Embate de culturas marca A Garota Ocidental

por Marcelo Seabra

Para seu terceiro filme, o belga Stephan Streker se inspirou em um fato ocorrido na Bélgica, em 2007, sempre mantendo seu interesse nos personagens e na cultura deles. O resultado, A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição (Noces, 2016), chega aos cinemas essa semana e oferece uma visão de dentro de uma família paquistanesa que segue suas tradições mesmo sem estar em seu país. É preciso deixar de lado qualquer percepção etnocentrista para entender como aquelas pessoas vivem.

Diretor e roteirista, Streker tem um ponto de vista interessante. Ele parece conseguir mostrar as emoções e os pensamentos de seus personagens acompanhando-os em tomadas longas e, muitas vezes, silenciosas. Nesse filme, ele nos apresenta a Zahira (Lina El Arabi – ao lado) uma garota que chega aos 18 anos e precisa enfrentar um dilema. Como seus pais e sua irmã mais velha, ela precisa se casar com alguém que não conhece, o que é corriqueiro no Paquistão.

Morando na Bélgica, em contato com ocidentais na escola, nas ruas, em todo lugar, Zahira não manteve a forma de pensar de seus compatriotas. Tanto que ela já tem seus romances com garotos locais, algo que os pais não podem nem sonhar. Tudo é escondido, já que as meninas muçulmanas devem ficar em casa, recatadas. Boates e bares só são permitidos aos rapazes. Pela internet, Zahira precisa conhecer seus três pretendentes e escolher um, que ela só conhecerá próximo ao casamento.

Nas mãos de alguém menos habilidoso, o material se tornaria um dramalhão arrastado e cartunesco. Mas não é o caso, já que Streker sabe lidar com esse conflito como alguém com conhecimento de causa. Seria muito fácil demonizar os pais e colocar a garota como vítima do destino. Ele opta por uma protagonista forte, decidida, vista em casa como rebelde. E nem por isso menos amorosa, tanto com os pais quanto com os irmãos. A estreante Lina El Arabi carrega o filme com tranquilidade de fazer inveja a muito veterano.

Babak Karimi (de O Apartamento, 2016) e Nina Kulkarni (de O Exótico Hotel Marigold, 2011) vivem os pais de Zahira com muita competência, se alternando entre o amor pela filha e a dependência da religião. A honra familiar é mostrada como ela é de fato: uma hipocrisia entre várias pessoas com problemas particulares que mostram total felicidade e perfeição para os demais. Pode ser percebida aí uma crítica às redes sociais, que se igualam à religião ao sustentarem esse tipo de ilusão.

Um outro grande destaque de A Garota Ocidental é o francês Sébastien Houbani (de Geronimo, 2014 – acima), que lembra muito um jovem Al Pacino. Amir está dividido entre o amor à irmã e a obediência à família, e o ator mostra esse turbilhão pelo olhar. Confidente de Zahira, ele entende os anseios dela, mas vê a tradição como algo maior. Ele não quer os pais mal falados na comunidade. Todos da família Kazim são críveis e têm laços fortes entre eles, o que torna o desenrolar da história pungente. E marca mais um acerto da Cineart Filmes, que distribui o longa no Brasil.

Streker demonstra muita sensibilidade na condução

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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