença imunológica rara e nunca sai ou tem contato físico com outra pessoa. “Mas a mãe a abraça e beija”, você pode apontar. “Por que a mãe e a enfermeira podem entrar, e mais ninguém?”, é uma pergunta que pode surgir. Na verdade, a parte do “mais ninguém” é imprecisa: a filha da enfermeira também pode. Teriam todas passado por exames? Ou recebido vacinas? Vai saber.

A vida da menina sai da mesmice de escrever resenhas literárias (cheias de spoilers) e de fazer um curso à distância de arquitetura (com direito a maquetes) quando vê o novo vizinho. Alguém poderia se levantar contra a ideia de que é preciso um homem para mudar a vida de uma mulher. Para evitar controvérsias, digamos que o catalisador da mudança foi o amor, mesmo que à primeira vista. Mas eis que surge a dúvida: “O material para as maquetes é esterilizado? A cola não causa reações?”. A mãe recusa um bolo de política da boa vizinhança exatamente por causa da segurança da filha, mas todo o resto pode entrar. E há um novo conceito de cartão de crédito: basta pedir um pela internet e fazer compras, os boletos nunca vão chegar.

Como dá para perceber, as inconsistências são várias e vão se multiplicando, cada vez mais rápido. Ao chegar ao final, o público deve se perguntar como foi possível chegar tão longe. “Será que ninguém viu a bagunça?” Se o roteiro fosse uma estrada, a suspensão do carro já teria quebrado há tempos. Cortesia do roteirista de filmes melosos como A Incrível História de Adaline (2015) e O Melhor de Mim (2014), J. Mills Goodloe. Mas sejamos justos: o livro que deu origem ao filme, de Nicola Yoon, não deve ser grandes coisas. Consegue ser bem pior que A Culpa É das Estrelas (The Fault in Our Stars, 2014), obra bem similar em tema, forma e até no ator principal.

Vivendo Maddy, Amandla Stenberg mostra que cresceu bastante desde os tempos de Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012). Apesar de parecer que se embolou em alguns diálogos, ela segura bem a peteca, e a química funciona com Nick Robinson (de Jurassic World, 2015), o que é fundamental para aguentar a sessão – mesmo o filme tendo apenas uma hora e meia de duração. Anika Noni Rose (de Bates Motel), como a mãe de Maddy, faz milagres para tornar a personagem menos antipática, e muito é exigido dela mais adiante.

As situações que se desenrolam a partir do meio e principalmente no final não serão discutidas para evitar spoilers (o que Maddy não faz em seus textos). Basta dizer que é bem sem pé nem cabeça e as reações esperadas não aparecem. A diretora Stella Meghie emprega bastante criatividade, esperando que isso sirva para costurar os retalhos. Recursos como o astronauta e as conversas dramatizadas são interessantes, mas um pingo em um oceano de conveniências e absurdos.

A missão de Rose é das mais indigestas

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